– IIRSA como instrumento da política
exterior do Brasil para a América do Sul
Leandro Freitas Couto – Mestrando em Relações Internacionais na Universidade de
Brasília - UnB e Analista de Planejamento e Orçamento.
Resumo
O presente artigo analisa a iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional
Sul-americana no contexto da atual política exterior brasileira. Faz-se um relato da
evolução da iniciativa, destacando suas características e seus principais avanços, assim
como ressaltando alguns de seus problemas mais críticos.
De outra parte, analisa a evolução
do posicionamento do governo brasileiro frente à IIRSA, num processo que culmina com a
vinculação da iniciativa à sua estratégia de conformação de uma Comunidade SulAmericana
de Nações.
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1. Introdução
Neste artigo, objetiva-se apresentar a iniciativa IIRSA, posicionando-a como um
instrumento da atual política exterior brasileira para a América do Sul.
Para isso, explorarse-á
se
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prazo de 10 anos como horizonte de ação para a implementação do processo de integração
das infra-estruturas na região.
2. A Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sulamericana
- IIRSA
A Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana – IIRSA
tem suas origens na primeira reunião de presidentes da América do Sul, realizada em 2000,
em Brasília. A IIRSA serviria ao propósito de prover a região de uma infra-estrutura básica,
nas áreas de transporte, comunicações e energia, disponibilizando as bases para uma maior
integração comercial e social do subcontinente sul-americano.
O comunicado de Brasília, documento resultante da reunião de cúpula, ratificado
por todos os países da América do Sul – exclui-se a Guiana Francesa – contempla um
capítulo específico sobre a infra-estrutura de integração. Explicitam-se nele os objetivos
orientadores da iniciativa que então se criava:
• Identificação de obras de interesse bilateral e sub-regional;
• Identificação de fórmulas inovadoras de apoio financeiro para os projetos de
infra-estrutura;
• Adoção de regimes normativos e administrativos que facilitem a
interconexão e a operação dos sistemas de energia, de transportes e de
comunicações.4
Com o objetivo de dar prosseguimento aos entendimentos presidenciais, os
ministros de Estado de comunicações, transportes e energia da América do Sul reuniram-se
em Montevidéu, em dezembro daquele mesmo ano.
Na ocasião, foi exposto o Plano de
Ação para a Integração da Infra-estrutura Regional da América do Sul5
, que estabelecia três
linhas gerais norteadoras das ações da iniciativa: coordenação de planos e de investimentos,
compatibilização e harmonização dos aspectos regulatórios e institucionais e, por fim,
4
Comunicado de Brasília disponível em
http://www.iirsa.org/BancoMedios/Archivos/comunicado_de_brasilia.doc
5
Disponível em
http://www.iirsa.org/BancoMedios/Documentos%20PDF/Plan%20de%20Acción%20Montevideo%20final.pd
f
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busca de mecanismos inovadores de financiamento público e privado. Ao mesmo tempo,
propunha um horizonte de dez anos para os trabalhos da IIRSA.
Em sua forma inicial, a iniciativa foi planejada para ter suas orientações emanadas
de um conselho de ministros de infra-estrutura e de planejamento dos doze países
partícipes, denominado Comitê de Direção Executiva – CDE. Ficaria a cargo do CDE guiar
os trabalhos técnicos de acordo com as prioridades estabelecidas pelos governos. Para
tanto, se reuniria semestralmente para transmitir as orientações dos governos e notificar-se
do desenvolvimento dos trabalhos.
Logo abaixo, como secretaria executiva, estaria o Comitê de Coordenação Técnica –
CCT, responsável pela coordenação dos trabalhos e dos grupos técnicos.
O CCT seria
formado por três entidades multilaterais de fomento, quais sejam, o Banco Interamericano
de Desenvolvimento – BID; a Corporação Andina de Fomento – CAF, braço financeiro da
Comunidade Andina; e o Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata – FONPLATA.
Na instância mais operativa, estariam os Grupos Técnicos Executivos – GTE’s, o
nível mais técnico da IIRSA, responsável pela execução dos trabalhos de acordo com as
orientações do CCT e, em última instância, do CDE. A América do Sul foi dividida em
Eixos de Integração e Desenvolvimento, dentro dos quais seriam discutidos e avaliados os
projetos de infra-estrutura de integração, e cada um desses eixos seria objeto de um GTE
específico.
