Sobre a guerra dos respeitos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
Primeiro post do blog ailaminas.blogspot.com
há 11 dias
30 visualizações
Existem alguns livros na minha estante que só chegaram até ela porque eu os acolhi movida puramente pela intuição, sem muita razão.
Aquele anseio indeterminado que me moveu em direção ao livro "A Identidade Envergonhada" sobre multiculturalismo e imigração na França nos dias de hoje, do filósofo francês Alain Finkielkraut, foi tomando forma e razão a cada capítulo.
Minha intuição foi assertiva, é o livro que mais precisava refletir nesse momento.
Quero inaugurar este blog com uma breve abordagem acerca do capítulo do livro "A Guerra dos Respeitos".
O tópico "respeito" é objeto do nosso cotidiano, tanto como do nosso fazer, como também está presente nos nossos discursos de forma crítica, gerando embates a todo momento, sob o auspício dos termos "mi mi mi" e "politicamente correto".
As paixões se exaltam em torno desse predicado, imprescindível à nossa convivência. Há momentos que o respeito parece ter se tornado algo apenas ligado ao próprio umbigo. Noutro extremo, o respeito que temos pela liberdade do outro, pode servir ao discurso de ódio e linchamento.
A partir disso, entramos no pensamento de Finkielkraut pois sua reflexão retira muitos dos pontos cegos dos nossos olhares sobre esse assunto.
Um dos olhares que o autor descortina para nossa percepção percorre a obra "O Leviatã" do filósofo Thomas Hobbes que descreve claramente a crise do viver-junto na qual vivemos:
"Os seres humanos não sentem qualquer prazer (e sim um grande desprazer) em estar na presença uns dos outros se não houver um poder capaz de fazê-los observar o respeito. Pois cada qual quer assegurar-se de que lhe seja atribuído pelo vizinho o mesmo valor que se atribui, e toda vez que é subestimado tenta naturalmente, na medida de sua audácia, (...) obter pela força que os que os desprezam reconheçam que é maior o seu valor."
Segundo sua crítica, a violência característica dos dias atuais "não decorre da revolta contra as desigualdades ou da sede de aquisição, mas do desejo de ser respeitado, do sentimento de que não se é."
"É o árbitro espancado num jogo de futebol amador pelo jogador ao qual faltou ao respeito, ao puni-lo com um cartão vermelho. É o inspetor agredido por cerca de vinte alunos que se recusavam a parar de jogar no fim do recreio porque ele teve a arrogância de tomar a bola."
O filósofo nos conta no capítulo o relato de uma amiga, professora de ciências econômicas e sociais, sobre seu aluno de 15 anos que zombava de qualquer comentário seu e contestava as notas, obrigando-a a fazer uma advertência mais severa.
"Para levá-lo a refletir, ela o convidou a escrever uma página sobre"Que é a excelência? Que é a mediocridade? Resposta (do aluno): "Não se deve nunca usar essas palavras, não temos o direito de julgar os outros, e o medíocre é exatamente aquele que julga..." Essa argumentação, acrescenta a professora, era expressa em meio a erros de ortografia e concordância: "Quem pença isso, eles não tem respeito pelo aluno."
"O aluno em questão está brigado com a ortografia; entretanto está em perfeita harmonia com sua época, costuma recorrer ao argumento relativista do" tudo se equivale "para tentar obrigar aquela que supostamente deveria trazer-lhe o conhecimento e avaliar seus progressos a lhe atribuir o valor que ele mesmo se atribui."
Em seguida, Finkielkraut retoma o pensamento do filósofo Hobbes e o seu Pacto Social, que legou-nos a ideia de Pacto Social de "não agressão recíproca que gera o poder soberano e transforma uma multidão vulcânica numa cidade pacífica."
E assim, o respeito nos inibe. O respeito nos impõe respeito, impedindo-nos de tomar o mundo como uma "força que avança".
Alan contextualiza a ironia do curso da história, relata episódio em que, o jornal francês Libération, gerado pelo espírito do ano de 68, época em que toda restrição era vista como uma repressão e que pregava o rompimento das cadeias por meio de "não abrir mão do desejo", enfim, recentemente, o jornal orquestrou um grande debate nacional em torno do tema "Respeito, um novo contrato social", onde se afirmou, na ocasião, que
"Seria necessário estar isolado da realidade para não ver que o vínculo social se debilitou, que não sabemos mais dizer bom dia, aceitar o outro na sua diferença, e que, de tanto aceitar esse acúmulo de pequenas indiferenças, acabamos um dia como uma enorme massa de incivilidades que desemboca numa sociedade cada vez mais individualista, violenta, na qual a avidez tende a suplantar a fraternidade."
