Formação de profissionais da educação:
Visão
240 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
ca da legislação vigente e na realidade constatada nas instituições formadoras.
O marco histórico de detonação do movimento pela reformulação dos
cursos de formação do educador foi a I Conferência Brasileira de Educação
realizada em São Paulo em 1980, abrindo-se o debate nacional sobre o curso
de pedagogia e os cursos de licenciatura. A trajetória desse movimento
destaca-se pela densidade das discussões e pelo êxito na mobilização dos
educadores, mas o resultado prático foi modesto, não se tendo chegado até
hoje a uma solução razoável para os problemas da formação dos educadores,
nem no âmbito oficial nem no âmbito das instituições universitárias.
A discussão sobre a identidade do curso de pedagogia, que remonta
aos pareceres de Valnir Chagas na condição de membro do antigo
Conselho Federal de Educação, é retomada nos encontros do Comitê
Nacional Pró-formação do Educador, mais tarde transformada em Associação
Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, e é
bastante recorrente para pesquisadores da área. Estes já apontavam, em
meados dos anos 80, a necessidade de se superar a fragmentação das
habilitações no espaço escolar, propondo a superação das habilitações
e especializações pela valorização do pedagogo escolar:
(...) a posição que temos assumido é a de que a escola pública necessita
de um profissional denominado pedagogo, pois entendemos
que o fazer pedagógico, que ultrapassa a sala de aula e a determina,
configura-se como essencial na busca de novas formas de organizar
a escola para que esta seja efetivamente democrática. A
tentativa que temos feito é a de avançar da defesa corporativista
dos especialistas para a necessidade política do pedagogo, no processo
de democratização da escolaridade. (Pimenta 1988)
O curso de pedagogia – sem entrar agora no mérito de sua função,
isto é, de formar professores ou especialistas ou ambos – pouco se alterou
em relação à Resolução no
252/69. Experiências alternativas foram
tentadas em algumas instituições e o antigo CFE expediu alguns pareceres
sobre “currículos experimentais”, mas nenhum deles, a rigor, apresenta
algo realmente inovador. Possíveis “novidades” no chamado “curso de pedagogia”
seriam, por exemplo, a atribuição, ao lado de outras, da formação
em nível superior de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental,
supressão das habilitações (administração escolar, orientação
educacional, supervisão escolar etc.) e alterações na denominação de al-
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gumas disciplinas. Alterações geralmente inócuas, pois na maior parte dos
casos foi mantida a prática da grade curricular e os mesmos conteúdos
das antigas disciplinas, por exemplo, Organização do trabalho pedagógico
manteve o conteúdo da anterior Administração escolar.
Em relação aos cursos de licenciatura, também não houve nenhuma
mudança substantiva desde a Resolução no
292/62 do CFE, que dispunha
sobre as matérias pedagógicas para a licenciatura. O que se tentou foram diferentes
formas de organização do percurso da formação, umas mantendo
o 3+1 já presente em 1939, outras distribuindo as disciplinas pedagógicas
ao longo do curso específico. Quanto ao local da formação pedagógica, em
alguns lugares ela foi mantida nas faculdades de educação, em outros, foi
deslocada, total ou parcialmente, aos institutos/departamentos/cursos.
Atualmente, a atuação do Ministério da Educação e do CNE na
regulamentação da LDB no
9.394/96 tem provocado a mobilização dos
educadores de todos os níveis de ensino para rediscutir a formação de
profissionais da educação. A nosso ver, não bastam iniciativas de formulação
de reformas curriculares, princípios norteadores de formação, novas
competências profissionais, novos eixos curriculares, base comum
nacional etc. Faz-se necessária e urgente a definição explícita de uma
estrutura organizacional para um sistema nacional de formação de profissionais
da educação, incluindo a definição dos locais institucionais do
processo formativo. Na verdade, reivindicamos o ordenamento legal e
funcional de todo o conteúdo do Titulo VI da nova LDB.
