Formação ética para a cidadania: reorganizando
contingências na interação professor-aluno
Juliana Ferreira da Rocha Kester Carrara
Resumo
Este estudo baseou-se no pressuposto de que os professores constituem importantes modelos e funcionam como ambiente social relevante
para a emissão de comportamentos de seus alunos. Nessa perspectiva, avaliou o efeito de um programa instrucional desenvolvido com duas
professoras do ensino fundamental sobre a aquisição, por seus alunos, de repertórios fundamentais para o desenvolvimento de relações
interpessoais condizentes com o exercício da cidadania. O programa consistiu na apresentação de comportamentos socialmente habilidosos
como elogiar, dar feedback positivo e pedir mudança de comportamento, que visavam instruir as professoras à aplicação e habilidades requeridas
em áreas do funcionamento socioafetivo coerentes com comportamentos pró-éticos e pró-sociais de seus alunos. Os efeitos do procedimento de
capacitação foram verificados a partir das avaliações de desempenho dos alunos antes e depois da etapa de intervenção. Os resultados obtidos
sugerem que a intervenção com as professoras foi efetiva no desenvolvimento de repertório de comportamentos pró-éticos das crianças.
Palavras-chave: Cidadania, políticas públicas, habilidades sociais.
Ethical development to the citizenship: reorganizing contingencies in
interaction teacher-student
Abstract
In this work we argue that teachers are important and relevant standards that may influence on their students behavior. In this sense, we evaluate
a teaching program, developed with Elementary school teachers. We observe the purchase by students of important fundamental repertoire to
the development of interpersonal relation according to the citizenship practice. The program was made by a presenting skilful social behavior
such as, praising, giving positive feedback, asking a behavior´s change that aimed to teach teachers how to apply the desired skills on affective
social work., according to pro-ethical and pro-social behaviou with their students. The students´ procedures were verified before and after the
intervention´s stage. The results suggest that the interaction with teachers were effective on the childen´s pro-ethics repertoire.
Keywords: Citizenship, public policies, social skills.
Formación ética para la ciudadanía: reorganizando contingencias en la
interacción profesor-alumno
Resumen
Este estudio se basa en el supuesto de que los profesores constituyen importantes modelos y funcionan como ambiente social relevante
para la emisión de comportamientos de sus alumnos. Bajo esta perspectiva, se evaluó el efecto de un programa instructivo desarrollado
con dos profesoras de enseñanza básica sobre la adquisición, por parte de sus alumnos, de repertorios fundamentales para el desarrollo de
relaciones interpersonales coherentes con el ejercicio de ciudadanía. El programa consistió en la presentación de comportamientos socialmente
habilidosos como elogiar, dar feedback positivo y pedir cambio de comportamiento, que buscaban instruir las profesoras para la aplicación de
habilidades requeridas en áreas de funcionamiento socio-afectivo coherentes con comportamientos pro-éticos y pro-sociales de sus alumnos.
Los efectos del procedimiento de capacitación se verificaron a partir de las evaluaciones de rendimiento de los alumnos antes y después de la
etapa de intervención. Los resultados obtenidos sugieren que la intervención con las profesoras fue efectiva en el desarrollo de repertorio de
comportamientos pro-éticos de los niños.
Palabras Clave: Ciudadanía, políticas públicas, habilidades sociales.
222 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 15, Número 2, Julho/Dezembro de 2011: 221-230.
Introdução
A conquista da cidadania constitui-se na consolidação
da democracia e na busca de igualdade e justiça nas
relações sociais, mediante uma participação ativa nas práticas
culturais vigentes. Contudo, não se pode restringir a
cidadania apenas ao exercício dos direitos registrados na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) ou
de documentos com finalidade similar. O termo “cidadania”
deve abranger aspectos políticos e filosóficos de uma sociedade,
desvinculando-se dos conceitos de concessão e
manipulação e sugerindo a construção de competências
e habilidades de efetiva participação em práticas culturais
presentes no contexto social. Nesse sentido, a participação
dos indivíduos na organização e funcionamento da sociedade
depende das características de seu repertório pró-ético e
pró-social. As denominações “comportamentos pró-éticos” e
“comportamentos pró-sociais” remetem a comportamentos
preliminares que funcionam como pré-requisitos e são compatíveis
com o exercício de interações sociais cooperativas,
construtivas e dirigidas à busca da equidade e justiça social.