Isto posto, afirma que o respeito não é oposto ao irrespeito, à grosseria ou a qualquer outro dos seus antônimos, mas um homônimo inflado de ardor e convencimento. E a questão toda está em saber se o respeito definido por Kant como "restrição de estima de si mesmo", em consideração ao outro, é que levará a melhor ou o respeito no sentido enunciado por Hobbes, de "vontade manifestada por cada um de que lhe seja atribuído pelo vizinho o mesmo valor que se atribui". Dois regimes de respeito disputam hoje nosso viver-junto.
Um professor francês de história, geografia e instrução cívica de um colégio no subúrbio parisiense compartilhou sua experiência numa aula de "sensibilização para violência". Mostrou-se aos alunos uma fotografia de um grupo de adolescentes espancando a murros e pontapés um menor que eles. Convidada a comentar a cena, a turma permanecia em silêncio. O professor se espanta: "E então? Não vão reagir?" Ficou impaciente: "Não estão chocados?" Um dos meninos da turma rompeu o silêncio: "Se são vários batendo nele, certamente é porque ele pediu! Ele deve ter faltado ao respeito e é por isso que eles estão batendo." Outro aluno: "Quando um garoto apanha, geralmente é porque faltou ao respeito. Se for uma garota é porque bancou a gostosa. Não tem nada de chocante. A gente não entende por que é que veio nos falar disso."
A tentativa de sensibilizar os alunos e denunciar a prática do espancamento coletivo demonstrou que o coração do público bate pelo bando e não pela vítima."
Depois de trazer mais alguns relatos nesse sentido, o autor passa a discorrer sobre como a nossa época exige que se abra espaço às culturas estrangeiras, mas ao mesmo tempo é formalmente proibido proceder a uma leitura etnológica dos afetos, como por exemplo do sentimento de humilhação que lhes é impingido.
"Glória às diferenças, mas malditos sejam os que as levam à sério! Viva a diversidade cultural, mas opróbrio ao olhar para o mundo atual que se abalance à levá-la em conta!"
Aqui termino esse relâmpago da obra do filósofo francês Alain Finkielkraut, A identidade envergonhada, Editora Difel, 2017.
Por oportuno, expresso aos seres dignos de respeito que somos todos, meu lamento porque até hoje, nessa guerra de respeitos, muitas vezes combati o que me fere com ferro.
Divergência sempre haverá e o nosso tempo nos impõe o dever de aprendizagem do viver-junto. Esse é o desafio da vida em rede, cada vez mais conectada e aproximadora.
Não há que se combater o que me soa fascismo, com outras variantes de posturas fascistas. Me parece que é nesse sentido que vibra o último parágrafo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.”
Por fim, convido a meditarmos nos termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o instrumento jurídico que é a esteira infinita onde corre eternamente a utopia concretizável da paz mundial.
Cada preceito dos seus 30 artigos é constituído da lição apreendida pelos nossos ancestrais, sobreviventes e filhos da violência extrema em nome dos respeitos, do pós guerra mundial.
Uma civilização que esquece seu passado está condenada a revive-lo (George Santayana, citado por Alain). Isso, nas palavras do autor, significa pensar e agir de tal maneira que Auschwitz não se repita nem que nada semelhante possa acontecer.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Objetivos:
“A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
- Artigo I
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
- Artigo II
1 – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2 – Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
- Artigo III
Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
- Artigo IV
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
- Artigo V
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
- Artigo VI
Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.
- Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, à igual proteção da lei. Todos têm direito à igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
- Artigo VIII
Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
- Artigo IX
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
- Artigo X
Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
- Artigo XI
1 – Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2 – Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
- Artigo XII
Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da leicontra tais interferências ou ataques.
- Artigo XIII
1 – Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residênciadentro das fronteiras de cada Estado.
2 – Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
- Artigo XIV
1 – Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2 – Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
- Artigo XV
1 – Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
2 – Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
- Artigo XVI
1 – Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2 – O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3 – A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
- Artigo XVII
1 – Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2 – Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
- Artigo XVIII
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
- Artigo XIX
Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
- Artigo XX
1 – Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associaçãopacíficas.
1 – Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
- Artigo XXI
1 – Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2 – Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3 – A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
- Artigo XXII
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
- Artigo XXIII
1 – Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2 – Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito à igual remuneração por igual trabalho.
3 – Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4 – Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.
- Artigo XXIV
Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.
- Artigo XXV
1 – Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2 – A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
- Artigo XXVI
1 – Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2 – A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3 – Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
- Artigo XXVII
1 – Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.
2 – Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.
- Artigo XXVIII
Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
- Artigo XXIX
1 – Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2 – No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3 – Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
- Artigo XXX
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário