sábado, 3 de novembro de 2018

Responsabilidade Penal do Psicopata

Responsabilidade Penal do Psicopata

Publicado por Melissa Gusmao
há 4 dias
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RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar, de forma breve, o modo em que o denominado psicopata é conceituado, através de premissas no âmbito psiquiátrico e psicológico, e também quais são os instrumentos forenses, além dos dispositivos legais, utilizados pelo poder judiciário brasileiro para atribuir a responsabilidade penal nos casos em que houver fato atípico, antijurídico e culpável. Portanto, as informações componentes dessa apuração acadêmica serão exteriorizadas de forma em que os estudos em relação ao tema sejam unidos para abordar, também, a relação entre os psicopatas homicidas e as implicações jurídico-penais resultantes do caso concreto. Esse trabalho de conclusão de curso irá esclarecer a existência da discussão sobre a resolução do questionamento correspondente à dúvida no tocante à possibilidade de compreensão a respeito do caráter ilícito do fato e, consequentemente, como será atribuída à responsabilidade penal nesses casos.
Palavras-chave: Direito Penal; Psicopatia; Imputabilidade;
1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho consiste na compreensão do transtorno de personalidade antissocial denominado como psicopatia, sendo o possuidor dessa desordem mental conceituado como psicopata de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IVTR) e com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas.
O trabalho buscará esclarecer algumas questões voltadas a responsabilização penal do indivíduo que seja possuidor dessa condição psíquica permanente, nos casos em que houver autoria do mesmo em crimes e, também, quais são as medidas adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro para que haja a devida aplicação das penas, já que a psicopatia não pode ser considerada como uma causa de exclusão de culpabilidade, posto que se trate de um transtorno da personalidade, sendo, então, não reconhecida como doença mental.
É imprescindível ressaltar que o Código Penal Brasileiro trouxe consigo a matéria relativa à conduta do psicopata, porém, o legislador positivou quais são os sujeitos que poderão ser considerados pela lei como inimputáveis, e o psicopata não se enquadra nessa definição, pois, mesmo que seja detentor de um transtorno psicológico, ainda assim, tem plena faculdade mental para compreender o caráter ilícito de um fato.
O método utilizado para esta pesquisa foi o método de revisão de doutrina, análise de leis e jurisprudência emanadas de tribunais nacionais, bem como o posicionamento acerca do tema de diversos autores, alguns, também, de outras áreas.
2 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA PSICOPATIA
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5;
O transtorno de personalidade antissocial corresponde a um comportamento de padrão difuso de desconsideração e violação dos direitos das outras pessoas, podendo ser definido como um distúrbio psíquico do qual causa interferência na maneira em que o indivíduo psicopata irá se portar perante a sociedade e perante a si mesmo, uma vez que não obtém sucesso em habituar-se às normais sociais, morais, éticas e legais, caracterizando, então, um descaso pela segurança de outras pessoas e pela ausência completa de empatia. A principal característica dos psicopatas é a abstenção de sentimentos como o de culpa e remorso, considerando que a particularidade predominante do transtorno é a ausência de consciência que já pode ser evidenciada na infância ou no início da adolescência, prevalecendo de forma crônica até a fase adulta e depois dela. (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2014).
O psicopata possui uma grande facilidade para enganar, falsificar e manipular, e são essas ações que comumente o levam ao descumprimento das leis. Os comportamentos específicos correspondentes do transtorno faz com que o indivíduo rompa todos os obstáculos presentes para que, então, possa iniciar a execução de diversas condutas tipificadas no Código Penal Brasileiro sendo assim, o comportamento criminoso torna-se inevitável para essas pessoas, considerando a aptidão que elas têm para manipular, premeditar e executar delitos. Tendo em vista a ausência de consciência, é possível perceber nos psicopatas o desprezo que há em relação a tudo que os cercam, posto que seus interesses estejam sempre buscando o alcance de seus objetivos independentemente das consequências e do que eles terão que fazer para que possam realizar suas vontades inconsequentes.