O conceito de cidadania é caracterizado de acordo
com a política, economia e cultura de uma civilização, estando
sujeito a transformações vinculadas a essas dimensões.Para caracterizar uma sociedade, faz-se necessário
conhecer as peculiaridades de suas práticas culturais e o
momento histórico vigente, visto que, conforme Bobbio
(1992), “o que parece fundamental numa época histórica e
numa determinada civilização não é fundamental em outras
épocas e em outras culturas” (p.19).
Essa caracterização e
esclarecimento da dinâmica das práticas culturais é imprescindível
para a viabilização de mudanças no contexto das
interações indivíduo-sociedade, o que constitui foco central
de análise do desenvolvimento individual e das práticas culturais.
Para Carrara e cols. (20
223
to socialmente habilidoso, o indivíduo emitirá uma série de
respostas apropriadas e/ou requeridas e aprovadas pela
comunidade, o que facilitará o seu engajamento em grupos
sociais. É evidente que resta aí a discussão ética das prescrições:
a quem serve ou a quem interessam os comportamentos
emitidos? Eles resultam, ainda que em longo prazo,
em benefício para a maioria das pessoas? Na hipótese positiva,
isto se dará sem prejuízo de populações minoritárias ou
de membros individuais do grupo?
Pensar em práticas culturais que favoreçam o bem
da cultura não se restringe apenas a um planejamento cultural
para evitar práticas prejudiciais, mas também ao reforçamento
de novas práticas que são favoráveis aos indivíduos
e às culturas.
“É necessário descobrir, inventar e fortalecer
práticas que promovam a sobrevivência dos indivíduos e
das culturas” (Abib, 2001, p. 110).
Conforme Abib (2001), o conceito de sobrevivência
não deve estar atrelado à noção de práticas competitivas
entre culturas ou entre pessoas e grupos no interior de culturas,
sugerindo compromisso com um darwinismo social,
no qual o comportamento agressivo é exaltado. O autor
ressalta que “práticas de sobrevivência cultural referem-se,
então, a práticas que contribuem para construir uma cultura
mais pacífica, e os que se engajam nessas práticas visam
o pacifismo” (p. 111). Isso significa promover cooperação,
solidariedade e mútuo apoio.
Por outro lado, é notório que a passividade das
pessoas frente à construção da cidadania pode conduzir ao
estranhamento e à alienação. Para Abib (2001):
(...) isso significa dizer que, como na maioria das vezes,
o comportamento das pessoas, em vez de ser modelado
por contingências, é governado por regras; elas não têm
experiência direta nem com os comportamentos, nem com
as situações, nem com as consequências de suas ações. As
pessoas desenvolvem então uma relação de estranhamento
como o seu mundo, um mundo onde a experiência com a
produção pessoal de bens culturais é substituída meramente
por seu consumo. (...) Ou seja, as sociedades desenvolvidas
ou maduras estão formando pessoas alienadas de seu
mundo e incapazes ao mesmo tempo de compreender
outros mundos. (p.112).
Com a consolidação democrática no país, o enfoque
da escola pública nos conteúdos passou a ceder espaço
para uma ênfase na formação ético-moral do alunado, tema
transversal que objetiva a formação de cidadãos participantes
nas decisões políticas e na difusão do conhecimento
dentro de um contexto cooperativo. Essa iniciativa, apoiada
nos planos políticos e em vários programas de ação dos
governos municipais, estaduais e federal nos últimos anos,
atualmente tende à ampliação e estabelecimento de formação
acadêmica mais completa, competente e politicamente
correta em todos os níveis de ensino.
Uma exigência cada
vez mais observável, em tempos recentes, é que o processo
educacional vise, para além da compatibilidade entre os
conteúdos ensinados e as demandas sociais, à formação
ética geral do cidadão.
A preocupação com a formação ético-moral destinada
à capacitação da população para consolidar os melhores
valores sociais compatíveis com a cidadania é visível em
documentos orientadores, como, por exemplo: Lei de Diretrizes
e Bases (LDB), Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e Referencial Curricular Nacional para Educação
Infantil (RCNEI).
Para Del Prette e Del Prette (2001b), a escola, em
particular, é um espaço privilegiado, onde se dá um conjunto
de interações sociais que se pretendem educativas.