Resumidamente, o disposto no Titulo VI da nova LDB é o seguinte:
a) Cursos de licenciatura plena para formar professores de educação
básica, em universidades e Institutos Superiores de Educação:
• Curso Normal Superior (licenciatura para formar docentes de educação
infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental) e licenciaturas
para formar
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Pelo Edital no
4, de 3/12/97, a SESu/MEC designou comissões de
especialistas para elaboração de diretrizes curriculares dos cursos superiores,
incluindo as licenciaturas onde coubesse. Em 6/5/99, a Comissão
de Especialistas de ensino de Pedagogia (designada pela Portaria
SESu/MEC no
146, de março de 1998) tornou pública sua proposta de
diretrizes curriculares para o curso de pedagogia. O mesmo órgão, por
meio da Portaria no
808, de 8/6/99, designou um Grupo de Trabalho para
elaboração das diretrizes curriculares para todas as licenciaturas, reconhecendo
a necessidade de orientações normativas gerais para a parte
curricular referente à formação pedagógica.
Os debates ocorridos nesse
GT resultaram no Documento Norteador para a Elaboração de Diretrizes
Curriculares para os Cursos de Formação de Professores (1999),
já encaminhado à SESu. Todavia, foram manifestadas nas reuniões de
trabalho diferentes posições sobre a formação dos profissionais da educação,
não incluídas no corpo do referido documento. O objetivo deste
texto é apresentar uma dessas posições, que expressa a proposta de um
sistema nacional de formação dos profissionais da educação.
A proposta básica é a de que a formação dos profissionais da
educação para atuação na educação básica far-se-á, predominantemente,
nas atuais faculdades de educação, que oferecerão curso de pedagogia,
cursos de formação de professores para toda a educação básica, programa
especial de formação pedagógica, programas de educação continuada
e de pós-graduação. As faculdades de educação terão sob sua responsabilidade
a formulação e a coordenação de políticas e planos de formação
de professores, em articulação com as pró-reitorias ou vice-reitorias de
graduação das universidades ou órgãos similares nas demais Instituições
de Ensino Superior, com os institutos/faculdades/departamentos das áreas
específicas e com as redes pública e privada de ensino.
O curso de pedagogia destinar-se-á à formação de profissionais
interessados em estudos do campo teórico-investigativo da educação e
no exercício técnico-profissional como pedagogos no sistema de ensino,
nas escolas e em outras instituições educacionais, inclusive as não-escolares.
Os cursos de formação de professores e os programas mencionados,
abrangendo todos os níveis da educação básica, serão realizados
num Centro de Formação, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de
Professores – CFPD, que integrará a estrutura organizacional das faculdades
de educação e destinar-se-á à formação de professores para a
educação básica, da educação infantil ao Ensino Médio.
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 243
Distinguindo o curso de pedagogia (stricto sensu) e o curso de
formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental2
Tornou-se lugar-comum no discurso de educadores, especialmente
os que atuam em faculdades de educação, a identificação dos cursos
de pedagogia com os cursos de formação de professores das séries iniciais
do Ensino Fundamental, ainda que boa parte deles também se destine
a formar docentes para as disciplinas pedagógicas da habilitação ao
magistério em nível de 2o
grau.
Para tornar essa problemática mais clara convém, primeiramente,
rememorar as ambigüidades que vem acompanhando o curso de pedagogia
e cursos de licenciatura.3
Quando foi criado o curso de pedagogia,
em 1939, ele se destinava a formar bacharéis (técnicos de educação) e
licenciados em pedagogia, inaugurando o que veio a denominar-se esquema
3+1, com blocos separados para o bacharelado e a licenciatura.
Os professores dos antigos primário e pré-primário eram formados em
Curso Normal nos institutos de educação, ao passo que o professores
para os antigos cursos ginasial e colegial eram formados nas faculdades
de Filosofia, Ciências e Letras.
O Parecer no
251/62 estabelece para o curso de pedagogia o encargo
de formar professores para os cursos normais e “profissionais destinados
às funções não-docentes do setor educacional”, os técnicos de
educação ou especialistas de educação”, e anuncia a possibilidade de,
no futuro, formar o “mestre primário em nível superior”.
Nesse mesmo
ano, o Parecer no
292/62 fixa as matérias pedagógicas dos cursos de licenciatura
para o magistério em escolas de nível médio (ginasial e colegial),
mantendo, na prática, a separação entre bacharelado e licenciatura
ou, ao menos, as disciplinas “de conteúdo” e as disciplinas “pedagógicas”.
Embora algumas análises apontem para a impropriedade de
formar, nessa época, técnicos de educação para um campo de trabalho
inexistente, talvez o que tenha faltado fosse a regulamentação da profissão
de pedagogo.4
O Parecer no
252, de 1969, definiu a estrutura curricular do curso de
pedagogia que vigorou até pouco tempo atrás, com a promulgação da LDB
de 1996.