Da mesma forma, os temas de financiamento e de harmonização de marcos
regulatórios em transportes, energia e telecomunicações formariam, cada um, um GTE.
O
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que os investidores estariam submetidos. Desse modo, a IIRSA contribuiria para uma
maior aproximação regional, ao discutir aspectos concretos de integração física que
serviriam tanto para suportar os aumentos esperados no comércio intra-regional,
particularmente com os esforços de aproximação entre Mercosul e Comunidade Andina de
Nações, e extra-regional, tendo em vista as potencialidades que se percebia nos promissores
mercados asiáticos, particularmente a China, ao possibilitar o escoamento da produção de
grãos do centro-oeste brasileiro pelos portos do pacífico.
3. A seleção de projetos – concepção e críticas
À primeira vista, o fato de três instituições regionais de financiamento apoiarem a
iniciativa gerou expectativas quanto à possibilidade de implementação de projetos de infraestrutura
já constantes do portfólio de cada um dos países da América do Sul.
Discutia-se a
implementação de um selo IIRSA, que garantiria tratamento diferenciado aos projetos
identificados pela iniciativa nos organismos de fomento. Do mesmo modo, esperava-se que
a avaliação de risco dos projetos constantes da carteira da IIRSA fosse mais vantajosa para
os países, dado o grau de convergência política a que estariam submetidos.
Assim, num primeiro momento, os países indicaram uma série de projetos de infraestrutura
de integração para serem considerados no âmbito da IIRSA. Esse primeiro
inventário contava com 335 projetos, no valor de U$ 37,47 bilhões.
Obviamente, a lista
geral apresentava projetos com diferentes graus de maturação, com possibilidades díspares
de implementação no curto, médio e longo prazo.
Com o objetivo de se realizar uma hierarquização dos projetos, estabeleceu-se uma
metodologia de planejamento territorial indicativo, oriunda também da experiência
brasileira dos eixos nacionais de integração e desenvolvimento. No âmbito dos GTE’s de
cada Eixo de Integração, os técnicos dos governos reuniram os projetos em agrupamentos,
identificando, para cada um dos grupos, um projeto âncora. A idéia era explorar a sinergia
do conjunto de projetos que se relacionassem, de acordo com a logística de infra-estrutura a
ser implementada no território. Com isso, deixava-se de pensar somente a obra, ampliando
o escopo de análise para os serviços de logística decorrentes da implantação dos projetos.
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Em paralelo, o Comitê de Coordenação Técnica da Iniciativa desenvolveu uma
visão de negócios para cada eixo, identificando as principais atividades econômicas e os
fluxos existentes e potenciais de comércio gerados a partir delas. As informações oriundas
desses diagnósticos alimentaram o processo técnico de hierarquização e priorização dos
projetos da IIRSA.
Aplicou-se, para tanto, uma metodologia de análise multicriterial, pela qual eram
analisados os impactos esperados da implementação de cada grupo de projetos no
desenvolvimento sustentável da região, nas suas esferas econômicas, sociais e ambientais, e
a viabilidade econômica, financeira, ambiental e político-institucional de cada um deles.7
No campo econômico, eram analisados os impactos dos projetos quanto ao aumento
no fluxo de comércio de bens e serviços, quanto à atratividade de investimentos privados
em unidades produtivas na área de influência desses projetos e, finalmente, quanto à
contribuição para o aumento da competitividade da produção regional. Em termos sociais,
eram
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comparada com os 37 bilhões de dólares da carteira completa. Por fim, ressalta-se que
todos os países foram contemplados com pelo menos um projeto.
Abaixo, vê-se o mapa da América do Sul com os 31 projetos acordados pelos
presidentes.
Apesar dos GTE’s de Processos Setoriais de Integração que tratavam dos temas
regulatórios e de financiamento não terem alcançado a mesma efetividade, a apresentação
da AIC representa um marco nos trabalhos da IIRSA. A despeito das análises que se possa
fazer acerca dos projetos apresentados, o fato de os doze países terem firmado a lista dos 31
projetos simboliza a coesão da região em torno de prioridades comuns para o seu
desenvolvimento.
Como a IIRSA não apresenta nenhum grau de institucionalidade, chama a atenção a
continuidade que se conseguiu imprimir aos trabalhos, a despeito das trocas de governo que
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se processaram em vários países da América do Sul. Isso pode indicar a importância do
papel desempenhado pelas agências multilaterais como animadoras do processo.
