quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Formação ética para a cidadania: reorganizando contingências na interação professor-aluno

Formação ética para a cidadania: reorganizando contingências na interação professor-aluno 

Juliana Ferreira da Rocha Kester Carrara

Resumo 

Este estudo baseou-se no pressuposto de que os professores constituem importantes modelos e funcionam como ambiente social relevante para a emissão de comportamentos de seus alunos. Nessa perspectiva, avaliou o efeito de um programa instrucional desenvolvido com duas professoras do ensino fundamental sobre a aquisição, por seus alunos, de repertórios fundamentais para o desenvolvimento de relações interpessoais condizentes com o exercício da cidadania. O programa consistiu na apresentação de comportamentos socialmente habilidosos como elogiar, dar feedback positivo e pedir mudança de comportamento, que visavam instruir as professoras à aplicação e habilidades requeridas em áreas do funcionamento socioafetivo coerentes com comportamentos pró-éticos e pró-sociais de seus alunos. Os efeitos do procedimento de capacitação foram verificados a partir das avaliações de desempenho dos alunos antes e depois da etapa de intervenção. Os resultados obtidos sugerem que a intervenção com as professoras foi efetiva no desenvolvimento de repertório de comportamentos pró-éticos das crianças. 

Palavras-chave: Cidadania, políticas públicas, habilidades sociais.

 Ethical development to the citizenship: reorganizing contingencies in interaction teacher-student 

Abstract

 In this work we argue that teachers are important and relevant standards that may influence on their students behavior. In this sense, we evaluate a teaching program, developed with Elementary school teachers. We observe the purchase by students of important fundamental repertoire to the development of interpersonal relation according to the citizenship practice. The program was made by a presenting skilful social behavior such as, praising, giving positive feedback, asking a behavior´s change that aimed to teach teachers how to apply the desired skills on affective social work., according to pro-ethical and pro-social behaviou with their students. The students´ procedures were verified before and after the intervention´s stage. The results suggest that the interaction with teachers were effective on the childen´s pro-ethics repertoire. 

Keywords: Citizenship, public policies, social skills. 

Formación ética para la ciudadanía: reorganizando contingencias en la interacción profesor-alumno 

Resumen 

Este estudio se basa en el supuesto de que los profesores constituyen importantes modelos y funcionan como ambiente social relevante para la emisión de comportamientos de sus alumnos. Bajo esta perspectiva, se evaluó el efecto de un programa instructivo desarrollado con dos profesoras de enseñanza básica sobre la adquisición, por parte de sus alumnos, de repertorios fundamentales para el desarrollo de relaciones interpersonales coherentes con el ejercicio de ciudadanía. El programa consistió en la presentación de comportamientos socialmente habilidosos como elogiar, dar feedback positivo y pedir cambio de comportamiento, que buscaban instruir las profesoras para la aplicación de habilidades requeridas en áreas de funcionamiento socio-afectivo coherentes con comportamientos pro-éticos y pro-sociales de sus alumnos. Los efectos del procedimiento de capacitación se verificaron a partir de las evaluaciones de rendimiento de los alumnos antes y después de la etapa de intervención. Los resultados obtenidos sugieren que la intervención con las profesoras fue efectiva en el desarrollo de repertorio de comportamientos pro-éticos de los niños. 

Palabras Clave: Ciudadanía, políticas públicas, habilidades sociales.

 222 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 15, Número 2, Julho/Dezembro de 2011: 221-230.

 Introdução 

A conquista da cidadania constitui-se na consolidação da democracia e na busca de igualdade e justiça nas relações sociais, mediante uma participação ativa nas práticas culturais vigentes. Contudo, não se pode restringir a cidadania apenas ao exercício dos direitos registrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) ou de documentos com finalidade similar. O termo “cidadania” deve abranger aspectos políticos e filosóficos de uma sociedade, desvinculando-se dos conceitos de concessão e manipulação e sugerindo a construção de competências e habilidades de efetiva participação em práticas culturais presentes no contexto social. Nesse sentido, a participação dos indivíduos na organização e funcionamento da sociedade depende das características de seu repertório pró-ético e pró-social. As denominações “comportamentos pró-éticos” e “comportamentos pró-sociais” remetem a comportamentos preliminares que funcionam como pré-requisitos e são compatíveis com o exercício de interações sociais cooperativas, construtivas e dirigidas à busca da equidade e justiça social.

