NOÇÃO DE NATUREZA, AMBIENTE,
MEIO AMBIENTE, RECURSOS AMBIENTAIS
E RECURSOS NATURAIS1
Richard Domingues Dulley2
RESUMO:
Este artigo procura estabelecer, a partir das reflexões de alguns autores, quais seriam
as principais diferenças entre os conceitos de natureza, ambiente, meio ambiente, recursos
naturais e recursos ambientais. O objetivo é melhorar o entendimento sobre cada um, de
modo que os interessados possam aplicá-los em suas análises de forma adequada, evitando-se a
utilização indiscriminada de uns e outros. Na realidade, há suficientes elementos para inferir
que as diferenças entre esses conceitos existem, e são substanciais e significativas. O mais importante,
entretanto, é que para o futuro entre os principais recursos ambientais ou naturais
que devem ser preservados estão os recursos genéticos presentes na natureza do país e que
constituem parte incomensurável da riqueza nacional.
Palavras-chave: natureza, ambiente, meio ambiente, recursos naturais, conceitos.
NOTIONS OF NATURE, ENVIRONMENT, SPECIFIC ENVIRONMENT,
ENVIRONMENTAL RESOURCES AND NATURAL RESOURCES
ABSTRACT:
Grounded in a few authors´reflections, this article tries to establish the principal
differences among the concepts of nature, environment, specific environment, natural resources
and environmental resources. The objective was to improve the understanding of each
one, so that interested people will be able to appropriately apply in their analyses, thus avoiding
the indiscriminate utilization of these terms. In fact, there are enough elements to infer
that the differences among those concepts exist and are substantial and meaningful. The important
point, however, is that, for the future, the main environmental or natural resources
that must be preserved are the genetical resources present in a country’s nature, which constitutes
an incommensurable part of the national wealth.
Key-words: nature, environment, specific environment, natural resources, concepts.
JEL Classification: N56, Q20, Q30.
1Registrado no CCTC n. ASP-10/2004.
2Engenheiro Agrônomo, Doutor, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola.
Dulley, R. D.
Agric. São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004
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1 -
INTRODUÇÃO
Os textos que tratam de temas relacionados aos
impactos que os diversos sistemas de produção agrícola
provocam na natureza acabam por utilizar os
termos natureza, ambiente, meio ambiente, recursos
ambientais e recursos naturais quase que como sinônimos.
Essa falta de rigor na utilização dos conceitos,
embora não seja importante para os leigos, dificulta o
entendimento para aqueles que se dedicam a estudar
as questões ambientais. À primeira vista, destacar esta
questão semântica pode parecer apenas um preciosismo,
porém uma simples decisão de denominar o conteúdo
deste artigo de “questões ambientais”, “questões
da natureza”, “questões do meio ambiente” ou
“questões dos recursos naturais” tem importância. E
isso porque a visão geral mais comum e predominante,
que é a leiga, distingue muito pouco esses termos,
e o entendimento que se tem da natureza e a forma
pela qual agricultores, industriais, trabalhadores e
consumidores, enfim a sociedade de modo geral se relaciona
com ela e considera ou encara qualquer tipo
de ação impactante decorrente de suas atividades, dependem
em grande parte desse entendimento inicial.
É importante portanto investigar os elementos
que fundamentam essa visão mais comum, procurando
melhor entender e diferenciar do ponto de
vista teórico os conceitos de natureza, ambiente,
meio ambiente, recursos ambientais e recursos naturais,
no sentido de promover o esclarecimento, ou
senão, pelo menos o debate.
Buscou-se, portanto, neste artigo resgatar o
pensamento de diversos autores que têm se dedicado
ao estudo e à reflexão sobre esses temas e conseguiram
avançar na diferenciação do real significado
de cada termo. Evidentemente, o que se segue não se
pretende constitua uma “palavra final”, uma vez
que na área do estudo da natureza quase tudo está
sempre em construção.
2 - NATUREZA
Em relação ao estudo da natureza destacou-se
o pensamento de alguns autores como base para as
considerações e reflexões feitas neste trabalho. Um
enfoque bastante original e esclarecedor é o de Lenoble
(1969), sendo importante destacar que essas reflexões
foram feitas há mais de 30 anos. Sua idéia básica
é a natureza que o homem conheceu e conhece é
sempre pensada. E esclarece que essa idéia é pensada
no espaço e no tempo. Lenoble (1969) considera que
“não existe uma Natureza em si, existe apenas uma Natureza
pensada. (...). A natureza em si, não passa de uma
abstração. Não encontramos senão uma idéia de natureza
que toma sentido radicalmente diferente segundo as épocas e
os homens.” Dessa forma, o significado da natureza
não é o mesmo para grupos sociais de diferentes lugares
e épocas na história (LENOBLE, 1969). A natureza é
pensada, a partir de relações sociais.
E ademais, considera que “...Toda idéia da natureza
pressupõe, com efeito, uma complexa aliança de elementos
científicos (o que são as coisas?), morais (que atitude
deve tomar o homem perante o mundo?), religiosos (a natureza
é o todo ou é a obra de Deus ?)” (LENOBLE, 1969).
O termo natureza, ainda segundo esse autor,
“... ao mesmo tempo que se aplica ao conjunto das coisas ...
designa também. ... um princípio considerado produtor do
desenvolvimento de um ser e que realiza nela um certo
tipo de ação” e que na origem do termo natureza
“...está a palavra latina natura que liga-se a raiz nasci
(nascer) e significa em primeiro lugar: a ação de fazer
nascer” (LENOBLE, 1969).