Efetivamente, ficava sob responsabilidade do CCT a contratação de estudos e
consultorias que orientassem a tomada de decisão dos países sobre os projetos e sobre os
avanços do processo setorial de integração. Esperava-se, assim, aproveitar a maior
agilidade dos organismos que compunham o comitê técnico, escapando das restrições
orçamentárias e legais – particularmente de contratação – dos Estados Nacionais.
De outro lado, esse modo de operar da iniciativa gera desconfianças quanto ao grau
de ingerência dos bancos em seus rumos. Apesar de serem geridas pelos países, essas
instituições têm interesses próprios na região, inclusive disputando, mais particularmente
BID e CAF, os melhores projetos. A propósito, o Comunicado de Brasília de 2000 afirma
que os presidentes
decidiram instruir seus governadores no BID e representantes junto aos organismos financeiros
internacionais para que, quando oportuno, proponham, naquelas instituições (...) a adoção de todas as medidas
necessárias à implementação das propostas contidas no Plano de Ação em anexo, com vistas à realização de
estudos, prestação de serviços de consultoria e desembolso de financiamentos para apoiar a implementação de
iniciativas visando o desenvolvimento de eixos de integração para o futuro espaço econômico ampliado da
América do Sul. Os Presidentes destacaram, neste sentido, a importância singular do trabalho futuro de
coordenação com o BID e a CAF, entre outros organismos internacionais e regionais relevantes.8
A ausência de uma visão estratégica de longo prazo para a América do Sul a
orientar a seleção de projetos representa outra falha no processo de seleção de projetos.
Proposta para nortear a avaliação dos agrupamentos de projetos, a visão estratégica regional
acabou sendo discutida nos países após a apresentação da Agenda de Implementação
Consensuada. Em alguns países, como no Brasil, esse processo de discussão ainda está em
curso.
Isso impediu, portanto, que houvesse uma discussão quanto ao modelo de
desenvolvimento a ser buscado na região. A partir do momento em que são implementadas
nos territórios, as infra-estruturas impulsionam um tipo de desenvolvimento a partir dos
fluxos que favorecem. Os países estariam integrando suas infra-estruturas sem ter claro que
8
Comunicado de Brasília. Op. Cit.
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tipo de desenvolvimento querem – se algo que impulsione o desenvolvimento regional ou
que alimente ainda mais o modelo agro-exportador típico da maioria dos países da região.
4. A IIRSA nas primeiras luzes do Governo Lula
Segundo Paulo Roberto de Almeida, ressalvada a importância que o tema da
integração física regional adquiriu na política externa de Cardoso, a prioridade concedida à
América do Sul no Governo FHC teria se bastado no plano retórico. O Acordo Mercosul –
CAN ficou inconcluso na sua gestão, a iniciativa da ALCSA, lançada por Itamar Franco e
Celso Amorim, não foi levada adiante, tendo apenas atuado na mediação do conflito entre
Peru e Equador.9
Com o advento do governo Lula, a América do Sul é reafirmada como prioridade
dentre as linhas de atuação externa do país. O chanceler Celso Amorim, em seu discurso de
posse como Ministro das Relações Exteriores, defendeu o aprofundamento da integração
entre os países da América do Sul. Segundo Celso Amorim, “a formação de um espaço
econômico unificado, com base no livre comércio e em projetos de infra-estrutura, terá
repercussões positivas tanto internamente quanto no relacionamento da região com o resto
do mundo”.10
Essa política tornou-se clara nos primeiros meses do Governo Lula. Sua
participação na formação do Grupo dos Amigos da Venezuela e a sua viagem à Argentina,
primeira como presidente eleito, são bastante representativas. A sua atuação, porém, não se
limitou às afirmações de intenções políticas. Os empréstimos do BNDES à Venezuela; o
compromisso de construir uma ponte entre os municípios de Assis Brasil, no Acre, e
Iñapari, no Peru; a postura ativa no apoio ao então candidato Néstor Kirchner, nas eleições
argentinas, emprestam um caráter prático a essa posição do Brasil frente a seus vizinhos.