Esse
espaço possibilita a emissão de comportamentos pró-éticos
e pró-sociais, visto que a criança depende da existência
de condições favoráveis em seu meio que a levem a isso
(Robinson, 2001). Dessa forma, intervir no meio, disponibilizando
consequências favoráveis, amplia a probabilidade de
que comportamentos socialmente e/ou eticamente elegíveis
ocorram. Como consta na legislação orientadora:
(...) nas interações sociais se dá a ampliação dos laços
afetivos que as crianças podem estabelecer com as
outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o
reconhecimento do outro e a constatação das diferenças
entre as pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o
enriquecimento de si próprias (Brasil, 1998, p. 11).
Sob a perspectiva ético-moral, os comportamentos próéticos
e pró-sociais funcionam como repertório básico que
a criança pode e deve aprender e utilizar, desde logo, no
convívio com seus pares mais próximos, como os adultos da
família, os colegas da própria escola e em quaisquer outras
situações de interação, de caráter lúdico ou socializante.
O desenvolvimento dessa competência permite a essas
crianças agirem como disseminadores, para outras turmas,
de habilidades educacionais diversas para assegurar o
desenvolvimento da cidadania.
Skinner (1953/2000) sugere que a instituição educacional
deve não só divulgar o saber, mas ensinar o estudante
a pensar, a observar, a reunir materiais relevantes, a
organizá-los e a propor soluções para problemas.
Del Prette
e Del Prette (2005a) relatam a importância de se priorizar o
desenvolvimento de valores e comportamentos pró-sociais
na escola, com destaque para empatia, solução de problemas
interpessoais e controle da impulsividade e da raiva. Os
mesmos autores destacam que as habilidades sociais são
requisitos para os alunos participarem mais ativamente nas
interações sociais educativas em sala de aula, assegurando
a promoção de interações mais gratificantes e a participação
na sociedade.
O processo educacional direcionado para o desenvolvimento
de competências desejáveis no aluno, visando
ao preparo para atividades produtivas, assegura também o
desenvolvimento de capacidades condizentes com o exercício
da cidadania.
Ao promover a ampliação de habilidades
sociais, a escola estará garantindo a sua função de ser resCidadania
e interação professor-aluno * Juliana Ferreira da Rocha & Kester Carrara
224 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 15, Número 2, Julho/Dezembro de 2011: 221-230.
ponsável, em grande parte, pelo desenvolvimento de ações
que visem à formação de indivíduos participativos, reflexivos
e críticos da realidade e, consequentemente, fundamentados
para transformá-la. Nesse sentido, a escola possibilitará
condições para que seus alunos possam superar a condição
de receptáculos passivos para atuarem como indivíduos ativos
no meio social.
A formação ético-moral do cidadão não se constitui
repentinamente numa determinada fase do ciclo vital, nem
se dá mediante simples exposição às regras sobre o comportamento
ético ou a documentos formais sancionados pelas
agências de controle social.
A formação para a cidadania se
consolida na medida em que, desde as primeiras interações
sociais, as condições essenciais de formação do caráter
estejam presentes e se organizem contingências para a sua
instalação e manutenção. Seguramente, é na infância e na
adolescência que podem ser assegurados os pré-requisitos
essenciais para tal,
(...) embora a compreensão mais elaborada das razões
sócio-políticas de direitos e deveres do cidadão deva
aparecer mais tarde, no processo de desenvolvimento; por
exemplo, no contexto da convivência familiar, no ensino
formal de adolescentes e adultos e na universidade,
entende-se, em contrapartida, que uma parte significativa
de tal formação deve ser oferecida já a partir da educação
infantil, fortalecendo-se significativamente durante o
ensino fundamental, sempre, naturalmente, mediante as
adequações necessárias à faixa etária respectiva (Carrara
e cols., 2004, p. 8).