 O conceito de cidadania é caracterizado de acordo com a política, economia e cultura de uma civilização, estando sujeito a transformações vinculadas a essas dimensões.Para caracterizar uma sociedade, faz-se necessário conhecer as peculiaridades de suas práticas culturais e o momento histórico vigente, visto que, conforme Bobbio (1992), “o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas” (p.19). 

Essa caracterização e esclarecimento da dinâmica das práticas culturais é imprescindível para a viabilização de mudanças no contexto das interações indivíduo-sociedade, o que constitui foco central de análise do desenvolvimento individual e das práticas culturais. Para Carrara e cols. (20 223 to socialmente habilidoso, o indivíduo emitirá uma série de respostas apropriadas e/ou requeridas e aprovadas pela comunidade, o que facilitará o seu engajamento em grupos sociais. É evidente que resta aí a discussão ética das prescrições: a quem serve ou a quem interessam os comportamentos emitidos? Eles resultam, ainda que em longo prazo, em benefício para a maioria das pessoas? Na hipótese positiva, isto se dará sem prejuízo de populações minoritárias ou de membros individuais do grupo? Pensar em práticas culturais que favoreçam o bem da cultura não se restringe apenas a um planejamento cultural para evitar práticas prejudiciais, mas também ao reforçamento de novas práticas que são favoráveis aos indivíduos e às culturas. 

“É necessário descobrir, inventar e fortalecer práticas que promovam a sobrevivência dos indivíduos e das culturas” (Abib, 2001, p. 110). Conforme Abib (2001), o conceito de sobrevivência não deve estar atrelado à noção de práticas competitivas entre culturas ou entre pessoas e grupos no interior de culturas, sugerindo compromisso com um darwinismo social, no qual o comportamento agressivo é exaltado. O autor ressalta que “práticas de sobrevivência cultural referem-se, então, a práticas que contribuem para construir uma cultura mais pacífica, e os que se engajam nessas práticas visam o pacifismo” (p. 111). Isso significa promover cooperação, solidariedade e mútuo apoio. 

Por outro lado, é notório que a passividade das pessoas frente à construção da cidadania pode conduzir ao estranhamento e à alienação. Para Abib (2001): (...) isso significa dizer que, como na maioria das vezes, o comportamento das pessoas, em vez de ser modelado por contingências, é governado por regras; elas não têm experiência direta nem com os comportamentos, nem com as situações, nem com as consequências de suas ações. As pessoas desenvolvem então uma relação de estranhamento como o seu mundo, um mundo onde a experiência com a produção pessoal de bens culturais é substituída meramente por seu consumo. (...) Ou seja, as sociedades desenvolvidas ou maduras estão formando pessoas alienadas de seu mundo e incapazes ao mesmo tempo de compreender outros mundos. (p.112). 

Com a consolidação democrática no país, o enfoque da escola pública nos conteúdos passou a ceder espaço para uma ênfase na formação ético-moral do alunado, tema transversal que objetiva a formação de cidadãos participantes nas decisões políticas e na difusão do conhecimento dentro de um contexto cooperativo. Essa iniciativa, apoiada nos planos políticos e em vários programas de ação dos governos municipais, estaduais e federal nos últimos anos, atualmente tende à ampliação e estabelecimento de formação acadêmica mais completa, competente e politicamente correta em todos os níveis de ensino. 

Uma exigência cada vez mais observável, em tempos recentes, é que o processo educacional vise, para além da compatibilidade entre os conteúdos ensinados e as demandas sociais, à formação ética geral do cidadão. A preocupação com a formação ético-moral destinada à capacitação da população para consolidar os melhores valores sociais compatíveis com a cidadania é visível em documentos orientadores, como, por exemplo: Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI). Para Del Prette e Del Prette (2001b), a escola, em particular, é um espaço privilegiado, onde se dá um conjunto de interações sociais que se pretendem educativas. 