A resolução normativa que acompanha o parecer estabelece com
mais precisão a função desse curso: formar professores para o ensino Normal
e especialistas para as atividades de orientação, administração, super-
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visão e inspeção no âmbito das escolas e dos sistemas escolares. Permite
também ao licenciado exercer o magistério nas séries iniciais, dentro da
habilitação para o ensino Normal (isto é, não se previu uma habilitação específica
para se lecionar nas séries iniciais). O currículo mínimo compreendia
uma parte comum a todas as habilitações e outra diversificada, em função
da habilitação específica escolhida pelo aluno.
A lista de habilitações
incluía, pelo menos, oito tipos de atividades, em função das quais se ofereciam
as opções curriculares.5
Consolidava-se, assim, a idéia de formação
específica de técnicos em educação, definindo o exercício profissional do
pedagogo não-docente. Uma das justificativas para a oferta das habilitações
(administração escolar, supervisão escolar,6
orientação educacional, entre
outras) e para a profissionalização do pedagogo era a ampliação do atendimento
às necessidades de escolarização básica, que tinha um forte apelo
na política educacional da época.
O Parecer no
252, justamente por explicitar melhor a natureza de
um curso de pedagogia – e, não por acaso, no contexto da ditadura militar
– recebeu inúmeras críticas no final da década de 1970 e no período
seguinte.
O conteúdo dessas críticas é amplamente conhecido e não
precisa ser reproduzido aqui. Em virtude das finalidades e dos limites
deste texto, queremos apenas destacar algumas delas.
A crítica de que o curso de pedagogia de 1969 era “tecnicista” parece
pertinente, a levar em conta o discurso oficial da época. Essa crítica
é sintetizada por Silva (1999) nos seguintes termos:
Com a aprovação da (...) Lei da Reforma Universitária, triunfam os
princípios de racionalidade, eficiência e produtividade no trato do Ensino
Superior. A tradição liberal de nossa universidade fica interrompida
e nasce o que alguns irão passar a chamar de universidade
tecnocrática, ainda que mesclada de nuanças do pensamento liberal.
A esses aspectos foram agregadas as críticas à fragmentação da
formação do pedagogo, à divisão técnica do trabalho na escola, à separação
entre teoria e prática, à separação entre o pedagogo especialista
e o trabalho docente.7
Não nos parece problemática hoje a ênfase que o Parecer deu à
necessidade de se formarem técnicos de educação nem ao reconhecimento
de tarefas específicas a serem realizadas nas escolas para acom-
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 245
panhamento do ensino. Sem deixar de reconhecer que, de fato, houve
uma fragmentação muito grande das tarefas, isso não poderia ter comprometido
a existência de especialistas na escola. A nosso ver, a divisão
de funções corresponde a uma lógica da organização escolar e, mais ainda,
essas funções implicariam uma formação específica, dada a complexidade
envolvida no desempenho dessas funções.
Dessa forma, o que
nos parecem problemáticos são os seguintes aspectos: a) o caráter
“tecnicista” do curso e o conseqüente esvaziamento teórico da formação,
excluindo o caráter da pedagogia como investigação do fenômeno
educativo; b) o agigantamento da estrutura curricular que leva ao mesmo
tempo a um currículo fragmentado e aligeirado; c) a fragmentação
excessiva de tarefas no âmbito das escolas; d) a separação no currículo
entre os dois blocos, a formação pedagógica de base e os estudos correspondentes
às habilitações.8
A questão mais relevante, todavia, é o esvaziamento dos estudos
sistemáticos de educação e a descaracterização profissional do pedagogo.
Quanto ao esvaziamento da teoria pedagógica, Pimenta (1998) faz a seguinte
constatação:
(...) há um contingente maciço de egressos dos cursos de pedagogia
que, curiosamente, não estudaram pedagogia (sua teoria e
sua prática), pois esses cursos, de modo geral, oferecem estudos
disciplinares das ciências da educação que, na maioria das vezes,
ao partirem dos campos disciplinares das ciências-mãe para falar
sobre educação, o fazem sem dar conta da especificidade do
fenômeno educativo e, tampouco, sem tomá-lo nas suas realidades
histórico-sociais e na sua multiplicidade – o que apontaria
para uma perspectiva interdisciplinar e multirreferencial.