Verifica-se, portanto, que o conceito de natureza
daquele autor é abrangente e diferencia claramente
o natural do artificial. Assim, o termo natural
trataria das coisas e fenômenos da natureza e o artificial
das coisas e fenômenos do homem. Segundo
Lenoble (1969), para os gregos, “o natural é uma ordem
independente das coisas humanas", e o artificial seria
resultado de um prodígio do homem. Existiriam,
nesse caso, também alguns artifícios que o homem
poderia utilizar em relação à natureza, que seriam
proibidos por violar a própria natureza. A arte seria
a habilidade da imitação da natureza, sem entretanto
reproduzi-la, e a técnica uma forma de domínio sobre
a natureza, sem entretanto reproduzi-la. Exemplifica
com a substância sulfato de cobre, que na
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realidade não é uma coisa, mas uma fórmula pensada
e que pode ser “reproduzida”, mas não de "forma
natural". Considera ainda que o termo natural não se
aplica apenas a coisas, abrangendo também os hábitos
sociais, de modo que “... toda mudança grave da
ordem humana é, ao mesmo tempo, uma alteração da
natureza”.
É preciso lembrar também que não se pode
dissociar o natural do social, pois outros temas, além da
destruição da natureza, como o tratamento cruel de
animais domésticos, a exploração desumana de trabalhadores
e crianças e as restrições por parte dos consumidores
aos organismos geneticamente modificados,
que até há poucos anos, não eram sequer cogitados
pelas legislações específicas, nem mesmo os monitorados
por entidades internacionais, passaram, recentemente,
a serem considerados parte da crise ambiental.
Aquele mesmo autor destaca que apesar das
divergências existentes entre escolas de pensamento e
polêmicas, a concepção que prevalece em autores como
Stevin, Beckman, Huyghens, Hobbes e Boyle é a de que
“...a natureza é uma máquina e que a ciência é a técnica de
exploração dessa máquina” (LENOBLE, 1969). E considera
que foi essa visão adotada pelo homem ocidental que
fez com que ele deixasse de “escutar” a natureza e
passasse a interrogá-la ininterruptamente. Segundo
Lenoble (1969), essa postura constitui a dominante no
século XIX, onde o pensamento moderno sobre natureza
firma-se, e “a ciência torna-se o novo ídolo. Ela penetra os
segredos da natureza...” (LENOBLE, 1969).
Para que se possa melhor compreender as
questões ambientais torna-se necessário aceitar que a
natureza, ao contrário do que pode parecer, não foi
criada apenas para a espécie humana. Segundo Lenoble
(1969), “... A natureza não tem preferência e o
homem, apesar de todo o seu gênio, não vale mais para ela
do que qualquer um dos milhões de outras espécies que a
vida terrestre produziu”.
A partir dessas considerações iniciais pode-se
inferir que a natureza, entendida como mundo natural,
pode diferir conceitualmente de ambiente e
meio ambiente. Para tanto foi feita uma breve reflexão
e para que se possa investigar suas relações do
ponto de vista teórico, discutem-se brevemente essas
questões.
Para Morin (1988), “...A natureza não é desordem,
passividade, meio amorfo: é uma totalidade complexa”; e “ ...o
homem não é uma entidade isolada em relação a essa totalidade
complexa: é um sistema aberto, com relação de autonomia/dependência
organizadora no seio de um ecossistema”.
Morin (1988) considera ainda que “... A sociedade
hominídea... constitui a sua economia organizando e
tecnologizando as suas duas praxis ecológicas da caça e da
colheita, que se transformam em práticas econômicas”.
Conclui afirmando: “... a organização econômica emerge
como cultura no sentido forte do termo...”; e essa cultura
deve ser “... transmitida, ensinada, apreendida, quer
dizer, reproduzida em cada novo indivíduo no seu período
de aprendizagem, para poder auto perpetuar-se e para
perpetuar a alta complexidade social.” (MORIN, 1988).
Segundo esse mesmo autor é a cultura que
diferencia o homem dos demais animais, e ela é civilizadora.
O homem nasce num ambiente natural, mas
simultaneamente num ambiente sociocultural.
Capra (1996), por sua vez, considera que “a
natureza é vista como uma teia interconexa de relações, na
qual a identificação de padrões específicos como sendo
‘objetos’, depende do observador humano e do processo do
conhecimento”.
O debate sobre o conceito de natureza é bastante
extenso, e inclui também aspectos filosóficos,
religiosos e éticos. Nesse sentido, Ehrenfeld (1993)
considera que "a grande contribuição do homem à natureza
é a cultura".
Foi, portanto, a partir da natureza, e do seu
estudo sistemático que o homem foi construindo3
3A formulação de Mazoyer; Roudart (1998), que destaca num
sistema social produtivo o papel dos meios humanos, o saber, o
saber fazer e o trabalho, mostra que através desses busca-se
atender às necessidades humanas. Assim pode-se considerar
que as atividades intelectuais e físicas originam-se da necessidade
do homem para a preservação da vida da sua espécie que
passa inexoravelmente pela necessidade de se alimentar. Foi
exatamente essa necessidade, aliada à sua capacidade de pensar,
que lhe permitiu aperfeiçoar os métodos de reproduzir, no
seu meio ambiente, a biomassa e outros produtos necessários ao
sustento de uma determinada população. Referindo-se à produção
agrícola Mazoyer; Roudart (1998) afirmam que “...O homem
não nasceu agricultor, quando apareceu”, no sentido de demonstrar
que o homem, para a sua sobrevivência, dentre outras
atividades, teve capacidade para domesticar plantas e animais,
reproduzi-las e cuidar das atividades para obter uma produção;
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seu meio ambiente, através do acúmulo de conhecimento
sobre ela. Dessa forma, de um lado, o conhecimento
que o homem acumulou e tem da própria
espécie e inter-relações da mesma pode ser considerado
e denominado seu meio ambiente ou meio ambiente
humano. Por outro, o homem desenvolveu um
vasto conhecimento relacionado ao conjunto das demais
espécies compreendendo o meio ambiente particular
de cada uma delas e que “somadas” ao meio
ambiente humano comporiam o denominado ambiente.