A posição política do Governo reflete-se numa mudança na própria estrutura do
Itamaraty. A América do Sul, que antes era acompanhada dentro do Departamento das
9
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula. Revista
Brasileira de Política Internacional, Vol. 47, Nº 1. 2004. 10 Discurso do Embaixador Celso Amorim, por ocasião da transmissão do cargo de Ministro de Estado das
Relações Exteriores. Disponível em: SILVA, Luiz Inácio Lula da; AMORIM, Celso; GUIMARÃES, Samuel
Pinheiro. A Política Externa do Brasil, IPRI/FUNAG. Brasília, 2003.
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Américas, ganhou uma Sub-Secretaria específica, vinculada diretamente à Secretaria-Geral,
e, assim, ao Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
Quanto à IIRSA, porém, Almeida aponta que essa iniciativa teria sido parcialmente
aceita por Lula, que preferiu empregar ações para viabilizar o financiamento bilateral do
BNDES as obras de infra-estrutura nos países vizinhos.11 O embaixador Rubens Ricupero,
na mesma linha, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, ao percorrer o tema da
integração regional sul-americana, ressalta que falta uma dose a mais de espírito de
continuidade à diplomacia brasileira12. Nenhum dos dois se detém, no entanto, sobre quais
teriam sido as razões para essa aceitação apenas parcial da IIRSA nas primeiras luzes do
governo Lula.
É importante ter em perspectiva, nesse momento, a dança de paradigmas com a qual
Amado Cervo caracteriza as relações internacionais da América Latina, na década de 1990.
Segundo a construção de Cervo, coexistiram: o paradigma de Estado Desenvolvimentista –
autonomista; o Estado Normal – subserviente, destrutivo e regressivo; e o Estado Logístico
– única forma que poderia gerar um equilíbrio na inserção das economias dependentes no
capitalismo global. Das três formas, o Estado Normal, ressonância da introdução do
fundamentalismo neoliberal na América Latina, foi o que mais claramente pôde ser
percebido no subcontinente sul-americano na última década do século XX, em diferentes
graus de um país para outro.13
No Brasil, em particular, o paradigma do Estado Desenvolvimentista foi definhando.
Apesar de o desenvolvimento continuar no horizonte da política exterior do Brasil, ele
deixou de ser o seu elemento de racionalidade. Em seu lugar, tomou parte o Estado Normal,
uma invenção argentina de adoção acrítica dos modelos advindos dos centros hegemônicos,
e experimentou-se um esboço do Estado Logístico.
Os reflexos da adoção do Estado Normal se fizeram sentir também no âmbito das
relações regionais, onde, a princípio, o Brasil teria mais se distanciado do idealismo que
norteava sua atuação multilateral. A formação do Mercosul, que previa integração
industrial e desenvolvimento, foi deliberadamente desviada para questões meramente
comerciais. E, a integração física sul-americana com Cardoso admitia um papel reduzido
11 ALMEIDA, Paulo Roberto de. 2004, Op. Cit;
12 Entrevista do Embaixador Rubens Ricupero a O Estado de São Paulo, 5 de jun. 2005 13 CERVO, Amado Luiz. 2001. Op. Cit;
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aos Estados, delegando às agências regionais de desenvolvimento e à iniciativa privada o
papel de incentivadores e executores do processo.
De fato, isso gerava, à primeira vista, algumas ambigüidades. A primeira delas diz
respeito à delegação da secretaria-executiva às agências multilaterais CAF, BID e
FONLPATA. Na mesma linha, chama a atenção a ausência do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, segundo maior banco de investimento do
mundo e ator-chave para a promoção da indústria nacional, nos trabalhos da iniciativa. Por
outro lado, permitiu-se a presença do BID, no qual a influência norte-americana tende a ser
muito forte.
Em agosto de 2003, o BNDES e a CAF promovem o Primeiro Seminário
Internacional de Co-financiamento BNDES/CAF: Prospecção de Projetos de Integração
Sul-americana. O seminário objetivava identificar projetos de infra-estrutura a serem
financiados pelos dois organismos nos doze países da América do Sul, a despeito do
processo em curso na IIRSA.
Esperava-se, com isso, inserir o BNDES no processo de integração física sulamericana.
Inclusive, cria-se no Banco um departamento específico para tratar das questões
relativas à integração sul-americana. Assim, reforçava-se o papel do Estado brasileiro no
incentivo e na orientação do mercado para as áreas consideradas prioritárias, nesse caso a
integração regional.