Em suma, ao arrolar características intrínsecas à psicopatia, a CID-10 indica principalmente: a indiferença aos sentimentos de outras pessoas ou animais, a irresponsabilidade persistente, o desrespeito perante as normas, regras e obrigações sociais, a falta de capacidade em manter relacionamentos ou estabelecê-los, baixa tolerância à frustração, alto ego, e incapacidade de sentir culpa ou aprender com experiência ou punição, e também a propensão em culpar os outros por seus próprios atos. Como forma de complemento, é importante atentar-se para que haja um maior entendimento acerca das características da personalidade dos psicopatas ao que explica a autora Silva:
São pessoas frias, insensíveis, manipuladoras, perversas, transgressoras de regras sociais, impiedosas, imorais, sem consciência e desprovidas de sentimento de compaixão, culpa ou remorso. Esses ‘predadores sociais’ com aparência humana estão por aí, misturados conosco, incógnitos, infiltrados em todos os setores sociais. Trabalham, estudam, fazem carreiras, casam, têm filhos. Em casos extremos, matam a sangue-frio, com requintes de crueldade, sem medo nem arrependimento (SILVA, 2008. p. 11).
Percebemos que a doutrina classifica os psicopatas como pessoa que tem a capacidade de manipular pessoas tanto fisicamente, quanto psíquica, com isso pode constatar que o poder de persuasão desses agentes é elevado fazendo com que a vitima venha a cair no erro.
3 CULPABILIDADE
Podemos dizer que a culpabilidade está diretamente ligada ao gênero de responsabilidade penal do qual abrange três espécies: imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade, das quais apenas uma será selecionada para ser atribuída como característica essencial do autor que viole as normas contidas no ordenamento jurídico para que, então, dependendo da capacidade do agente em entender a ilicitude do ato praticado, possa ser aplicada a sansão penal cabível ou a extinção do processo de acordo com a exclusão da culpabilidade.
Conforme explica Capez:
Quando se diz que “Fulano” foi o grande culpado pelo fracasso de sua equipe ou de sua empresa, está atribuindo-se-lhe um conceito negativo de reprovação. A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. (CAPEZ, 2010, p. 323-358).
Código Penal Brasileiro, atualmente, não trouxe consigo a conceituação do termo “culpabilidade”, porém, trouxe um rol de condições que possibilitam a exclusão de ilicitude em conformidade com o reconhecimento da inimputabilidade do agente enquanto autor de algum ato infracional. Dessa forma, a culpabilidade representa o elemento que irá demonstrar se o autor do crime será penalmente culpável. Isto é: irá determinar se o agente terá ou não a aptidão para responder criminalmente pelos seus atos.
Posto isso, esclarece Greco:
(...) a culpabilidade, ou seja, o juízo de censura que recai sobre a conduta típica e ilícita, é individual, pois o homem é um ser que possui sua própria identidade, razão pela qual não existe um ser igual ao outro. Temos nossas peculiaridades, que nos distinguem dos demais. Por isso, em tema de culpabilidade, todos os fatos, internos e externos, devem ser considerados a fim de se apurar se o agente, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo. (GRECO, 2008, p. 383).
3.1 IMPUTABILIDADE
A imputabilidade pode ser entendida como propensão atribuída àquela pessoa alvo de criminalização. Imputar é o mesmo que conferir responsabilidade à ação ou omissão de alguém que resulte em fato criminoso. O artigo 13 do Código Penal nos demonstra que: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.
Capez nos dá o seguinte conceito acerca da imputabilidade penal:
É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade (CAPEZ, 2010, p. 331-332).
Portanto, só será imputada responsabilidade criminal a aquele que der causa ao resultado delituoso. Deste modo, é imputável aquele que possui capacidade e discernimento completo para entender o caráter ilícito de determinado ato que pratique de acordo com sua vontade. Os imputáveis respondem pelos seus atos mediante cumprimento de pena, respeitado o devido processo legal.
3.2 SEMI-IMPUTABILIDADE
Existem situações em que alguns agentes podem se determinar de acordo com o entendimento da ilicitude do ato, ou seja, ao contrário dos inimputáveis, os semi-imputáveis têm consciência de suas ações ou omissões, entretanto, a presença de alguma desordem psíquica ou a ocorrência de um desenvolvimento mental incompleto ou retardado, por qualquer motivo, pode diminuir a capacidade de resistência para a realização do ato criminoso, já que para essas pessoas, o controle de seus impulsos torna-se muito mais árduo do que para uma pessoa imputável.