E o somado vai entre aspas pois esse conjunto
deve ser considerado de modo holístico, ou seja, a
soma das partes não é necessariamente igual ao todo.
Com relação à natureza é interessante notar
que, no caso do Brasil, a Constituição Federal de
19884 não contempla os termos natureza e ambiente,
referindo-se apenas ao meio ambiente como objeto
de regulação e preservação. Dispõe em seu Capítulo
VI Do meio ambiente, no seu artigo n. 225, que “todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”. Não há portanto na Constituição Federal
propriamente uma definição do que seja meio ambiente
ou ambiente. Mas a Lei Federal n. 6.938/815, de
31 de agosto de 1981 (já alterada pela Lei Federal
7.804, de 18 de julho de 1989) que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos
de formulação e aplicação, e dá outras providências,
estabelece pelo seu artigo 3º. Que “... Para
os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente,
o conjunto de condições, leis, influências e interações
de ordem física, química e biológica, que permite,
além disso, desenvolveu uma série de instrumentos de trabalho.
O conhecimento que gradualmente adquiriu com a experiência
foi obtido simultaneamente à construção da sua história,
começando com a coleta e caça, chegando até a agricultura,
criação, indústria, artes, etc. e através da aquisição de um conhecimento
cada vez maior sobre os mais profundos meandros
da natureza construindo seu meio ambiente e o ambiente.
4SENADO FEDERAL (1988). Constituição Federal do Brasil, capítulo
VI artigo n. 225. Disponível em: . Acesso em: 23 maio 2004.
5Disponível em: . Acesso em: 24 maio 2004.
abriga e rege a vida, em todas as suas formas."
Embora o texto constitucional não se refira
aos termos natureza e ambiente considerou-se válido
analisar e refletir sobre o significado e diferenças que
podem existir entre esses termos na vida prática.
A Constituição Federal (SENADO FEDERAL,
1988), embora não se refira ao termo recursos naturais,
indiretamente o faz ao afirmar no parágrafo
segundo do artigo 225 que “... Aquele que explorar
recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente”.
Distingüe, portanto, recursos minerais (parte
dos recursos naturais) do meio ambiente.
3 - AMBIENTE E MEIO AMBIENTE
A partir do texto constitucional vigente, são
inúmeras as interpretações existentes na literatura
sobre o conceito de ambiente e meio ambiente. Assim
é que, para alguns autores como Art (1998), dentro
de uma visão mais estática, natureza é “termo genérico
que designa organismos e o ambiente onde eles
vivem: o mundo natural”.
Por ambiente entende-se o “... Conjunto de
condições que envolvem e sustentam os seres vivos na
biosfera, como um todo ou em parte desta, abrangendo
elementos do clima, solo, água e de organismos”, e por
meio ambiente a “soma total das condições externas
circundantes no interior das quais um organismo, uma
condição, uma comunidade ou um objeto existe. O meio
ambiente não é um termo exclusivo; os organismos podem
ser parte do ambiente de outro organismo” (ART, 1998).
Santos (1996), discutindo o conceito de sustentabilidade,
considera que environment (ambiente)
compreende a base física e material da vida, a infraestruture
(infra-estrutura) possibilita a sua existência
em toda e qualquer escala. Nesse sentido, ainda citando
Humphrey e Buttel in Santos (1996), o conceito
de ambiente envolve “a biosfera ou a fina camada de
vida que recobre a superfície da terra, localizada entre a
crosta terrestre e a atmosfera” constituindo, portanto,
“as condições externas e influências afetando a vida ou a
totalidade do organismo das sociedade, ou a infra-estrutura
biótica que sustenta populações de todos os tipos”.
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Para Galopin (apud SANTOS, 1996), o conceito
de ambiente é compreendido como “ ...resultado de
uma divisão do mundo em objetos e nas condições que
possibilitam sua existência, ou seja, seu ambiente.” Nesse
sentido, o ambiente “ ...é um construto intelectual, não
necessariamente uma propriedade básica da natureza; um
construto, além disso, destacando mais as diferenças do
que a unidade e realidade básica relacional da natureza.”
Santos (1996) considera que há indicações de
que “ ... não há mais sentido, nos dias atuais, para a clássica
e rígida separação entre homem, mundo natural e
mecânico”; e cita Sousa Santos (1989): “os cientistas
sociais que estejam atentos ao desenvolvimento das ciências
naturais e que os cientistas naturais estejam atentos
ao desenvolvimento das ciências sociais. É necessário
estabelecer os critérios, os limites, e as possibilidades de
fertilização cruzada entre os dois campos científicos, critérios
que permitam distinguir entre os dois o que há de futuro
e de passado nesses desenvolvimentos de modo a
rentabilizar seletivamente as dinâmicas futuras.”
Gliessman (2000) considera que "o ambiente de
um organismo pode ser definido como a soma de todas as
forças e fatores externo, tanto bióticos quanto abióticos,
que afetam seu crescimento, sua estrutura e reprodução
(...) o ambiente no qual o organismo ocorre precisa ser
compreendido como um conjunto dinâmico, em constante
mudança, de todos os fatores ambientais em interação ou
seja, como um complexo ambiental".