Esse espaço possibilita a emissão de comportamentos pró-éticos e pró-sociais, visto que a criança depende da existência de condições favoráveis em seu meio que a levem a isso (Robinson, 2001). Dessa forma, intervir no meio, disponibilizando consequências favoráveis, amplia a probabilidade de que comportamentos socialmente e/ou eticamente elegíveis ocorram. Como consta na legislação orientadora: (...) nas interações sociais se dá a ampliação dos laços afetivos que as crianças podem estabelecer com as outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o reconhecimento do outro e a constatação das diferenças entre as pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o enriquecimento de si próprias (Brasil, 1998, p. 11). 

Sob a perspectiva ético-moral, os comportamentos próéticos e pró-sociais funcionam como repertório básico que a criança pode e deve aprender e utilizar, desde logo, no convívio com seus pares mais próximos, como os adultos da família, os colegas da própria escola e em quaisquer outras situações de interação, de caráter lúdico ou socializante. O desenvolvimento dessa competência permite a essas crianças agirem como disseminadores, para outras turmas, de habilidades educacionais diversas para assegurar o desenvolvimento da cidadania. Skinner (1953/2000) sugere que a instituição educacional deve não só divulgar o saber, mas ensinar o estudante a pensar, a observar, a reunir materiais relevantes, a organizá-los e a propor soluções para problemas. 

Del Prette e Del Prette (2005a) relatam a importância de se priorizar o desenvolvimento de valores e comportamentos pró-sociais na escola, com destaque para empatia, solução de problemas interpessoais e controle da impulsividade e da raiva. Os mesmos autores destacam que as habilidades sociais são requisitos para os alunos participarem mais ativamente nas interações sociais educativas em sala de aula, assegurando a promoção de interações mais gratificantes e a participação na sociedade. O processo educacional direcionado para o desenvolvimento de competências desejáveis no aluno, visando ao preparo para atividades produtivas, assegura também o desenvolvimento de capacidades condizentes com o exercício da cidadania. 

Ao promover a ampliação de habilidades sociais, a escola estará garantindo a sua função de ser resCidadania e interação professor-aluno * Juliana Ferreira da Rocha & Kester Carrara 224 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 15, Número 2, Julho/Dezembro de 2011: 221-230. ponsável, em grande parte, pelo desenvolvimento de ações que visem à formação de indivíduos participativos, reflexivos e críticos da realidade e, consequentemente, fundamentados para transformá-la. Nesse sentido, a escola possibilitará condições para que seus alunos possam superar a condição de receptáculos passivos para atuarem como indivíduos ativos no meio social. A formação ético-moral do cidadão não se constitui repentinamente numa determinada fase do ciclo vital, nem se dá mediante simples exposição às regras sobre o comportamento ético ou a documentos formais sancionados pelas agências de controle social. 

A formação para a cidadania se consolida na medida em que, desde as primeiras interações sociais, as condições essenciais de formação do caráter estejam presentes e se organizem contingências para a sua instalação e manutenção. Seguramente, é na infância e na adolescência que podem ser assegurados os pré-requisitos essenciais para tal, (...) embora a compreensão mais elaborada das razões sócio-políticas de direitos e deveres do cidadão deva aparecer mais tarde, no processo de desenvolvimento; por exemplo, no contexto da convivência familiar, no ensino formal de adolescentes e adultos e na universidade, entende-se, em contrapartida, que uma parte significativa de tal formação deve ser oferecida já a partir da educação infantil, fortalecendo-se significativamente durante o ensino fundamental, sempre, naturalmente, mediante as adequações necessárias à faixa etária respectiva (Carrara e cols., 2004, p. 8).