Atualmente, o BNDES tem em carteira vários empreendimentos nos quais financia
as exportações de empresas brasileiras que participam da execução de projetos em países da
América do Sul. Na Argentina, dois projetos para a construção de gasodutos levam
financiamento de cerca de 240 milhões de dólares referentes à exportação de tubos
produzidos no Brasil e de serviços de engenharia prestados por empresas brasileiras.
No Chile, as operações superam os 150 milhões de dólares com exportações de
vagões brasileiros para o metrô de Santiago. Já para o Equador, o BNDES financiou
exportação de aviões da Embraer e a construção da Usina Hidrelétrica de San Francisco, no
valor total de 304 milhões de dólares. Com o Paraguai, mais 77 milhões de dólares para a
exportação de bens e serviços de engenharia referentes à construção da Ruta 10. Por fim, a
Venezuela, país mais beneficiado com esse tipo de operação do BNDES, foi contemplada
com cerca de 325 milhões de dólares, conforme mostra o quadro abaixo.
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Fonte: Palestra do Sr. Guido Mântega, Presidente do BNDES, na I Rodada de Consultas sobre a Visão
Estratégica Sul-americana no Brasil, realizada na sede do BNDES, dia 23/11/2005.14
Resta observar que os projetos financiados pela modalidade de financiamento à
exportação do BNDES não constam da agenda prioritária dos projetos da IIRSA.
Tampouco se referem aos projetos apresentados no seminário de co-financiamento
CAF/BNDES.
14
Disponível em
http://www.planejamento.gov.br/arquivos_down/spi/iirsa/Guido_Mantega_IIRSA_23nov.PPT. Acessado em
20/02/2006.
País/ Projeto Financiamento em US$
ARGENTINA 237.000.000
TGS - Gasoduto San Martín 200.000.000
TGN - Gasoduto Norte 37.000.000
CHILE 153.222.000
Ampliação Metrô de Santiago 153.222.000
EQUADOR 304.565.000
Aviões Embraer para TAME 61.600.000
UHE San Francisco 242.965.000
PARAGUAI 77.000.000
Ruta 10 77.000.000
VENEZUELA 326.400.000
UHE La Vueltosa 121.000.000
Linha 4 Metro Caracas 107.500.000
Linha 3 Metro Caracas 78.000.000
Moderniz. Prod. Maiz y Ganado / Fondafa II 19.900.000
Total Integração América do Sul 1.098.187.000
CARTEIRA AEX/ DECEX5 - OPERAÇÕES CONTRATADAS
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De fato, a IIRSA tentava conceder um tratamento estritamente técnico ao projeto de
integração física. A estrutura montada à época de Cardoso para tratar dos temas da infraestrutura
física denota essa idéia, pois tem a coordenação do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão e não do Ministério das Relações Exteriores que, a princípio, seria o
órgão mais afeito ao tema. A Comissão Interministerial para a Integração da Infra-estrutura
Regional da América do Sul, criada por decreto presidencial em 17 de setembro de 2001,
conta ainda com os ministérios de comunicações, minas e energia e transportes.
Outro aspecto importante refere-se ao setor de energia. A integração energética
ganhou relevância na IIRSA e se constituiu em tema sensível no âmbito da iniciativa. O
momento de formação e consolidação da iniciativa coincide com o racionamento de energia
pelo qual passava o Brasil, principal pólo industrial, detentor da maior população e,
conseqüentemente, maior consumidor de recursos energéticos no continente sul-americano.
Assim, ao se analisar a carteira mais ampla de projetos da IIRSA, percebe-se que
boa parte dos empreendimentos do setor de energia visava atender à demanda do mercado
brasileiro.15 Em paralelo, o GTE do Processo Setorial de Integração do setor energético,
denominado Marcos Normativos em Mercados Energéticos Regionais, concedia uma lógica
“privatista” ao setor, o que gerava desconforto no Brasil, principalmente depois da troca de
governo, com a perspectiva de se instaurar um novo modelo regulatório para o setor
elétrico e com o excesso de energia que se seguiu ao “apagão”.
Na VI Reunião do Comitê de Direção Executiva, realizada em 23 e 24 de dezembro
de 2004, alguns dias antes da reunião presidencial, esse modelo é alterado. O GTE ganhava
nova denominação, Integração Energética. A mudança no nome reflete uma alteração na
lógica com a qual o tema seria tratado, não mais pela ótica do Mercado, mas pela ótica do
aproveitamento das fontes energéticas dispostas nos países que pudessem favorecer a
integração16.