Há, entretanto, outros autores que consideram
que a natureza não se resume ao físico, pois ela
é antes de tudo um produto, um resultado da visão
que o homem tem dela no tempo e no espaço (LENOBLE,
1969) e que o meio ambiente não tem apenas
um sentido estático, por ser constituído por relações
dinâmicas entre seus elementos componentes, tanto
vivos como não vivos. Dentro dessa linha de raciocínio,
para Primavesi (1997), meio ambiente não é
apenas o espaço em que se vive "mas o espaço do qual
vivemos". Para Tostes (1994), “meio ambiente é toda relação,
é multiplicidade de relações. É relação entre coisas,
como a que se verifica nas reações químicas e físico-químicas
dos elementos presentes na Terra e entre esses elementos
e as espécies vegetais e animais; é a relação de relação,
como a que se dá nas manifestações do mundo inanimado
com a do mundo animado (...) ...é especialmente, a relação
entre os homens e os elementos naturais (o ar, a água, o
solo, a flora e a fauna); entre homens e as relações que se
dão entre as coisas; entre os homens e as relações de relações,
pois é essa multiplicidade de relações que permite,
abriga e rege a vida, em todas as suas formas. Os seres e as
coisas, isoladas, não formariam meio ambiente, porque não
se relacionariam”.
Refletindo sobre as posturas adotadas por
esses autores é possível diferenciar o significado dos
termos meio ambiente de apenas ambiente. O conjunto
dessas posturas assemelham-se e, de certa forma,
complementam a visão de Meyer-Abich (1993),
quando se refere ao que denomina "mundo conatural",
ou seja, "cada espécie depende de determinado número
de elementos específicos da natureza, que no seu
conjunto são indispensáveis à sobrevivência de cada uma".
Essa visão reconhece claramente o direito de preservação
do meio ambiente específico de cada espécie.
E além disso não cai no antropocentrismo6 característico
da maioria das políticas ambientais contemporâneas,
que somente preocupam-se com os elementos
do ambiente necessários à sobrevivência da
espécie humana, ou seja, ao seu meio ambiente. Entretanto,
mesmo no contexto do antropocentrismo,
Ehrenfeld (1993) relata situações acerca de como o
conceito de meio ambiente depende profundamente
do conhecimento e de cultura locais. Cita o fato de
6Pode-se considerar antropocentrismo clássico, “a visão que
predominou em relação ao posicionamento do mundo "natural"
perante o homem, desde a construção da noção de Natureza
pelos gregos, até o surgimento das preocupações jurídicas do
ser humano com a qualidade de vida e a proteção do meio
ambiente, foi aquela que se baseava numa total separação entre
dois universos, até então considerados dissociados: o homem e
a natureza. Esse panorama teve início com as jornadas intelectuais
desenvolvidas pelos gregos (início da filosofia), que foram
implementadas, essencialmente, a partir de uma intensa observação
dos fenômenos físicos, que resultaram numa consolidação
do conceito de natureza. E com a construção de um conceito
com caráter abstrato, fruto de elaboração intelectual, em que se
estabelece uma relação de alteridade da natureza em face do
homem, fica estabelecido um paradigma dessa relação que, por
conta da característica universalista do pensamento grego (que
o distinguiu dos demais povos), acaba influenciando toda a
civilização ocidental que a sucedeu. Em KALINOSKI, M. Genoma
humano: um bem jurídico-ambiental. Disponível em . Acesso em: 23
maio 2004.
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que um local onde um forasteiro só consegue perceber
um deserto, um beduíno (cujas raízes históricas
aí estão) consegue perceber e (re)conhecer a existência
de um meio ambiente útil às populações locais e
até mesmo estabelecer um ecossistema cultivado. O
mesmo se aplicaria aos habitantes das regiões desérticas
geladas e de florestas fechadas.
Voltando à natureza, se se admite que ela
exista independente da existência e/ou conhecimento
da espécie humana, então ela engloba não só o
que o homem não conhece, mas também o que conhece,
pode perceber/conhecer, inclusive quanto a
sua própria espécie e as inter-relações dinâmicas que
nela ocorrem. Evidentemente, os elementos da natureza
que são importantes para a sobrevivência humana
(o meio ambiente humano) diferem daqueles
necessários à sobrevivência das demais espécies
vegetais e animais que tem cada uma seu meio ambiente.
Portanto, para cada espécie, existiriam conjuntos
diferentes de elementos inter-relacionados que
lhes são indispensáveis para sobreviver, constituindo-se
em meios ambientes específicos7. Se se admitir
que a natureza é pensada, e que somente o homem
tem a capacidade de pensar culturalmente
(acumular e refletir sobre conhecimentos), reforça-se
a visão de que ao se referir a ambiente, refere-se ao
conjunto dos meios ambientes de todas as espécies,
pensados e/ou conhecidos pelo sistema social humano.
A fim de melhor explicitar essa passagem do
conceito de natureza para os de ambiente e meio
7“Cada organismo requer seu ambiente particular, seu habitat específico.
O ambiente humano é um desses muitos diferentes habitats, nosso
lugar para viver dentro de toda da natureza. A sociedade industrial
confundiu isto de modo que todo o mundo é compreendido meramente
como o habitat humano, e nós falamos de um único meio ambiente, o
nosso, que sozinho, deve ser protegido. Como resultado nós atingimos
uma crise no nosso relacionamento com a natureza” (MEYER-ABICH,
1993). A formulação teórica de Mazoyer; Roudart (1998) corrobora
este pensamento, pois coloca os ecossistemas cultivados
(artificializados) como sendo externos ao ecossistema natural.
Um outro termo que as vezes é empregado é habitat que Art
(1998) define como “lugar onde um animal ou planta vive ou se
desenvolve normalmente, geralmente diferenciado por características
físicas ou por plantas dominantes. São habitats os desertos, os lagos e
as florestas”.
ambiente, elaborou-se a figura abaixo, indicando
que a natureza 100% natural só pode ser pensada
como um ideal, uma vez que o homem está sempre
modificando-a para sobreviver.