Dessa maneira, parte-se da concepção de que a
criança em idade escolar encontra-se numa das fases mais
decisivas do processo de des
225
Contextualizado sob abordagem compatível com o
projeto recém-mencionado, o presente estudo teve como
participantes-alvo alunos e professores que contribuíram
para a promoção de comportamentos pró-éticos e pró-sociais
em alunos de primeira série. Os objetivos específicos
da investigação foram:
a) Identificar, no repertório atual das
crianças da série estudada, a existência de comportamentos
voltados ao desenvolvimento da cidadania;
b) A partir do repertório
existente, fornecer instruções para o professor com
vistas à aplicação de estratégias e recursos para instalação
e consolidação de habilidades requeridas em áreas do funcionamento
socioafetivo coerentes com comportamentos
pró-éticos e pró-sociais em sala de aula e participar de
momentos da aula fornecendo modelos ao professor sobre
como mediar as relações de acordo com o repertório em
particular a ser instalado;
c) Avaliar os efeitos das atividades
em sala de aula mediadas pelo professor a partir da comparação
dos resultados do desempenho dos alunos após a
intervenção com os resultados obtidos antes da intervenção.
Método
Participantes
Foram selecionadas para este estudo duas professoras
de duas classes de primeira série do ensino fundamental
e 24 alunos, escolhidos aleatoriamente, das respectivas
professoras. Os alunos estavam na faixa etária dos seis aos
oito anos completos no período da pesquisa. Os participantes
foram separados em alunos e professora da sala 1 e alunos
e professora da sala 2, como é apresentado na tabela 1.
Procedimento de coleta de dados e instrumentos
utilizados
Os dados foram coletados na própria EMEF, durante
o horário de aula. As professoras autorizaram a pesquisadora
a retirar os alunos (um por vez) da sala para a aplicação
do instrumento.
A etapa de intervenção também ocorreu na
própria escola, semanalmente, em horários previamente
acordados entre as professoras e a pesquisadora primeira
autora.
As habilidades sociais das crianças foram investigadas
com a aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades
Sociais para Crianças (IMHSC – Del Prette & Del Prette,
2005b). Esse instrumento contempla a autoavaliação das
crianças sobre os comportamentos socialmente habilidosos
para o sucesso escolar e o ajustamento social.
O IMHSC é um instrumento de autorrelato informatizado
em CD-ROM, o qual apresenta, sob forma de trecho
de vídeo, 21 situações e reações de interações sociais de
crianças das séries iniciais do ensino fundamental com
outras crianças ou com adultos.
Em cada situação, há três
alternativas de reação apresentadas pela personagem principal:
reação habilidosa (demonstra assertividade, empatia,
expressão de sentimentos positivos ou negativos de forma
apropriada, civilidade etc.), reação não habilidosa passiva
(demonstra esquiva ou fuga ao invés de enfrentamento
da situação) e a reação não habilidosa ativa (demonstra
agressividade, ironia, autoritarismo etc.). As situações que
aparecem no inventário ocorrem principalmente em ambiente
escolar, dada sua importância para a socialização e o
ajustamento da criança nessa fase do seu desenvolvimento.
Fase de avaliação
Ao ser iniciada a sessão de avaliação, estabelecia-
-se, primeiramente, rapport com a criança, deixando-a à
vontade, explicando o motivo da atividade, reduzindo sua
ansiedade natural devida à nova condição e criando motivação
para o teste. Feito isso, explicava-se à criança que
ela iria assistir a um filme em que outras crianças atuavam
e esse filme mostrava como elas interagiam com outras
pessoas. Então, a criança participante deveria observar o
comportamento da personagem principal e, em seguida, escolher
o comportamento que ela também emitiria (tal como
a personagem agiu na situação A, B ou C).
Enfatizava-se
que não existiam respostas certas ou erradas, solicitava-se
atenção e sinceridade da criança ao responder e avisava-se
que permaneceria no local para ajudá-la, caso necessário.
A aplicadora iniciava o filme, a criança assistia à situação e
as possíveis reações; em seguida, clicava com o mouse na
reação escolhida e então dava início à situação seguinte, até
chegar ao final das 21 situações.
De acordo com Del Prette e Del Prette (2005b),
“as situações retratadas no IMHSC–Del-Prette permitem
uma amostragem de habilidades requeridas em áreas do
funcionamento sócio-afetivo”.