 Dessa maneira, parte-se da concepção de que a criança em idade escolar encontra-se numa das fases mais decisivas do processo de des 225 Contextualizado sob abordagem compatível com o projeto recém-mencionado, o presente estudo teve como participantes-alvo alunos e professores que contribuíram para a promoção de comportamentos pró-éticos e pró-sociais em alunos de primeira série. Os objetivos específicos da investigação foram:

 a) Identificar, no repertório atual das crianças da série estudada, a existência de comportamentos voltados ao desenvolvimento da cidadania; 

b) A partir do repertório existente, fornecer instruções para o professor com vistas à aplicação de estratégias e recursos para instalação e consolidação de habilidades requeridas em áreas do funcionamento socioafetivo coerentes com comportamentos pró-éticos e pró-sociais em sala de aula e participar de momentos da aula fornecendo modelos ao professor sobre como mediar as relações de acordo com o repertório em particular a ser instalado; 

c) Avaliar os efeitos das atividades em sala de aula mediadas pelo professor a partir da comparação dos resultados do desempenho dos alunos após a intervenção com os resultados obtidos antes da intervenção.

 Método Participantes 

Foram selecionadas para este estudo duas professoras de duas classes de primeira série do ensino fundamental e 24 alunos, escolhidos aleatoriamente, das respectivas professoras. Os alunos estavam na faixa etária dos seis aos oito anos completos no período da pesquisa. Os participantes foram separados em alunos e professora da sala 1 e alunos e professora da sala 2, como é apresentado na tabela 1. Procedimento de coleta de dados e instrumentos utilizados Os dados foram coletados na própria EMEF, durante o horário de aula. As professoras autorizaram a pesquisadora a retirar os alunos (um por vez) da sala para a aplicação do instrumento. 

A etapa de intervenção também ocorreu na própria escola, semanalmente, em horários previamente acordados entre as professoras e a pesquisadora primeira autora. As habilidades sociais das crianças foram investigadas com a aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças (IMHSC – Del Prette & Del Prette, 2005b). Esse instrumento contempla a autoavaliação das crianças sobre os comportamentos socialmente habilidosos para o sucesso escolar e o ajustamento social. O IMHSC é um instrumento de autorrelato informatizado em CD-ROM, o qual apresenta, sob forma de trecho de vídeo, 21 situações e reações de interações sociais de crianças das séries iniciais do ensino fundamental com outras crianças ou com adultos. 

Em cada situação, há três alternativas de reação apresentadas pela personagem principal: reação habilidosa (demonstra assertividade, empatia, expressão de sentimentos positivos ou negativos de forma apropriada, civilidade etc.), reação não habilidosa passiva (demonstra esquiva ou fuga ao invés de enfrentamento da situação) e a reação não habilidosa ativa (demonstra agressividade, ironia, autoritarismo etc.). As situações que aparecem no inventário ocorrem principalmente em ambiente escolar, dada sua importância para a socialização e o ajustamento da criança nessa fase do seu desenvolvimento. 

Fase de avaliação Ao ser iniciada a sessão de avaliação, estabelecia- -se, primeiramente, rapport com a criança, deixando-a à vontade, explicando o motivo da atividade, reduzindo sua ansiedade natural devida à nova condição e criando motivação para o teste. Feito isso, explicava-se à criança que ela iria assistir a um filme em que outras crianças atuavam e esse filme mostrava como elas interagiam com outras pessoas. Então, a criança participante deveria observar o comportamento da personagem principal e, em seguida, escolher o comportamento que ela também emitiria (tal como a personagem agiu na situação A, B ou C). 

Enfatizava-se que não existiam respostas certas ou erradas, solicitava-se atenção e sinceridade da criança ao responder e avisava-se que permaneceria no local para ajudá-la, caso necessário. A aplicadora iniciava o filme, a criança assistia à situação e as possíveis reações; em seguida, clicava com o mouse na reação escolhida e então dava início à situação seguinte, até chegar ao final das 21 situações. De acordo com Del Prette e Del Prette (2005b), “as situações retratadas no IMHSC–Del-Prette permitem uma amostragem de habilidades requeridas em áreas do funcionamento sócio-afetivo”. 

O desenvolvimento dessas habilidades propicia o desenvolvimento de comportamento socialmente habilidoso (incluindo respeito mútuo, cooperação, sinceridade e outros atributos positivos) e, consequentemente, favorece a qualidade das relações da criança com colegas e professores e o seu desempenho acadêmico. O comportamento habilidoso está diretamente relacionado com os “comportamentos pró-éticos” e “comportamentos pró-sociais” visto que propiciam a instalação e/ou fortaleCidadania e interação professor-aluno * Juliana Ferreira da Rocha & Kester Carrara Tabela 1. Caracterização dos participantes Participantes Total Professora 1 Sala 1 6 meninas 6 meninos 12 Professora 2 Sala 2 6 meninas 6 meninos 12 226 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 15, Número 2, Julho/Dezembro de 2011: 221-230. cimento de um repertório eticamente comprometido com a justiça social.