Natureza Ambiente
(conjunto de meios ambientes das diversas
espécies conhecidas pelo homem)
(100% natural) (modificado)
Consolidando o conceito, poder-se-ia dizer
que ambiente seria portanto a natureza conhecida
pelo sistema social humano (composto pelo meio
ambiente humano e o meio ambiente das demais
espécies conhecidas).
É importante destacar que a aceitação dessa
visão de ambiente e das possíveis ações sobre o
mesmo poderá evitar a adoção de uma postura muito
comum, mas equivocada de considerar como nele
incluídos apenas os elementos do meio ambiente
que interessam diretamente ao homem. O correto
seria, portanto, que ao se tratar de ambiente, se incluam
além do humano, também os meios ambientes
de todas as demais espécies conhecidas pelo
homem. O fato de que esses outros meios ambientes
específicos sejam ou não considerados e respeitados
como parte do ambiente pelos sistemas sociais humanos
já é outra questão que não cabe neste ensaio.
Portanto, o respeito apenas ao ambiente no
sentido estrito (antropocêntrico), equivocadamente
confundido com o meio ambiente humano, limitarse-ia
aos elementos conhecidos da natureza que são
indispensáveis para o sistema social produtivo humano
e para a sobrevivência da espécie humana,
tanto local quanto planetariamente. É portanto a
capacidade do homem de pensar a natureza, pensada
em seu sentido amplo (envolvendo todas as espécies
conhecidas), que lhe permite pensar todos os
meios ambientes compondo o ambiente.
A natureza e o ambiente seriam, portanto,
duas faces de uma mesma moeda, sendo que o segundo
teria uma conotação mais prática ou de utilidade,
não só para o homem, mas também para qualquer
espécie. Por exemplo, o meio ambiente favorá-
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vel, por exemplo, às minhocas, composto por elementos
da natureza que lhes são indispensáveis para
sua sobrevivência e reprodução.
No caso dos seres humanos, o seu meio ambiente
mais comum são as cidades que podem ser
vistas como natureza modificada pelo homem, afastada
portanto da categoria natureza, assumindo a
categoria de meio ambiente específico, denominado
também de meio ambiente construído. A natureza
tem, então, um sentido dinâmico pois está constantemente
sendo transformada em meio ambiente,
como decorrência do constante aumento do conhecimento
do homem sobre ela. Os sistemas sociais
humanos afastam-se gradualmente do “natural”,
pois, por sua própria natureza, tem por objeto conhecê-la
e modificá-la8.
A natureza conhecida pelo homem assumiria
gradualmente características de ambiente. Desse ambiente
(geral) vai se destacando um conjunto variável
de elementos da natureza necessários à sobrevivência
da espécie humana. Esse conjunto de elementos,
submetido à ação dinâmica de um sistema social
produtivo9, vai assumindo características de meio
ambiente econômico. No caso da agricultura, por
exemplo, um ecossistema cultivado pode, portanto,
ser considerado meio ambiente (um meio ambiente
específico do homem, visando fins específicos). Esse
meio ambiente, por sua vez, inter-relaciona determinado
número de elementos do ambiente (global),
objetivando fins bastante específicos (no sentido do
interesse da espécie humana).
Uma outra forma de interpretar essa passa-
8Embora o conhecimento do ambiente tenha como limite a própria
natureza, a modificação do ambiente (e portanto da natureza),
num sentido destrutivo, tem também um limite, após o
qual o próprio meio ambiente humano pode desaparecer, assim
como o próprio ambiente (uma vez que este só é pensado pelo
homem), ainda que a natureza em si não possa acabar em decorrência
da ação humana.
9Mazoyer; Roudart (1998) consideram também que “o sistema
social produtivo (ou sistema técnico, econômico e social) é composto
pelos meios humanos (força de trabalho, conhecimento, e saber fazer),
dos meios inertes (instrumentos e equipamentos produtivos) e
dos meios vivos (plantas cultivadas e animais domésticos) dos quais
dispõe a população agrícola para desenvolver as atividades de renovação
e de explotação da fertilidade do ecossistema cultivado, a fim de
satisfazer diretamente (através do autoconsumo) ou indiretamente
(pelas trocas), suas próprias necessidades".
gem do conceito de ambiente para o de meio ambiente
humano e meio ambiente econômico é compreender
que, à medida que o sistema social produtivo
conhece, modifica e organiza a produção e consumo
de acordo com o interesse da espécie humana,
ou pelo menos das classes sociais que domina o sistema
econômico, ele vai assumindo um significado
diferente, o de meio ambiente econômico específico
adequado a esse mesmo sistema econômico. Fica
claro, portanto, que ambiente se referiria a todas as
espécies, enquanto que meio ambiente estaria ligado
sempre a cada espécie em particular.
Como já dito, no caso da espécie humana, seu
meio ambiente corresponderia à natureza conhecida,
modificada em relação aos interesses do seu sistema
social produtivo. Como nele convivem interesses
econômicos sociais contraditórios entre objetivos dos
que contemplam a preservação do ambiente e outros
que não contemplam, esse sistema poderia ser pensado
tanto para promover a sua preservação quanto
para a sua depredação.