A despeito de suas ambigüidades, a IIRSA já estava na agenda dos demais países
sul-americanos. Durante o primeiro ano de seu governo, Lula recebeu em Brasília todos os
Chefes de Estado dos países sul-americanos. Nas declarações resultantes dessas reuniões,
sempre era feita uma menção à IIRSA. No comunicado conjunto à imprensa por ocasião da
15 Disponível em http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/iirsa/index_iirsa.htm 16 Ata da VI Reunião do CDE.
Disponível em
http://www.iirsa.org/BancoMedios/Documentos%20PDF/Acta%20Caracas%20Español.pdf
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visita ao Brasil do chefe de Estado da Bolívia, Sanches de Lozada, ainda em abril de 2003,
por exemplo, citou-se que os presidentes de ambos os países
constataram o progresso verificado na relação Brasil-Bolívia, que decorre em grande parte do projeto
de integração física, o qual constitui exemplo para o seguimento dos objetivos delineados pelos Presidentes da
América do Sul na Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-americana (IIRSA).17
Outrossim, na Segunda Reunião de Presidentes da América do Sul, realizada em
julho de 2002, no Equador – cinco meses antes do Governo Lula tomar posse, portanto – as
atenções centrais estavam voltadas para a IIRSA. Segundo comunicado à imprensa feito
pelo Itamaraty, o próprio presidente Cardoso teria sublinhado a importância que gostaria
que fosse concedida à IIRSA18.
Em realidade, enfrentando os demais países sul-americanos situações econômicas
mais críticas que a brasileira, a IIRSA aparecia como alternativa para a viabilização de uma
série de investimentos que, sozinhos, não teriam condições de realizar. Ao desenvolver um
processo que pressupunha uma escolha técnica dos projetos prioritários, os países contavam
com um maior interesse de organismos internacionais e do setor privado em participar
desses investimentos, dado que estaria intrínseco um grau de redução de seu risco.
Assim, é possível perceber, progressivamente, uma participação mais qualitativa da
diplomacia brasileira e do Governo Lula na IIRSA. Na IV reunião do CDE, realizada na
Venezuela, no início de julho de 2003, a primeira a realizar-se no período de atuação do
novo governo, o Brasil não se fez representar por nenhum Ministro ou Secretário de Estado.
O mais alto funcionário do Itamaraty a participar da reunião era um ministro. Ainda,
importa ressalvar que o governo brasileiro concedia atenção especial à Venezuela, posição
declarada na criação dos Amigos da Venezuela.
Na V reunião do CDE, realizada no final de 2003, o Ministro de Estado dos
Transportes, Anderson Adauto, é o chefe da Delegação Brasileira no Chile. O Secretário de
17 Comunicado Conjunto dos Presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Bolívia, Gonzalo Sánchez
de Lozada (Brasília, 28 de abril de 2003) Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe.asp?ID_RELEASE=159 18 Comunicado Oficial à Imprensa,
Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe.asp?ID_RELEASE=1352
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Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento também estava
presente.
A partir dessa reunião, os encontros do CDE passaram a se realizar no intervalo de
um ano. A VI Reunião, contou com a presença, por parte do governo brasileiro, do
Secretário Executivo e do Secretário de Política Nacional de Transportes, do Ministério dos
Transportes, do Secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do
Planejamento, além do embaixador brasileiro no Peru. Mais ainda, esteve presente na
reunião o Embaixador Ruy Pereira, Chefe de Gabinete do Secretário Geral do Itamaraty,
indicando um envolvimento mais próximo do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães19.
Com o envolvimento mais ativo da diplomacia brasileira, o Brasil buscava retomar a
IIRSA como um instrumento da sua estratégia para a América do Sul. Por ocasião da
Terceira Reunião de Presidentes da América do Sul, quando foi criada a Comunidade Sulamericana
de Nações, foram assinados dois documentos referentes à integração Sulamericana,
a “Declaração de Cuzco sobre a Comunidade Sul-americana de Nações” e a
“Declaração de Ayacucho”20, nos quais os presidentes reforçam a importância da
integração da infra-estrutura física e reafirmam o respaldo à IIRSA e aos avanços
alcançados até então.
A Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana torna-se,
portanto, ao lado da integração econômica e dos valores democráticos, um dos pilares de
sustentação da Comunidade Sul-americana de Nações – CASA. Mais importante, com a
assinatura da Agenda de Implementação Consensuada, a integração regional passa a ter um
plano concreto para evoluir a partir da integração das infra-estruturas na América do Sul.