 Fase de intervenção Após a coleta inicial de dados, foi realizada a intervenção com a professora e alunos da sala 1. Foram realizadas cinco sessões com a participação da professora da sala 1 e a pesquisadora primeira autora. Os encontros foram realizados na própria escola, às segundas- -feiras, antes do início da aula, com 50 minutos de duração cada. O primeiro encontro teve como objetivo a apresentação do projeto e a definição de comportamentos pró-éticos e pró-sociais à professora, bem como a dessensibilização da professora e dos alunos em relação à participação da pesquisadora na sala de aula. Nos demais encontros, foram discutidos, respectivamente, os seguintes temas: Expressar sentimentos positivos, elogiar, dar e receber feedback positivo, agradecer; Expressar desagrado e pedir mudança de comportamento; Habilidades de analisar problemas e tomar decisões; Solução de problemas interpessoais na sala de aula. 

Os temas foram definidos a partir da literatura e da análise das avaliações com os alunos. Na primeira parte de cada sessão, a pesquisadora investigava a tarefa de casa e os acontecimentos da semana relacionados à interação entre professor e aluno. Na sequência, eram trabalhadas habilidades para que a professora pudesse estimular o desenvolvimento dos alunos, com prioridade para comportamentos pró-éticos e pró-sociais. A pesquisadora discutia com a participante cada uma das habilidades considerando o que a mesma já sabia e já fazia, bem como as dificuldades que encontrava. Na discussão dessas habilidades, destacou-se 227 Tais resultados puderam ser observados a partir do relato das professoras e da aplicação do IMHSC–Del-Prette nos alunos participantes. A amostra foi submetida à avaliação de normalidade, a qual não apresentou diferença estatística, como pode ser observado na tabela 2. 

Como não houve diferença estatística ao comparar com curva normal, foi aplicado o teste paramétrico nas análises. Foram avaliados os dados das salas 1 e 2, com o teste t para amostras independentes e o resultado indicou que as salas são diferentes em relação à linha de base, garantindo que as salas podem ser tratadas como distintas, sugerindo comparações intra-grupo (sala 1 com sala 1 e sala 2 com sala 2, antes e pós-intervenção), como pode ser observado na tabela 3. Com o propósito de avaliar se houve diferença significativa entre a primeira avaliação e a avaliação pós-intervenção das salas 1 e 2 (n=24), foi realizado um teste t pareado para o grupo como um todo.

 O resultado do teste t indicou significância para as reações habilidosas e reações ativas (tabela 4). Portanto, a intervenção foi efetiva, propiciou melhora nas reações habilidosas e redução nas reações não habilidosas ativas, como pode ser observado na tabela 4. Como as duas salas de aula apresentaram diferente desempenho na avaliação inicial do IMHSC, o mesmo teste estatístico foi realizado para os grupos separados, salas 1 e 2. Cidadania e interação professor-aluno * Juliana Ferreira da Rocha & Kester Carrara Tabela 2. 