Considera-se que a natureza não é estática, e
sim dinâmica, está sempre se transformando de modo
imperceptível e/ou violento, mas nela sempre
atuam mecanismos próprios ou naturais que buscam
restaurar o equilíbrio10. Os sistemas sociais produtivos
humanos, quer trabalhem no sentido favorável,
quer desfavorável ao ambiente e natureza, não têm
capacidade de destrui-lo(a). Podem sim, tornar o seu
meio ambiente impróprio para a sobrevivência da
espécie humana, de tal modo que a espécie seja eventualmente
excluída da natureza com a deterioração
e extinção do seu meio ambiente. E com a exclusão
da espécie humana da natureza, o conceito de
ambiente também deixaria de existir, pois não haveria
mais ninguém apto a pensá-lo. Não haveria mais
cultura. O ambiente pode portanto ser considerado
como todo produto do conhecimento11 que o sistema
social produtivo tem sobre a natureza e o meio ambiente.
10O equilíbrio existente nos processos da natureza e nos organismos
que nela coexistem denomina-se homeostase.
11“O fato científico é da ordem do teórico e não do real. É sempre uma
abstração” (CARDOSO, 1978).
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Natureza, meio ambiente humano e ambiente
impuseram historicamente exigências, incômodos e
desafios para a espécie humana que tiveram papel
decisivo no seu processo de evolução, fazendo-o
passar de um sistema antropóide para um sistema
humano (hominização), mas foi especialmente o
desenvolvimento da cultura que permitiu ao homem
adaptar os mais diversos ambientes a si, que passaram
a ser cada vez mais dominados.
A noção de ambiente pode ser considerada como
resultado do pensamento e conhecimento humano
e do seu trabalho intelectual e físico sobre a natureza,
e corresponde portanto à natureza trabalhada.
O conhecimento humano então foi construído
em estreita relação com o ambiente no qual o homem
está inserido, e do qual não pode fugir, pelo
menos até os dias atuais. E foi por necessidade que
procurou dominá-lo, seja através da liquidação física
dos inimigos da espécie e/ou utilização para se alimentar
(caso da caça de animais), pela extensão de
suas funções (caso do martelo, alavanca, colher, etc.)
ou cópia da natureza (vasilhas, fogo, etc.).
Um outro aspecto a ser considerado é o do
caráter das ciências ambientais e da ecologia e do
papel de cada uma com relação a natureza, ambiente,
meio ambiente e recursos naturais. “Entender
os aspectos teóricos-conceituais da ecologia como um modo
de interpretar os ambientes e suas inter-relações, para
conservá-lo e, se for o caso, preservá-lo, é um dos aspectos
da Educação Ambiental. Entretanto, temos que entender a
ecologia como uma ciência bem marcada no recinto da biologia,
que tem um espaço restrito de atuação no estudo das
relações entre os seres vivos e o espaço que o cerca, levando
em consideração os aspectos físicos, químicos e biológicos.
A ecologia não é uma ciência ambiental, é uma ciência que
estuda o ambiente. Entendida desta forma, temos claro que
a Educação Ambiental vai importar da ecologia uma série
de conceitos essenciais ao entendimento das relações no
ambiente, do mesmo modo que vai buscar nas artes, na
filosofia, na sociologia e na economia, só para citar alguns,
outros tantos conceitos para construir esta imensa rede de
relações existentes no âmbito sócio ambiental”12.
Verifica-
12ECOLOGIA Brasil Portal do meio ambiente. Disponível em:
. Acesso em:
12 ago. 2004.
se portanto que mesmo em relação às ciências que
estudam as questões ambientais há posições controversas
e que merecem debate.
4 - RECURSOS AMBIENTAIS E NATURAIS
Segundo Portugal (1992) “... A palavra recurso
significa algo a que se possa recorrer para a obtenção de alguma
coisa.” Para esse autor, o homem recorre aos recursos
naturais, isto é, aqueles que estão na Natureza,
para satisfazer suas necessidades. Para Art (1998) recurso
pode ser: a) componente do ambiente (relacionado
com freqüência à energia) que é utilizado por
um organismo e b) qualquer coisa obtida do ambiente
vivo e não-vivo para preencher as necessidades e desejos
humanos.
Os recursos naturais, se após seu uso podem
ser renovados, isto é, voltarem a estar disponíveis,
são renováveis13, caso contrário são não renováveis.
Exemplos de recursos renováveis são: flora, fauna
naturais e todos os ecossistemas cultivados. Já os
recursos naturais não renováveis14, são os que não
podem ser produzidos, embora possam a longo
prazo serem substituídos por outros, como por exemplo
o petróleo substituindo o carvão.
A utilização desses termos tem ocorrido mais
freqüentemente quando se pretende referir a formas
econômicas e racionais de utilizá-los de modo que os
renováveis não se esgotem por mau uso e os não
renováveis rapidamente deixem de existir.
Embora ainda bastante utilizado no passado
como referência aos cuidados com o ambiente, o
termo recursos naturais quase não faz mais parte da
legislação brasileira recente, que adotou preferencialmente
o termo recursos ambientais. Nas entrelinhas
da legislação pode-se verificar a presença de
13Segundo Art (1998) são “recursos que potencialmente podem durar
indefinidamente sem reduzir a oferta disponível, porque são substituídos
por processos naturais”. Como exemplos citam-se madeira,
moluscos e pastos.
14Segundo o mesmo autor são “recursos que existem em quantidades
fixas em vários lugares na crosta da Terra e tem potencial para
renovação apenas por processos geológicos, físicos e químicos que
ocorrem em centenas de milhões de anos".