5. Últimos
Avanços
Com a apresentação da Agenda de Implementação Consensuada, a IIRSA encerrou uma
fase de planejamento e entrou na fase de execução dos projetos. Nessa linha, a preocupação
com o monitoramento estratégico da implementação dos projetos e com os efetivos
impactos dos mesmos nos territórios ganhou espaço central nas discussões. Além disso,
19 As listas de presença das reuniões do CDE podem ser acessadas no sítio
http://www.iirsa.org/cde.asp?CodIdioma=ESP 20 ambas disponíveis em http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe.asp?
ID_RELEASE=2721
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uma mudança de enfoque para o tratamento dos processos setoriais de integração também
consta dos objetivos estratégicos acordados entre os países para o ano de 2006.21
Obviamente, a partir da apresentação da AIC, os projetos ganharam uma visibilidade
diferenciada. Assim, concentrar-se no monitoramento estratégico e na gestão de restrições
de cada um dos 31 projetos torna-se fundamental. Destaca-se que, após cerca de um ano da
apresentação da agenda, um projeto já foi inaugurado – Ponte sobre o Rio Acre, entre
Brasil e Peru, e mais 10 estavam em execução.
Com a implementação dos projetos, a questão que se torna relevante é quanto ao
impacto desses projetos no desenvolvimento regional. Assim, os países acordaram em
realizar uma segunda etapa no processo de planejamento, após a conclusão do processo de
construção da visão estratégica sul-americana. O objetivo seria melhorar a qualidade do
processo de planejamento aplicado na seleção dos 31 projetos, com ações específicas em
Avaliação Ambiental Estratégica e análise da integração das cadeias produtivas e da
logística.22
Em realidade, o propósito passa por assegurar que os projetos não se convertam em
grandes corredores de exportação, mas que possam gerar desenvolvimento nas suas áreas
de influência. Antes mesmo de se concretizar uma ligação interoceânica por meio da
integração das infra-estruturas na América do Sul, focaliza-se a importância que esses
projetos podem ter no estímulo ao desenvolvimento do interior do continente que, longe da
costa, está pouco conectado aos fluxos regionais.
Os trabalhos referentes à harmonização dos marcos regulatórios não vinham avançando
satisfatoriamente. Com isso, os países acordaram em limitar seu escopo. Ao invés de tentar
promover a harmonização regulatória entre todos os participantes da iniciativa, assenta-se
sobre problemas concretos oriundos do tratamento específicos dos projetos e dos eixos de
integração e desenvolvimento.
Atenção especial deve ser dada à questão do financiamento dos projetos. A viabilização
dos investimentos continua sendo o principal gargalo a ser enfrentado pela iniciativa, que
busca mecanismos financeiros inovadores, a serem aplicados prioritariamente nos projetos
que compõem a carteira consensuada.
21 Ata da VII Reunião do Comitê de Direção Executiva – CDE. Disponível em
http://www.iirsa.org/BancoMedios/Documentos%20PDF/cde7_acta_%20asuncion_%20esp.pdf 22 Idem
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Por fim, os países acordaram em promover, a partir de 2006, um processo de ampla
divulgação da iniciativa. Em primeiro lugar, isso reflete o interesse dos governos em atrair
o setor empresarial para os projetos da IIRSA, sendo assim mais uma forma de tentar
viabilizar a implantação de alguns projetos, a partir do interesse da iniciativa privada. De
outra parte, ao pretender “gerar mecanismos de participação direta dos setores produtivo,
empresarial e social no processo de planejamento e na identificação das cadeias produtivas
integradas ou complementares entre os países”23, os países também respondem aos anseios
da sociedade civil organizada em ter uma participação mais efetiva na iniciativa.
Com isso, na medida em que a IIRSA foi se consolidando, fez-se necessária uma
avaliação crítica dos caminhos seguidos até então. As propostas para os avanços dos
trabalhos apontam para uma revisão de alguns dos seus aspectos mais controversos.
Ademais, a vinculação da IIRSA à Comunidade Sul-americana de Nações na estratégia
brasileira para a região tende a conferir maior importância à iniciativa, tornando-se ainda
mais relevante um monitoramento constante da sua evolução.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula. Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 47, Nº 1, 2004.
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