Avaliação de normalidade da amostra Reações N M DP Kolmogorov-Smirnov Z p Socialmente habilidosa 24 0,44 0,19 0,85 0,45 Não habilidosa passiva 24 0,30 0,10 0,72 0,66 Não habilidosa ativa 24 0,25 0,18 0,67 0,74 N = número de participantes M = média DP = desvio padrão Tabela 3. Avaliação pré-teste das salas 1 e 2 como amostras independentes Reações Sala 1 Sala 2 t p M DP M DP Socialmente habilidosa 0,34 0,16 0,53 0,18 -2,59 0,01 Não habilidosa passiva 0,30 0,09 0,30 0,10 0,06 0,95 Não habilidosa ativa 0,35 0,19 0,16 0,13 2,75 0,01 M = média DP = desvio padrão Tabela 4. Média e desvio padrão da primeira avaliação e da avaliação pósintervenção do grupo todo Reações Pré-Teste Pós-Teste N M DP M DP t p Socialmente habilidosa 24 0,44 0,19 0,65 0,16 -5,30 0,00 Não habilidosa passiva 24 0,30 0,10 0,25 0,12 1,62 0,11 Não habilidosa ativa 24 0,25 0,18 0,09 0,10 5,04 0,00 N = número de participantes M = média DP = desvio padrão 228 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 15, Número 2, Julho/Dezembro de 2011: 221-230. A aplicação do teste t para a sala 1 e para sala 2, separadamente, indicou significância para reações habilidosas e não habilidosas ativas; houve aumento da primeira reação e redução da segunda, como pode ser observado na tabela 5. 

A fim de avaliar a eficácia do delineamento adotado, foi aplicado teste t entre as duas medidas de pré-avaliação da sala 2 e não houve diferença significativa (tabela 6). Desse modo, os dados sugerem que o delineamento adotado, linha de base múltipla, permitiu verificar que as mudanças nas reações dos alunos foram decorrentes da etapa de intervenção com as professoras, visto que as intervenções ocorreram em momentos diferentes, e a mudança no comportamento ocorreu somente depois que a intervenção foi introduzida. 

Nessa perspectiva, demonstrou-se a eficácia do procedimento com as mudanças nas reações após a introdução da intervenção (Cozby, 2006). Discussão O ambiente escolar é diretamente responsável pelo desenvolvimento integral da criança, pois abrange um sistema complexo de relacionamentos interpessoais e intergrupais (Del Prette & Del Prette, 2005a), e os adultos desse ambiente, mais especificamente os professores, funcionam enquanto agentes de controle (Skinner, 1953/2000). 

Nesse sentido, o estudo baseou-se na suposição de que os professores servem de modelos e funcionam como ambiente social relevante para a emissão de comportamentos de seus alunos. Diante disso, esta pesquisa buscou oferecer aos professores participantes condições para descrever comportamentos de acordo com conceitos éticos, sociais e de cidadania compatíveis com o desenvolvimento do sentido de justiça social e verificou os efeitos do ensino a partir das avaliações de desempenhos dos alunos e dos relatos dos professores, antes e depois da etapa de intervenção. Com base nos resultados obtidos, pode-se dizer que tal objetivo foi atingido por parcela significativa dos participantes. 

Os resultados da avaliação anterior ao procedimento de intervenção demonstraram que as crianças possuíam certo repertório básico de respostas socialmente habilidosas. Tais resultados sugerem que essas habilidades já vêm estabelecidas do ambiente doméstico e familiar relacionados a cada criança. Todavia, mesmo nos casos em que os participantes que já apresentavam bom nível dessas habiTabela 5. Média e desvio padrão da avaliação pré e pós-teste da sala 1 e sala 2 Sala 1 Pré-Teste Sala 1 Pós-Teste Sala 2 Pré-Teste Sala 2 Pós-Teste Reações M DP M DP t p M DP M DP t p Socialmente habilidosa 0,34 0,16 0,60 0,18 -4,57 0,00 0,58 0,13 0,69 0,13 -3,06 0,01 Não habilidosa passiva 0,30 0,96 0,25 0,14 1,24 0,24 0,30 0,09 0,26 0,11 1,32 0,21 Não habilidosa ativa 0,35 0,19 0,14 0,97 3,70 0,00 0,11 0,13 0,04 0,07 2,77 0,01 M = média DP = desvio padrão 229 lidades, os resultados gerais indicaram uma melhora nos escores de repertório socialmente habilidosos. 