Noção de Natureza, Ambiente, Meio Ambiente, Recursos Ambientais e Recursos Naturais
Agric. São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004
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resquícios que indicam o conceito de recursos naturais
ainda presente. O exemplo mais patente está nos
termos que compõem a sigla do IBAMA que parece
ser apenas Instituto Brasileiro do Meio Ambiente,
mas cujo nome completo inclui também os termos
“dos Recursos Naturais Renováveis”. Pode-se entretanto,
verificar que no corpo da legislação pertinente
os termos recursos naturais praticamente desaparecem
sendo substituídos por outros. Um claro exemplo
disso é o inciso VI do artigo 4º da lei Lei Federal
n. 6.938/81 que diz “a imposição, ao poluidor e ao predador,
da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos
causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de
recursos ambientais com fins econômicos”. Ou seja, descarta
recursos naturais, trocando por recursos ambientais.
Dentre os quatorze objetivos finalísticos institucionais
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)15 apenas
dois referem-se aos recursos naturais, o quinto que é
“monitorar as transformações do meio ambiente e dos
recursos naturais” e o 13o é de “promover o acesso e o
uso sustentado dos recursos naturais”. Ou seja, pode-se
inferir que recursos naturais renováveis corresponderiam
na legislação aos chamados recursos ambientais
que tivessem aplicação econômica. Dessa forma,
a principal Lei n. 6.938/81, que rege os destinos do
ambiente no Brasil, dispõe sobre a política nacional
do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação
e aplicação, e dá outras providências, os termos
recursos naturais aparecem apenas duas vezes,
dando preferência a recursos ambientais quando os
termos recursos naturais renováveis estão bem presentes
no nome completo da instituição federal responsável,
o IBAMA. Apesar disso o termo recursos
naturais aparece apenas marginalmente na legislação
e normatização16 e num Glossário do próprio
IBAMA17.
15IBAMA. Disponível em: .
16Pode-se verificar na legislação complementar os termos recursos
naturais aparecem no texto no máximo cinco vezes embora
estejam presentes no nome do IBAMA. Disponível em:
.
17IBAMA. Glossário de maio de 1999. Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2004.
No período 1946-50 a Secretaria
de Agricultura do Estado de São Paulo se preocupava com o
combate à erosão. No período de governo de 1951-54, além do
combate à erosão, preocupava-se com o reflorestamento, divulgação
de métodos conservacionistas e recuperação dos solos
(DULLEY, 1995: p. 175, 177).
Dulley, R. D.
Agric. São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004
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n. 51.756/69, posteriormente denominada, já na Secretaria
do Meio Ambiente, Coordenadoria de Proteção
dos Recursos Naturais (GOVERNO, 1971).
Em 1986 foi criada a Secretaria do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo (SMA) que incorporou
o órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento
que tratava das questões referentes aos recursos
naturais: a Coordenadoria da Pesquisa dos Recursos
Naturais (CPRN) à qual estava subordinada a Divisão
de Proteção dos Recursos Naturais (DPRN).
Documento dessa Secretaria datado de 2000,
referente às prioridades ambientais do Estado de São
Paulo, introduz um novo conceito de “ativos ambientais”
que no texto praticamente substituem o termo
recursos naturais. Esse termo aparece apenas
uma vez em todo o documento denominado Programa
de Gestão Integrada de Ativos Ambientais PNMA
II - MMA/SMA - SP, na seguinte afirmativa: “... Foram
elencadas quatro áreas prioritárias, relacionadas ao Ativo
Ambiental água e a áreas com maior pressão antrópica
sobre recursos naturais, passíveis de preservação...”.
Em
lugares onde caberiam perfeitamente os termos recursos
naturais utilizam-se os termos “ativos ambientais”
para designar: água, ar, solo, vegetação,
fauna, flora marinha, floresta, mangues, dunas, subsolo,
águas interiores, etc.
Já a Secretaria de Agricultura e Abastecimento
(SAA) permaneceu e permanece de certa forma com a
visão de recursos naturais, ainda que utilizada simultaneamente
com a visão da Secretaria do Meio Ambiente,
na qual prevalece a denominação de recursos
ambientais. Assim é que examinando uma resolução
conjunta19 de 1997, pode-se perceber claramente no
documento a convivência das duas visões e denominações,
pois o segundo parágrafo ao tratar das questões
ambientais refere-se “a preservação e restauração dos
recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e
disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção
do equilíbrio ecológico propícios à vida, nos termos do
disposto nos artigos 2º e 4º da Lei Federal n. 6.938, de 31de
19Disponível em: .
agosto de 1981"20; e já o terceiro ao tratar da ação em
bacias hidrográficas, ou seja, as atividades de produção
agrícola, refere-se ao “... planejamento do uso, da
conservação e da recuperação dos recursos naturais na forma
do disciplinado nos art. 19 e 20 da Lei Federal n. 8.171,
de 17 de janeiro de 1991"21. Este documento mostra
claramente as dificuldades de compatibilizar a visão
ambientalista da SMA com a de produção agrícola da
SAA uma vez que ocorre uma contradição de concepções
quanto à produção agrícola e preservação do
ambiente.
E seria importante chegar a um consenso
sobre essas visões, entendimentos e linguagem das relações
agricultura/ambiente.
Portugal (1992) ressalta importante aspecto relacionado
com a preservação dos recursos naturais
que se refere à biodiversidade que deve estar presente
nesses recursos. Considera que “... A preservação da
biodiversidade é importante para que o homem tenha tempo
de descobrir a utilidade das espécies, para a sua própria
sobrevivência. A cura de muitos males que hoje existem e
que ainda virão a existir, pode estar em plantas em extinção
ou poderia estar em outras que já foram extintas.” E também
“a manutenção das espécies originais ainda não modificadas
pelo homem; assim, se amanhã, a engenharia genética
conseguir um tomate de grande tamanho, isso será importante
para a humanidade mas, aí, poderá estar ocorrendo
uma erosão genética que precisará ser recomposta com o tomate
primitivo, sem contar que o novo fruto é um desconhecido
alimento e não se sabe os males que possa vir a causar.