Quanto à descaracterização profissional do pedagogo, subsumido ao
“professor”, sua formação passa a ser dominada pelos estudos disciplinares
das áreas das metodologias. Estas, ao voltarem seus estudos diretamente
à sala de aula, espaço fundamental da docência, ignoram os determinantes
institucionais, históricos e sociais (objeto de estudo da pedagogia).
Desse modo, a pedagogia, ciência que tem a prática social da educação
como objeto de investigação e de exercício profissional – no qual se inclui
a docência, embora nele se incluam outras atividades de educar – não tem
sido tematizada nos cursos de formação de pedagogos (cf. Pimenta 1998).
246 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
Por essas razões, por volta dos anos 1983-84, com base na crítica à
fragmentação e à divisão técnica do trabalho na escola, algumas faculdades
de educação suprimiram do currículo as habilitações, passando a ter
apenas duas habilitações – professor das séries iniciais do 1o
grau e professor
de cursos de habilitação ao magistério –, descartando boa parte da
fundamentação pedagógica do curso. Fora das faculdades, em decorrência
dessas mudanças curriculares e da difusão das propostas do movimento
pela reformulação da formação do educador, as Secretarias de Educação
retiraram das escolas ou deixaram de contratar profissionais pedagogos,
prejudicando o atendimento pedagógico-didático às escolas e comprometendo
o exercício profissional do pedagogo. Além disso, com a descaracterização
dos pedagogos-especialistas como profissionais, as associações
de pedagogos (por exemplo, Associação Nacional de Orientadores Educacionais,
Associação Nacional de Supervisores Educacionais) se autodissolveram,
resultando na perda do espaço de discussão teórico-prática da
pedagogia e do exercício profissional do pedagogo existente nessas associações.
Essa análise mostra como se chegou a uma descentralidade do
enfoque da pedagogia como estudo da ciência da educação. Entretanto,
não se pode dizer que a desvalorização social e acadêmica desse campo
de conhecimentos tenha sido resultado apenas da legislação tecnicista
do período 1962-80 e do movimento pela reformulação dos cursos de formação
do educador.9
Na verdade, já nos anos 20, com o movimento da
Educação Nova, os estudos pedagógicos sistemáticos começaram a perder
espaço, com base em um reducionismo psicológico.
A pedagogia vai
adquirindo a conotação de operacionalização metodológica do ensino,
com base no que se propõe a formação dos técnicos de educação e a formação
de professores, consolidando o privilégio das dimensões metodológica
e organizacional em detrimento das dimensões filosófica, epistemológica
e científica. Sobre isso escreveu Libâneo (1998):
Ainda que o Parecer 252/69 mantenha a denominação “curso de
pedagogia”, seu conteúdo deixa entrever que o termo “pedagógico”
tem o sentido de metodológico, técnico, administrativo, no
mesmo tom da linguagem dos “profissionais da educação” da década
de 20. Além disso, pesa-lhe a herança do passado em que
estudos pedagógicos referem-se quase sempre à preparação de
professores, o que explica, ainda hoje, em algumas faculdades de
educação, a identif
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 247
de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental, com
o que a pedagogia tende a reduzir-se à prática do ensino.
A tendência que parece ser dominante hoje entre os educadores
– ao menos no que diz respeito aos seguidores das propostas mais recentes
da Anfope – é esta: o curso de pedagogia destina-se à formação
do professor de 1a
a 4a
(que muitos chamam de professor normalista de
nível superior). Ou seja, acabou aquele curso de pedagogia concebido
em 1939 e parcialmente mantido em 1962 e 1969.10 Como se sabe, aquelas
propostas giram em torno do lema: a formação de todo educador deve
ter como base a docência. A defesa desse lema e as propostas de formação
que dele decorrem têm dificultado uma discussão mais aberta da
questão, colocando o debate na contramão das necessárias mudanças
na formação de professores.
A nosso ver, as propostas atuais da Anfope
trazem como conseqüências:
• a identificação de estudos sistemáticos de pedagogia com a licenciatura
(formação de professores para as séries iniciais do Ensino
Fundamental) e, por conseguinte, redução da formação de
qualquer tipo de educador à formação do docente;
• a descaracterização do campo teórico-investigativo da pedagogia
e das ciências da educação, eliminando da universidade os
estudos sistemáticos do campo científico da educação e a possibilidade
de pesquisa específica e de exercício profissional do
pedagogo; o que leva ao esvaziamento da teoria pedagógica,
acentuando o desprestígio acadêmico da pedagogia como campo
cientifico;
• eliminação/descaracterização do processo de formação do
especialista em pedagogia (pedagogo stricto sensu), subsumindo
o especialista (diretor de escola, coordenador pedagógico,
planejador educacional, pesquisador em educação
etc.) no docente;
• identificação entre o campo epistemológico e o campo profissional,
como se as dificuldades naquele campo levassem ipso facto
à crise do outro;
• segregação do processo de formação de professores da 1a à 4a
em
relação às demais licenciaturas.