O desenvolvimento dessas
habilidades propicia o desenvolvimento de comportamento
socialmente habilidoso (incluindo respeito mútuo, cooperação,
sinceridade e outros atributos positivos) e, consequentemente,
favorece a qualidade das relações da criança com
colegas e professores e o seu desempenho acadêmico. O
comportamento habilidoso está diretamente relacionado
com os “comportamentos pró-éticos” e “comportamentos
pró-sociais” visto que propiciam a instalação e/ou fortaleCidadania
e interação professor-aluno * Juliana Ferreira da Rocha & Kester Carrara
Tabela 1. Caracterização dos participantes
Participantes Total
Professora 1
Sala 1 6 meninas 6 meninos 12
Professora 2
Sala 2 6 meninas 6 meninos 12
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cimento de um repertório eticamente comprometido com a
justiça social.
Fase de intervenção
Após a coleta inicial de dados, foi realizada a intervenção
com a professora e alunos da sala 1.
Foram realizadas cinco sessões com a participação
da professora da sala 1 e a pesquisadora primeira autora. Os
encontros foram realizados na própria escola, às segundas-
-feiras, antes do início da aula, com 50 minutos de duração
cada. O primeiro encontro teve como objetivo a apresentação
do projeto e a definição de comportamentos pró-éticos
e pró-sociais à professora, bem como a dessensibilização
da professora e dos alunos em relação à participação da
pesquisadora na sala de aula. Nos demais encontros, foram
discutidos, respectivamente, os seguintes temas: Expressar
sentimentos positivos, elogiar, dar e receber feedback positivo,
agradecer; Expressar desagrado e pedir mudança de
comportamento; Habilidades de analisar problemas e tomar
decisões; Solução de problemas interpessoais na sala de
aula.
Os temas foram definidos a partir da literatura e da
análise das avaliações com os alunos.
Na primeira parte de cada sessão, a pesquisadora
investigava a tarefa de casa e os acontecimentos da semana
relacionados à interação entre professor e aluno. Na
sequência, eram trabalhadas habilidades para que a professora
pudesse estimular o desenvolvimento dos alunos, com
prioridade para comportamentos pró-éticos e pró-sociais. A
pesquisadora discutia com a participante cada uma das habilidades
considerando o que a mesma já sabia e já fazia, bem
como as dificuldades que encontrava. Na discussão dessas
habilidades, destacou-se
227
Tais resultados puderam ser observados a partir do
relato das professoras e da aplicação do IMHSC–Del-Prette
nos alunos participantes.
A amostra foi submetida à avaliação de normalidade,
a qual não apresentou diferença estatística, como pode ser
observado na tabela 2.
Como não houve diferença estatística ao comparar
com curva normal, foi aplicado o teste paramétrico nas análises.
Foram avaliados os dados das salas 1 e 2, com o teste
t para amostras independentes e o resultado indicou que as
salas são diferentes em relação à linha de base, garantindo
que as salas podem ser tratadas como distintas, sugerindo
comparações intra-grupo (sala 1 com sala 1 e sala 2 com
sala 2, antes e pós-intervenção), como pode ser observado
na tabela 3.
Com o propósito de avaliar se houve diferença significativa
entre a primeira avaliação e a avaliação pós-intervenção
das salas 1 e 2 (n=24), foi realizado um teste t pareado
para o grupo como um todo.
O resultado do teste t indicou
significância para as reações habilidosas e reações ativas
(tabela 4). Portanto, a intervenção foi efetiva, propiciou melhora
nas reações habilidosas e redução nas reações não
habilidosas ativas, como pode ser observado na tabela 4.
Como as duas salas de aula apresentaram diferente
desempenho na avaliação inicial do IMHSC, o mesmo teste
estatístico foi realizado para os grupos separados, salas 1 e 2.
Cidadania e interação professor-aluno * Juliana Ferreira da Rocha & Kester Carrara
Tabela 2.