Portanto, os semi-imputáveis detêm consciência e vontade diminuídas, mas não anuladas. Podem ser condenados penalmente, porém o Código PenalBrasileiro em seu artigo 26parágrafo único, prevê a possibilidade de a pena poder ser reduzida de um a dois terços. Há também a possibilidade do semi-imputável ser apenado com medida de segurança, a depender do entendimento do juiz acerca da necessidade de tratamento especial psiquiátrico.
Para um melhor esclarecimento do conceito de semi-imputabilidade, analisemos o que definiu Capez:
É a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado. Alcança os indivíduos em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior em relação à prática do crime. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais (CAPEZ, 2010, p. 346).
3.3 INIMPUTABILIDADE
Ser inimputável é não poder ser punido pelo Código Penal em decorrência de alguma condição mental que impossibilite o agente de compreender o caráter ilícito do ato criminoso que ele vier a praticar.
A culpabilidade é a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. (CAPEZ, 2010, p. 323-358).
Posto isso, podemos identificar quem são essas pessoas a partir da análise do artigo 26 do Código Penal Brasileiro:
Art 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
4 A IMPORTÂNCIA DA PSIQUIATRIA FORENSE
Para que haja um alcance ao menos satisfatório de conhecimento jurídico, é necessário que nós não nos atenhamos apenas a uma única ciência, pois, é importante lembrarmos que a estrutura do ordenamento jurídico foi construída de forma não uniforme, tendo em seu núcleo a junção de diversas informações adquiridas a partir do zelo pelo saber de diferentes ciências e áreas de atuação, segundo livro de Cleckley (1984) que fez parte do primeiro trabalho sobre estudos psiquiatricos nos Estados Unidos.
A psiquiatria forense tem uma grande importância e participação na área jurídica, tornando-se um instituto indispensável para a justiça. Isso se dá em razão do desempenho exercido por essa ciência para buscar a resolução de questões que não poderiam ser resolvidas por profissionais que não pertencessem a esse ramo.
O perito médico, por exemplo, funciona como uma espécie de “tradutor”, do qual transmite ao operador do direito as informações relevantes de qualquer procedimento pericial ou equivalente a outro meio de prova produzido e transcritos em laudos ou exames médicos que sejam de complexa compreensão leiga.
Já os profissionais de saúde mental (psicólogos e psiquiatras) atuam para apurar a existência ou não de enfermidades modificadoras do comportamento humano do indivíduo. Isto é: com o aumento dos casos envolvendo a sanidade mental dos criminosos, a necessidade de nomeação de um profissional dessa área para atuar no processo se torna cada dia mais vital. (CLECKLEY, 1984, p 321).
A psiquiatria forense não possibilita apenas a identificação de patologias, mas também indica qual é a melhor opção de tratamento do enfermo, bem como mecanismos de prevenção que podem ser usados em prol do benefício não só do acusado, mas também da sociedade como um todo.
Visto isso, considerando a falha do ordenamento jurídico em não ter criado um tipo para a atribuição de responsabilidade penal ao portador de transtorno de personalidade antissocial, a atuação da psiquiatria forense torna-se imprescindível para determinar o estado de sanidade mental do indivíduo que tenha cometido um crime. Para que então, os sansões plausíveis sejam empregados com efetividade.
Sendo assim, podemos dizer que se não fosse pela psiquiatria forense, talvez não fosse possível verificar o estado mental desses criminosos.
5 A RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA
Para se avaliar a responsabilidade de um delito cometido por um psicopata são estabelecidas, segundo Ballone (2005), três regras criminais:
A primeira diz respeito ao fato de que o psicopata não poderá ser declarado como imputável semi-imputável ou inimputável antes de passar por uma avaliação psicológica, pois, somente através de laudos e exames de sanidade mental que poderá ser possível determinar a responsabilidade penal do portador de psicopatia de acordo com o grau de periculosidade do indivíduo perante a sociedade a que ele estiver inserido.
A segunda regra consiste em afirmar que o indivíduo, apesar de conhecer as diferenças existentes entre o que é considerado certo e errado, poderá vir a ter um impulso irresistível e cometer um crime.
A terceira corresponde ao fato de que um sujeito não poderá ser responsável criminalmente por seus atos, caso esses sejam consequência de uma doença.