248 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
O documento ora concluído pela Comissão de Especialistas de ensino
de pedagogia – Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia –
reforça esses problemas. Com efeito, o documento define o pedagogo
como:
Profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e na gestão
de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção
e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo
a docência como base obrigatória de sua formação e identidade
profissionais.
Define como áreas de atuação profissional: a docência na educação
infantil, nas séries iniciais do Ensino Fundamental e nas disciplinas
da formação pedagógica do nível médio, podendo atuar, ainda, na organização
de sistemas, unidades, projetos de experiências educacionais
escolares e não escolares; na produção e difusão do conhecimento
cientifico e tecnológico do campo educacional; nas áreas emergentes do
campo educacional.
Como se vê, nada muito diferente do que sempre existiu na legislação
anterior, a não ser o destaque que se dá à formação de professores
de educação infantil e das séries iniciais do 1o
grau (já prevista no
Parecer 252/69). O documento não utiliza o termo “habilitações” (embora
refira-se ao pedagogo como profissional “habilitado”), mas menciona
a diversificação na formação do pedagogo para atender às diferentes
demandas sociais por intermédio da “formação diferenciada, composta
pelas diferentes opções oferecidas aos alunos”.
Ou seja, são previstas
áreas de atuação do pedagogo não-docente (outras habilitações?), tendo
a docência como base comum da formação.
Verifica-se que a proposta de diretrizes curriculares para o curso
de pedagogia, tal como aparece no documento da Comissão de Especialistas,
reincide nos mesmos problemas já tão criticados: o “inchaço” do
currículo, pretensões ambiciosas quanto à diversidade de profissionais
a serem formados, aligeiramento da formação (dada a impossibilidade
real, no percurso curricular, de conciliar formação de profissionais docentes
e não-docentes), empobrecimento na oferta de disciplinas (já que,
para atender ao menos seis das áreas de atuação previstas, será necessário
reduzir o número de disciplinas, a fim de respeitar o total de 3.200h
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 249
do curso). Além do mais, fica evidente a impossibilidade de se dar ao
curso o caráter de aprofundamento da ciência da educação para formar
o pesquisador e o especialista em educação.
Por que discordamos das posições defendidas hoje pela Anfope
e da proposta de diretrizes curriculares da Comissão de Especialistas
Há temas de grande relevância na pauta de discussões da Anfope,
como a exigência de formação em nível superior dos professores da 1a à 4a
série, a valorização profissional do professor, a postulação da base comum
nacional, a gestão democrática na escola. Todavia, temos discordâncias
bastante explícitas em relação à tese principal defendida atualmente por
essa entidade – a docência como base da formação de todo educador.
Com efeito, o princípio que se tornou o lema e o apelo político da
Anfope é conhecido: a docência constitui a base da identidade profissional
de todo educador, todos os cursos de formação do educador deverão ter uma
base comum: são todos professores.
Conforme já afirmamos, esse princípio
levou à redução da formação do pedagogo à docência, à supressão em alguns
lugares da formação de especialistas (ou do pedagogo não diretamente
docente), ao esvaziamento da teoria pedagógica em virtude da descaracterização
do campo teórico-investigativo da pedagogia e das demais ciências
da educação, à retirada da universidade dos estudos sistemáticos do
campo científico da educação e, em conseqüência, da formação do pedagogo
para a pesquisa específica na área e para o exercício profissional.
Certamente não estamos sozinhos, ao menos em relação aos estudiosos
que não gravitam no âmbito de influência da Anfope, ao afirmar que
as modificações curriculares decorrentes das teses do movimento de
reformulação dos cursos de formação dos profissionais da educação acabaram
por comprometer características positivas do curso de pedagogia regido
pela Resolução CFE no
252/69.