Avaliação de normalidade da amostra
Reações N M DP Kolmogorov-Smirnov Z p
Socialmente habilidosa 24 0,44 0,19 0,85 0,45
Não habilidosa passiva 24 0,30 0,10 0,72 0,66
Não habilidosa ativa 24 0,25 0,18 0,67 0,74
N = número de participantes M = média DP = desvio padrão
Tabela 3. Avaliação pré-teste das salas 1 e 2 como amostras independentes
Reações
Sala 1 Sala 2
t p
M DP M DP
Socialmente habilidosa 0,34 0,16 0,53 0,18 -2,59 0,01
Não habilidosa passiva 0,30 0,09 0,30 0,10 0,06 0,95
Não habilidosa ativa 0,35 0,19 0,16 0,13 2,75 0,01
M = média DP = desvio padrão
Tabela 4. Média e desvio padrão da primeira avaliação e da avaliação pósintervenção
do grupo todo
Reações
Pré-Teste Pós-Teste
N M DP M DP t p
Socialmente habilidosa 24 0,44 0,19 0,65 0,16 -5,30 0,00
Não habilidosa passiva 24 0,30 0,10 0,25 0,12 1,62 0,11
Não habilidosa ativa 24 0,25 0,18 0,09 0,10 5,04 0,00
N = número de participantes M = média DP = desvio padrão
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A aplicação do teste t para a sala 1 e para sala 2,
separadamente, indicou significância para reações habilidosas
e não habilidosas ativas; houve aumento da primeira
reação e redução da segunda, como pode ser observado na
tabela 5.
A fim de avaliar a eficácia do delineamento adotado,
foi aplicado teste t entre as duas medidas de pré-avaliação
da sala 2 e não houve diferença significativa (tabela 6).
Desse modo, os dados sugerem que o delineamento
adotado, linha de base múltipla, permitiu verificar que as mudanças
nas reações dos alunos foram decorrentes da etapa
de intervenção com as professoras, visto que as intervenções
ocorreram em momentos diferentes, e a mudança no
comportamento ocorreu somente depois que a intervenção
foi introduzida.
Nessa perspectiva, demonstrou-se a eficácia
do procedimento com as mudanças nas reações após a introdução
da intervenção (Cozby, 2006).
Discussão
O ambiente escolar é diretamente responsável pelo
desenvolvimento integral da criança, pois abrange um sistema
complexo de relacionamentos interpessoais e intergrupais
(Del Prette & Del Prette, 2005a), e os adultos desse
ambiente, mais especificamente os professores, funcionam
enquanto agentes de controle (Skinner, 1953/2000).
Nesse
sentido, o estudo baseou-se na suposição de que os professores
servem de modelos e funcionam como ambiente
social relevante para a emissão de comportamentos de
seus alunos. Diante disso, esta pesquisa buscou oferecer
aos professores participantes condições para descrever
comportamentos de acordo com conceitos éticos, sociais e
de cidadania compatíveis com o desenvolvimento do sentido
de justiça social e verificou os efeitos do ensino a partir das
avaliações de desempenhos dos alunos e dos relatos dos
professores, antes e depois da etapa de intervenção. Com
base nos resultados obtidos, pode-se dizer que tal objetivo
foi atingido por parcela significativa dos participantes.
Os resultados da avaliação anterior ao procedimento
de intervenção demonstraram que as crianças possuíam
certo repertório básico de respostas socialmente habilidosas.
Tais resultados sugerem que essas habilidades já vêm
estabelecidas do ambiente doméstico e familiar relacionados
a cada criança. Todavia, mesmo nos casos em que os
participantes que já apresentavam bom nível dessas habiTabela
5. Média e desvio padrão da avaliação pré e pós-teste da sala 1 e sala 2
Sala 1
Pré-Teste
Sala 1
Pós-Teste
Sala 2
Pré-Teste
Sala 2
Pós-Teste
Reações M DP M DP t p M DP M DP t p
Socialmente
habilidosa 0,34 0,16 0,60 0,18 -4,57 0,00 0,58 0,13 0,69 0,13 -3,06 0,01
Não
habilidosa
passiva
0,30 0,96 0,25 0,14 1,24 0,24 0,30 0,09 0,26 0,11 1,32 0,21
Não
habilidosa
ativa
0,35 0,19 0,14 0,97 3,70 0,00 0,11 0,13 0,04 0,07 2,77 0,01
M = média DP = desvio padrão
229
lidades, os resultados gerais indicaram uma melhora nos
escores de repertório socialmente habilidosos.
Foram incrementadas
reações habilidosas como: “expressar sentimentos
positivos, dar e receber feedback positivo, agradecer;
expressar desagrado e pedir mudança de comportamento;
analisar problemas e tomar decisões”.
Esses dados gerais sugerem uma dimensão cultural
do alcance desta proposta, pois a intervenção sobre
o comportamento do professor promoveu melhoras nos
comportamentos socialmente habilidosos de seus alunos
e, uma vez que tais comportamentos já estavam presentes
(aferidos pela avaliação pré-intervenção), supõe-se que
comportamentos adquiridos em ambiente escolar possam
ser mantidos em ambiente doméstico pelo fato dos pais ou
cuidadores possivelmente apresentarem ações que reforçam
ou mantêm tais comportamentos. Nesse sentido, Glenn
e Malagodi (1991), ao analisarem a unidade conceitual das
metacontingências enquanto instrumento de avaliação e intervenção
no contexto de comportamentos sociais complexos,
explicitam que “quando relações comportamentais que
definem parte do conteúdo do repertório de um organismo
são replicados no repertório de outras pessoas, em um sistema
sociocultural, o comportamento replicado é chamado
de prática cultural” (p. 5).
A hipótese da presente pesquisa foi a de que, ao se
intervir com professores, poderia haver um impacto sobre o
comportamento das crianças, uma vez que as professoras
são responsáveis pelo planejamento das condições de ensino
em sala de aula (Zanotto, 2000). É nesse sentido que
o procedimento de intervenção desta pesquisa consistiu na
apresentação de um rol de comportamentos socialmente
habilidosos para o manejo de situações conflitantes em sala
de aula. Ofereceu também condições para que as professoras
discriminassem o ambiente comportamental oferecido
pelos seus alunos e propusesse alternativas de manejo a
partir das ações denominadas de socialmente habilidosas
e observasse os efeitos dessas ações sobre o seu relacionamento
com os alunos e sobre a relação dos alunos entre
si.
As tarefas de casa, realizadas pelas professoras, visou
à eficiência da intervenção e a sua generalização mediante
a experimentação de contingências reais das habilidades
treinadas. A participação da pesquisadora nos momentos
da aula fornecendo modelos à professora sobre como mediar
as relações de acordo com o as habilidades discutidas
nos encontros, possibilitou, também, elaborar e implantar a
intervenção de forma mais próxima às necessidades identificadas
no ambiente escolar, adequando-a enquanto estava
sendo realizada e caracterizando-a como um produto dessas
necessidades e não como uma finalidade em si mesma.
As professoras mostraram um aumento na utilização
de habilidades como expressão de sentimento positivo, feedback
positivo e solicitação de mudança de comportamento,
em detrimento de esquemas negativos e de punição. Relataram
satisfação quanto ao próprio desempenho, maior manejo
no trato com os alunos e menor incidência de problemas
de comportamento. Quanto mais as professoras apresentarem
adequadamente tais habilidades, mais modelos estarão
dando aos seus alunos, o que, possivelmente, pode garantir
a manutenção desses comportamentos.
As crianças melhoraram significativamente no escore
total nas avaliações pós-intervenção.
Os escores obtidos
pelos alunos da sala 1 no pós-teste foram significativamente
melhores do que no pré-teste, o que indica que a execução
de comportamentos socialmente habilidosos pelo professor facilita
o desenvolvimento de repertórios pró-éticos e pró-sociais
de seus alunos. As mudanças na sala 2 também ocorreram
de maneira mais substancial após a intervenção nessa sala,
o que sugere que também estão relacionadas ao conjunto
de instruções que o professor recebeu. Esses resultados
apontam a diminuição de frequência de problemas de comportamento
e aumento de frequência de comportamentos
socialmente habilidosos.
Conclusão
Os resultados apresentados sugerem que a intervenção
com as professoras foi efetiva na promoção de comportamentos
socialmente habilidosos e na redução de comportamentos
agressivos das crianças. As professoras ampliaram
as oportunidades de interação em sala de aula, o que
propiciou maior variabilidade de modelos condizentes com
a instalação e manutenção de comportamentos pró-éticos e
pró-sociais indispensáveis para a socialização e autonomia
dos alunos. Para avaliação de seguimento acerca da efetividade
do procedimento deste estudo, desenvolveu-se nova
pesquisa, em continuidade a esta (Rocha & Carrara, 2008),
que avaliou positivamente que os comportamentos socialmente
habilidosos se mantiveram no repertório dos alunos.
Os participantes foram os mesmos e foram avaliados com
o mesmo instrumento (IMHSC – Del Prette & Del Prette,
2005b). Análise preliminar de resultados sugere consolidação
e permanência do repertório comportamental instalado.
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