Dessa forma, são importantes as Reservas Biológicas.”
20Lei, com fundamento no art. 8º, item XVII, alíneas c, h e i , da
Constituição Federal, que estabelece a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação,
constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente, cria o Conselho
Nacional do Meio Ambiente e institui o Cadastro Técnico Federal
de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental. Nessa lei, o termo
recurso natural aparece apenas quando se refere à composição
do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Em todo o
resto do texto, utiliza-se o termo recursos ambientais. Disponível
em: .
21Lei que fixa os fundamentos e define os objetivos e as competências
institucionais, prevê os recursos e estabelece as ações e instrumentos
de política agrícola relativamente às atividades agropecuárias,
agro-industriais e de planejamento das atividades pesqueiras e
florestais.
Nessa lei o termo ambientais aparece apenas em seu
artigo 23. Disponível em: .
Noção de Natureza, Ambiente, Meio Ambiente, Recursos Ambientais e Recursos Naturais
Agric. São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004
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Essa visão mais abrangente sobre o que sejam
recursos naturais torna-se cada vez mais importante.
E isso porque o valor dos recursos naturais ou ambientais
passou, em grande parte, a ser intrínseco às
espécies, ou seja, a ser constituído muito mais por sua
base genética. Santos (2003) afirma que “... A tecnociência
e o capital global não estão interessados nos recursos
biológicos - plantas, animais e humanos.
O que conta é o
seu potencial para reconstruir o mundo, porque potencial
significa potência no processo de reprogramação e recombinação.”
... “... tal estratégia considera que tudo o que existe
ou existiu como matéria-prima a ser processada por uma
tecnologia (biotecnologia) que lhe agrega valor. Nesse sentido,
a única ‘coisa’ que conta na nova ordem é o que pode
ser capturado da realidade e traduzido numa nova configuração.
A única ‘coisa’ que conta é a informação.” No caso a
informação genética contida na biodiversidade que
passou a ser o recurso natural mais importante para a
economia, ou melhor dizendo, a bioeconomia.
Santos (2003) afirma que o novo foco de interesse
do grande capital “... não está nos corpos, nos organismos,
nos indivíduos, nos seres vivos, e sim nos seus
componentes genéticos, nas suas virtualidades”. E denuncia
que o objetivo da biotecnologia é de transformar
recursos naturais renováveis e não renováveis
e exemplifica com a produção de sementes, que
com a biotecnologia/engenharia genética deixa, ou
não mais pode, se produzir por si mesma, mas necessitará
cada vez mais de novas interferências externas
para realizar seu ciclo ecológico de reprodução.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para sintetizar, pode-se dizer que existe uma
natureza real compreendendo o mundo não vivo e o
vivo, englobando todas as espécies, inclusive o homem.
Este, por ser a única espécie que dispõe da
capacidade de pensar e entender a natureza, transformou
e continua transformando seu meio ambiente
(a natureza conhecida para o seu uso).
A espécie
humana acumulou experiência, conhecimento e organizou-se
em sistemas sociais. Na sua relação com
a natureza, na busca de alimentos e outros materiais
para seu uso, organizou, no espaço e no tempo, diferentes
sistemas econômicos.
O importante a ser destacado é que além do
meio ambiente humano, há os meios ambientes de
todas as demais espécies, que não são constituídas
exatamente pelos mesmos elementos da natureza
que constituem o meio ambiente humano. Entretanto,
há elementos que podem ser comuns a várias
espécies.
O conjunto dos meios ambientes de todas
as espécies conhecidas pelo homem constituiria o
ambiente, ou seja, a natureza conhecida pelo homem.
Para efeitos práticos, o ambiente se confundiria
com ela. Dessa forma, tudo o que ocorre na natureza
conhecida pelo homem, ocorreria também no
ambiente. E isso porque a natureza deve ser e é pensada
no espaço e no tempo.
Natureza, ambiente, meios ambientes das diversas
espécies (inclusive a humana), recursos naturais
e ambientais devem ou não serem consideradas
coisas distintas?
Confundi-los ou não distingui-los
pode resultar em ações e políticas ambientais equivocadas?
Está sendo adequada a postura que conduz
diretamente a um extremo antropocentrismo e à
ações que não respeitam os “direitos” das demais
espécies? Não seria essa postura que acaba provocando
graves problemas resultantes de um acúmulo
de desequilíbrios ecológicos?
Os termos utilizados para cada uma das categorias:
ambiente, meio ambiente, recurso naturais,
recursos ambientais, ativos ambientais e outros termos
existentes relacionados com aspectos da naturez,
pelo visto estão evoluindo, mas mostram que
não está havendo um necessário entendimento geral.
Pode-se verificar que, no Brasil, os órgãos ligados
institucionalmente ao meio ambiente preferem
a denominação recursos ambientais, ao passo
que os mais ligados à produção agrícola preferem recursos
naturais e quando se conversam não há sequer
uma homogeneidade, ficando cada um com o
seu termo e visão preferidos.
Com as mais recentes tentativas de valorização
dos recursos ambientais e/ou naturais surgem
novas denominações como ativos e passivos am-
Dulley, R. D.
Agric. São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004
26
bientais. Espera-se, e é necessário, que com o decorrer
do tempo e com o debate se possa chegar a um
acordo, e todos falem a mesma linguagem.
É importante destacar, também, o fato de que
independentemente de denominações, quer se considerem
recursos naturais ou ambientais, o que está
em jogo daqui para diante, e não pode ser esquecido,
é que em termos econômicos são os recursos genéticos
que devem ser rigorosamente conservados e
preservados, tanto em termos de riqueza nacional
por eles representados, quanto em termos ambientais
para a humanidade.
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