A sobrecarga no currículo de disciplinas
ligadas à formação de professores das séries iniciais do antigo 1o
grau
levou à diminuição do peso das disciplinas teóricas (fundamentos da educação,
currículo, avaliação, teorias da educação) e, especificamente, das
disciplinas que identificavam mais o exercício profissional do pedagogo.
Muitos pedagogos se perguntam hoje: onde estão os especialistas de planejamento
da educação, de administração de sistemas, gestão escolar, formulação
de políticas públicas para a educação, avaliação educacional e
250 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68,
Dezembro/99
avaliação da aprendizagem, pesquisa pedagógica específica etc.? Os atuais
cursos estão formando profissionais competentes nessas áreas? É viável
formar num mesmo curso, com duração de quatro anos, o professor profissionalmente
competente de 1a
a 4a
série e, ao mesmo tempo, o pedagogo
stricto sensu, também profissionalmente competente naqueles campos profissionais
mencionados? Essas perguntas podem ser dirigidas tanto à
Anfope quanto à Comissão de Especialistas da pedagogia que, grosso
modo, encamparam as teses da Anfope.
Nosso entendimento é de que a tese da identificação do curso de
pedagogia com a formação de professores – ou seja, uma licenciatura – foi
gestada em razão de circunstâncias históricas peculiares da história da educação
deste país.11
Os legisladores, em todos esses anos desde 1939, tentaram
equacionar a formação do pedagogo stricto sensu e a formação de
professores num curso só, o curso de pedagogia, mas que, na verdade, teria
como suporte a formação de professores para as séries iniciais do sistema
de ensino. Após a legislação de 1962 e 1969, o conselheiro Valnir
Chagas, que deixou sua marca no pensamento sobre formação de professores
nesse período, formulou a indicação no
70/76 sobre a preparação em
nível de graduação dos especialistas em educação. Para justificar sua nova
proposta, Chagas afirma: “O caminho é sempre o mesmo, de restabelecer
em novo plano a linha tradicional, hoje tão nítida como há um século, e habilitar
o especialista no professor”.
O raciocínio inscrito no mencionado parecer
deixa entrever a identificação do termo pedagógico com o termo
metodológico, e da expressão formação pedagógica com formação docente.
Entendemos, assim, que a tese de que a formação de todo educador deve
ter por base a docência precisa ser entendida dentro de posicionamentos
localizados de intelectuais, em momentos históricos específicos da educação
brasileira. Com isso queremos dizer que tudo o que é histórico é
mutável e que conquistas históricas, por mais aguerridas que tenham sido,
não podem ser cristalizadas. A redução do trabalho pedagógico à docência
não pode, portanto, constituir-se em algo imutável. Nem mesmo chega a ser
uma questão de cunho epistemológico ou conceitual.
As novas realidades
estão exigindo um entendimento ampliado das práticas educativas e, por
conseqüência, da pedagogia. Além disso, no mundo inteiro existem cursos
específicos de pedagogia (em alguns lugares denominados “ciências da
educação”) distintos dos cursos de formação de professores.
O desd
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 251
pos, mormente o da educação. A contestação do regime se fazia necessária,
e contra ele mobilizaram-se muitos militantes políticos, profissionais, intelectuais,
organizações de esquerda. A grande luta nesses anos precisou
ser muito mais política do que técnica, a fim de desenvolver a consciência
política das pessoas, criar espaços democráticos, incentivar a prática de assembléias,
reuniões, movimentos e desenvolver formas participativas de
gestão.
Ora, os que ocupavam esses espaços eram sobretudo os sociólogos,
filósofos e militantes políticos. Também os pedagogos se engajaram na
resistência à ditadura militar. No entanto, muitos deles deixaram de lado seu
trabalho específico – ligado aos aspectos internos das práticas escolares e
dos processos de ensino e aprendizagem –, incorporando o discurso sociológico,
mas distanciando-se da problemática teórico-prática de sua área.
Não que os pedagogos não devessem ter um ideário político e se alinhar
aos demais intelectuais na luta política maior. O problema foi o fato de muitos
deles não terem compreendido que a própria ação pedagógica dentro
das escolas e das salas de aula era também uma prática política, sem prejuízo
da sua inserção nas lutas políticas mais amplas.