Foram incrementadas reações habilidosas como: “expressar sentimentos positivos, dar e receber feedback positivo, agradecer; expressar desagrado e pedir mudança de comportamento; analisar problemas e tomar decisões”. Esses dados gerais sugerem uma dimensão cultural do alcance desta proposta, pois a intervenção sobre o comportamento do professor promoveu melhoras nos comportamentos socialmente habilidosos de seus alunos e, uma vez que tais comportamentos já estavam presentes (aferidos pela avaliação pré-intervenção), supõe-se que comportamentos adquiridos em ambiente escolar possam ser mantidos em ambiente doméstico pelo fato dos pais ou cuidadores possivelmente apresentarem ações que reforçam ou mantêm tais comportamentos. Nesse sentido, Glenn e Malagodi (1991), ao analisarem a unidade conceitual das metacontingências enquanto instrumento de avaliação e intervenção no contexto de comportamentos sociais complexos, explicitam que “quando relações comportamentais que definem parte do conteúdo do repertório de um organismo são replicados no repertório de outras pessoas, em um sistema sociocultural, o comportamento replicado é chamado de prática cultural” (p. 5). 

A hipótese da presente pesquisa foi a de que, ao se intervir com professores, poderia haver um impacto sobre o comportamento das crianças, uma vez que as professoras são responsáveis pelo planejamento das condições de ensino em sala de aula (Zanotto, 2000). É nesse sentido que o procedimento de intervenção desta pesquisa consistiu na apresentação de um rol de comportamentos socialmente habilidosos para o manejo de situações conflitantes em sala de aula. Ofereceu também condições para que as professoras discriminassem o ambiente comportamental oferecido pelos seus alunos e propusesse alternativas de manejo a partir das ações denominadas de socialmente habilidosas e observasse os efeitos dessas ações sobre o seu relacionamento com os alunos e sobre a relação dos alunos entre si. 

As tarefas de casa, realizadas pelas professoras, visou à eficiência da intervenção e a sua generalização mediante a experimentação de contingências reais das habilidades treinadas. A participação da pesquisadora nos momentos da aula fornecendo modelos à professora sobre como mediar as relações de acordo com o as habilidades discutidas nos encontros, possibilitou, também, elaborar e implantar a intervenção de forma mais próxima às necessidades identificadas no ambiente escolar, adequando-a enquanto estava sendo realizada e caracterizando-a como um produto dessas necessidades e não como uma finalidade em si mesma. 

As professoras mostraram um aumento na utilização de habilidades como expressão de sentimento positivo, feedback positivo e solicitação de mudança de comportamento, em detrimento de esquemas negativos e de punição. Relataram satisfação quanto ao próprio desempenho, maior manejo no trato com os alunos e menor incidência de problemas de comportamento. Quanto mais as professoras apresentarem adequadamente tais habilidades, mais modelos estarão dando aos seus alunos, o que, possivelmente, pode garantir a manutenção desses comportamentos. As crianças melhoraram significativamente no escore total nas avaliações pós-intervenção. 

Os escores obtidos pelos alunos da sala 1 no pós-teste foram significativamente melhores do que no pré-teste, o que indica que a execução de comportamentos socialmente habilidosos pelo professor facilita o desenvolvimento de repertórios pró-éticos e pró-sociais de seus alunos. As mudanças na sala 2 também ocorreram de maneira mais substancial após a intervenção nessa sala, o que sugere que também estão relacionadas ao conjunto de instruções que o professor recebeu. Esses resultados apontam a diminuição de frequência de problemas de comportamento e aumento de frequência de comportamentos socialmente habilidosos. 

Conclusão 

Os resultados apresentados sugerem que a intervenção com as professoras foi efetiva na promoção de comportamentos socialmente habilidosos e na redução de comportamentos agressivos das crianças. As professoras ampliaram as oportunidades de interação em sala de aula, o que propiciou maior variabilidade de modelos condizentes com a instalação e manutenção de comportamentos pró-éticos e pró-sociais indispensáveis para a socialização e autonomia dos alunos. Para avaliação de seguimento acerca da efetividade do procedimento deste estudo, desenvolveu-se nova pesquisa, em continuidade a esta (Rocha & Carrara, 2008), que avaliou positivamente que os comportamentos socialmente habilidosos se mantiveram no repertório dos alunos. 

Os participantes foram os mesmos e foram avaliados com o mesmo instrumento (IMHSC – Del Prette & Del Prette, 2005b). Análise preliminar de resultados sugere consolidação e permanência do repertório comportamental instalado. 

Referências

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