Isto é: a pessoa que cometer o crime não poderá ser responsabilizada, se, no momento da ação ou omissão, estiver com sua capacidade mental reduzida ou prejudicada.
Ballone (2005), ainda, expõe que existem três formas de atribuir a responsabilidade penal ao psicopata que tenha sido autor em um crime: a primeira é a da responsabilidade integral; a segunda equivale à responsabilidade atenuada; e a terceira se refere à exoneração total de responsabilidade. Porém, diante desses fatos, surge o questionamento: qual será o mecanismo adequado usado para determinar o estado mental do acusado?
Para um melhor entendimento, é imprescindível fazermos uma análise conforme o disposto no artigo 149 do Código de Processo Penal:
Art 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará. De ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.
Posto isso, percebemos que a realização do exame médico-legal é de extrema importância para verificar o estado da integridade mental do indivíduo acusado no tocante a qualquer dúvida que vier a surgir. O exame será feito através de perícia por profissional devidamente qualificado. Logo, de acordo com Dinamarca podemos conceituar perícia como:
Exame feito em pessoas ou coisas, por profissional portador de conhecimentos técnicos e com a finalidade de obter informações capazes de esclarecer dúvidas quanto a fatos. Daí chamar-se perícia, em alusão à qualificação e aptidão do sujeito a quem tais exames são confiada. Tal é uma prova real. (DINAMARCO, 2008, p. 584).
Portanto, a primeira diligência a ser feita para apurar a capacidade do agente de entender ou de determinar-se de acordo com o entendimento do caráter ilícito do fato corresponde à realização de perícia que, através de laudos e exames de sanidade mental, processados por peritos da área médica, fornecerão as informações necessárias para que seja feita a qualificação do sujeito.
Assim, depois de feito isso, caberá ao juiz analisar qual sansão será adequada ao portador do transtorno, avaliando se o mesmo, no momento da ação ou omissão, era capaz de distinguir o lícito do ilícito, ou de se autodeterminar com esse entendimento.
6 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
Conforme pesquisa feita e detalhada por Alexandra Carvalho Lopes de Oliveira sobre processos de competência estadual, nos sítios eletrônicos dos Tribunais de Justiça de cada Estado da Federação. Foi possível concluir que não há um entendimento pacificado a respeito da responsabilidade penal do psicopata, considerando que há diversidade não só da doutrina, mas também do entendimento jurisprudencial.
E é por isso que ao constatar que uma pessoa seja possuidora do transtorno de personalidade antissocial, é fundamental que seja realizada rigorosa avaliação e, consequentemente, determinação do grau de psicopatia presente no individuo, pois, apenas dessa forma, será possível circunscrever o alcance da compreensão da ilicitude da prática do ato que detinha o agente no momento do delito.
Consoante, ainda, à pesquisa realizada por Alexandra Carvalho Lopes de Oliveira, diante da posição dos tribunais, foi possível observar que alguns magistrados manifestaram preferência ao entendimento da imputabilidade total dos psicopatas, equiparando-os a qualquer outro cidadão que possua discernimento completo e capacidade integralizada de reconhecer a ilicitude do fato, sendo, então, sentenciado com pena privativa de liberdade. Vejamos a seguinte decisão:
HABEAS CORPUS. LIBERDADE PROVISÓRIA ORDEM DENEGADA. INCABÍVEL A LIBERDADE PROVISÓRIA SE PRESENTES OS MOTIVOS QUE AUTORIZARIAM UM DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA.NÃO FAZ JUS AO BENEFÍCIO O ACUSADO QUE, EM EMBORA PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES, PRATICA O CRIME COM VIOLÊNCIA REVELANDO-SE AINDA, PORTADOR DE PERSONALIDADE PSICOPATA.TJ-DF - HC: 58756319928070000 DF 0005875-63.1992.807.0000, Relator: HERMENEGILDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 25/03/1992, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 25/03/1992, DJU Pág. 1 Seção: 2
Nesta decisão, embora o acusado seja réu primário e de bons antecedentes foi negada a ordem de habeas corpus e teve sua prisão decretada.
Deve ser esclarecido que está previsto em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de realização de exame criminológico. Em primeiro momento, o referido exame era um dos requisitos presentes que auxiliavam a determinação da progressão de regime.
Entretanto, no ano de 2003 houve alteração legislativa deixou de considerar o caráter obrigatório da realização do exame criminológico. A redação dada ao artigo 112 da Lei de execução criminal passou a vigorar da seguinte maneira:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003).
§ 1o A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003).
§ 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutacao de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003).
Nesse contexto, foi editada a súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
Súmula 439 - Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada. (Súmula 439, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010)
Há decisões sobre o tema em sede de execução criminal, como, por exemplo, nesta decisão:
E M E N T A – AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO – INDEFERIMENTO COM BASE EM EXAME CRIMINOLÓGICO – REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. O exame criminológico, após o advento da Lei n. 10.792/2003, que alterou o artigo 112 da LEP, tornou-se recurso facultativo, mas, se realizado e desfavorável tal exame, deve ser considerado como fator para a apreciação do pedido e eventual denegação do benefício e, nada obsta, seja realizado por profissional da psicologia. Precedentes das Cortes Superiores. No caso, a perícia concluiu que o reeducando se enquadra no diagnóstico de Psicopata Histérico, caracterizado pela insensibilidade emocional, ausência de empatia, ânsia pelo prestigio e completo desprezo pelas regras de conduta social, concluindo ser inconveniente seu contato social no presente momento. Assim, tenho como não satisfeito o requisito subjetivo, determinado pelo art. 112 da LEP para a concessão do benefício pleiteado. Com o parecer, recurso improvido.
(TJ-MS 00091751220178120002 MS 0009175-12.2017.8.12.0002, Relator: Desª. Maria Isabel de Matos Rocha, Data de Julgamento: 24/10/2017, 1ª Câmara Criminal).
Portanto, de acordo com esse entendimento, o fato de a pessoa ser portadora do transtorno não observa a possibilidade da hipótese de redução de pena prevista no artigo 26parágrafo único do Código Penal Brasileiro e pode ter consequências na progressão de regime durante o cumprimento da pena.
Entretanto, em contrapartida, também há magistrados que entendem que o transtorno de personalidade antissocial determina semi-imputabilidade. Logo, o indivíduo psicopata deverá ser sancionado com aplicação de medida de segurança.
Sendo assim, considerando que não há lei específica que trate do psicopata, e não podendo enquadrá-lo nos artigo 26 do Código Penal Brasileiro, conclui-se que a imputabilidade atribuída ao indivíduo possuidor dessa desordem mental dependerá de avaliação médica psiquiátrica, para que então o juiz possa decidir qual será a sansão cabível diante do caso concreto, considerando as particularidades apresentadas por cada autor de forma individualizada, de acordo com o grau da psicopatia, e periculosidade presente no acusado.
7 IMPACTO SOCIAL
Ao nos depararmos com um tipo de crime que geralmente choca a sociedade de forma perturbadora, é provável que o delito tenha sido cometido por um psicopata. A abstenção de sentimentos faz com que ele não reconheça outras pessoas como seres humanos, mas como objetos dos quais ele pode fazer uso.
No cotidiano, o psicopata comporta-se de forma manipuladora e volátil. E, por isso, na maioria das vezes, pode passar “despercebido” aos olhos de pessoas comuns.
Vale lembrar que são incapazes de criar ou manter vínculos emocionais, e por possuírem um ego acentuado, têm a crença de que são superiores em relação a todos que estejam ao seu redor.
Esse tipo de transtorno específico de personalidade é sinalizado por insensibilidade aos sentimentos alheios. Quando o grau de insensibilidade se apresenta extremado (ausência total de remorso), levando o indivíduo a uma acentuada indiferença afetiva, este pode assumir um comportamento delituoso recorrente, e o diagnóstico é de psicopatia. (FILHO, 2012, p. 166)
O ordenamento jurídico brasileiro não possui nenhuma matéria legal que trate diretamente ou até mesmo indiretamente dos agentes que possuam o transtorno de personalidade antissocial. Entretanto, o Código Penal Brasileiro adota o critério biopsicológico para verificar o estado mental do indivíduo. Isto é: esse critério consiste em um sistema do qual irá buscar analisar de forma efetiva a saúde mental do autor do crime a fim de determinar a existência ou não de alguma enfermidade psíquica, bem como a presença de um desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Dessa forma, através de exames médico-legais, é possível definir se, no momento da ação ou omissão, o agente era capaz de compreender o caráter ilícito de seu ato.
Nesse contexto, é analisado se, nas circunstâncias de tempo do crime, o sujeito obtinha discernimento e controle sobre seus atos, seja de maneira parcial ou de forma integral.
No caso do psicopata, é de extrema importância que o seu grau seja analisado de meticulosamente, pois, apenas assim, poderá ser levantada a hipótese de atribuição da semi-imputabilidade ou até mesmo da inimputabilidade, dependendo das particularidades do caso concreto.
Quando demonstrado que o autor, além de portador da psicopatia, no momento do fato, não possuía condições mentais sadias para distinguir o lícito do ilícito, este será visto pela lei como inimputável, excluindo-se a culpabilidade, ficando o agente isento de pena.
Entretanto, quando comprovado que o criminoso, em virtude de alguma perturbação de saúde mental, ao praticar o delito, não obtinha total discernimento para determinar-se de acordo com o entendimento do caráter ilícito do fato, este será semi-imputável, tendo a pena aplicada reduzida de um a dois terços.
Vale ressaltar que não existe um entendimento unânime quanto a responsabilização penal do psicopata, porém, o juiz, ao verificar o grau de psicopatia do indivíduo, poderá decidir quais penas deverão ser aplicadas de acordo com o grau de periculosidade do autor, além de indispensavelmente considerar a análise da sanidade mental do sujeito no instante que tenha executado o ilícito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho focou essencialmente em sanar de forma lacônica a dúvida constante acerca da forma utilizada pelo nosso ordenamento jurídico brasileiro para determinar a responsabilidade penal do indivíduo portador do transtorno de personalidade antissocial, mais conhecido como: psicopatia.
Quando falamos em psicopatas, nos referimos àquelas pessoas sem empatia, remorso ou culpa. São aqueles sujeitos capazes de cometer crimes bárbaros utilizando-se um alto grau de crueldade.
Assim, de um ponto de vista geral, os psicopatas são vistos como semi-imputáveis, considerando que os mesmos possuem discernimento suficiente para distinguir o certo do errado. Porém, também não podem ser equiparados aos criminosos comuns que não tenham nenhum transtorno mental. Por isso, as atribuições da pena e da culpabilidade serão feitas de forma individualizada conforme cada contexto, levando em conta todas as considerações circunstanciais do crime e também as características pessoais de cada acusado.
Para que então após análise dos laudos médicos, o juiz possa decidir qual será a punição mais adequada. Porém, é relevante expor que no caso dos psicopatas, a reincidência tem probabilidade acentuada, considerando que a aplicação de pena privativa de liberdade não seja o mecanismo adequado para tentar fazer a ressocialização do indivíduo, já que a ausência de culpa e característica egoística são inteiramente presentes em sua conduta, fazendo com que o acusado não tenha nenhum interesse em promover mudanças em seu comportamento em benefício da boa convivência social.
Sendo assim, a aplicação de medida de segurança com acompanhamento profissional médico adequado seria a mais indicada como uma forma de tentativa para a redução da periculosidade do psicopata perante a sociedade a qual esteja inserido O transtorno de personalidade antissocial não tem cura, para vários especialistas a “psicopatia é uma forma de ser e não de estar” e, por isso, ainda não podemos contar com um sistema eficaz que sirva para conter ou prevenir as ações desses indivíduos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
BRASIL. Código Penal (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF: Senado Federal.
BALLONE, G. J. Representação da Realidade in, 2005. Disponível em http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?sec=47&art =258. Acesso em 20 de Setembro de 2018.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2005.
CLECKLEY. Hervey Milton, 1903-1984, em seu livro The mask of Sanity (A Máscara da Sanidade), publicado em 1941.
ESTEFAM, André. Provas e procedimentos no processo penal. São Paulo: Damásio de Jesus, 2008.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. 10. Ed. Niterói: Ímpetus, 2008.
SERAFIM, Saffi F. (2014). Psicologia e Práticas Forenses. Barueri –SP. Manole.
SERAFIM, Saffi F, Silva TGB. Forensic neuropsychological assessment: a review of its scope. Arch Clin Psychiatry, 2015.
SILVA, Ana Beatriz B. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado/Ana Beatriz Barbosa Silva. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
SILVA. Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas. Rio de Janeiro. Ed. Objetiva, 2008
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 6. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

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