A nosso ver, a abordagem sociologizada da formação do educador,
assumida pelo movimento pela formação de educadores, gerou uma
visão “militante” do profissional da educação. De acordo com essa abordagem,
bastaria ao professor ter uma visão política, globalizante, das
relações entre educação e sociedade, compromisso político etc., que o
resto viria por acréscimo. É verdade que essa ênfase no compromisso
político correspondia às características daquele momento histórico, mas
é necessário reconhecer que esse empenho na construção de um projeto
nacional democrático precisava ter correspondência com práticas
pedagógico-didáticas, curriculares, no interior do processo de ensino e
aprendizagem, nas práticas de ensino.
Foi um grande equívoco dissolver
o específico da prática educativa nas salas de aula (a aprendizagem,
o crescimento cognitivo dos alunos etc.) na prática política. Faltou entender
que um trabalho bem feito com as crianças no interior das salas de
aula também é um ato político, e dos mais nobres. O discurso especificamente
pedagógico foi, assim, afastado das discussões, e em alguns
casos chegou a ser rechaçado, em decorrência do preconceito que sempre
se alimentou contra a pedagogia como campo de conhecimento e
contra os pedagogos de profissão.
Na prática, essa tendência resultou,
em vários lugares, na negação explícita do campo próprio de estudos da
pedagogia (e por decorrência, da didática). É em boa parte por isso que
a licenciatura para a formação de professores de 1a
a 4a
passou a ser
chamada inadequadamente de pedagogia.
252 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
Para além de razões históricas, pensamos que a identificação do
pedagogo com o docente incorre num equívoco lógico-conceitual. A pedagogia
é uma reflexão teórica baseada nas práticas educativas e sobre elas.
Investiga os objetivos sociopolíticos e os meios organizacionais e metodológicos
de viabilizar os processos formativos em contextos socioculturais
específicos.
Todo educador sabe, hoje, que as práticas educativas ocorrem
em muitos lugares, em muitas instâncias formais, não-formais, informais.
Elas acontecem nas famílias, nos locais de trabalho, na cidade e na rua,
nos meios de comunicação e, também, nas escolas. Não é possível mais
afirmar que o trabalho pedagógico se reduz ao trabalho docente nas
escolas. A ação pedagógica não se resume a ações docentes, de modo
que, se todo trabalho docente é trabalho pedagógico, nem todo trabalho
pedagógico é trabalho docente. Por exemplo, o MST faz um trabalho
pedagógico mas não necessariamente um trabalho docente, a não ser
quando reúne suas crianças nas salas de aula para a escolarização formal
ou os militantes para estudar o aprimoramento de práticas agrícolas, os
direitos trabalhistas de lavradores etc.).
O pedagógico e o docente são termos
inter-relacionados mas conceitualmente distintos. Portanto, reduzir a ação
pedagógica à docência é produzir um reducionismo conceitual, um
estreitamento do conceito de pedagogia. A não ser que os defensores da
identificação pedagogia-docência entendam o termo pedagogia como
metodologia, isto é, como procedimentos de ensino, prática do ensino, que
é o entendimento vulgarizado do termo. Mas pensar assim significa
desconhecer os conceitos mais elementares da teoria educacional. A
pedagogia é mais ampla que a docência, educação abrange outras
instâncias além da sala de aula, profissional da educação é uma expressão
mais ampla que profissional da docência, sem pretender com isso
diminuir a importância da docência.
E não existe suporte teórico, conceitual,
para justificar essa idéia de “docência ampliada”, argumento usado por
muitos colegas para justificar essa identificação reducionista de faculdade
de educação com formação de professores.
É claro que esse reducionismo, descaracterizando a pedagogia
como campo teórico-investigativo e identificando-a com uma licenciatura,
teve conseqüências na discussão sobre o papel das faculdades de
educação. Muitos não aceitam essa ligação, mas creio que nossa argumentação
ajuda a entender a questão. Uma vez dispensadas as habilitações
e reduzindo-se o papel das faculdades de educação a proporcionar
licenciatura para formar professores para as séries iniciais e para o curso
Normal, não se teria mais o curso de pedagogia (stricto sensu).
Ou seja,
já não teria sentido a existência das faculdades de educação, bastando
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 253
transformá-las em centros de formação de professores. Não estaria aí a
origem da criação dos Institutos Superiores de Educação?
A proposta de curso de pedagogia (diferenciado do curso de licenciatura
para formação de professores de 1a
a 4a
) atribui a denominação
“pedagogia” ao campo teórico-investigativo da educação (em
conexão com as demais ciências da educação) e ao campo técnico-profissional
de formação do profissional não diretamente docente, e de
“pedagogo” ao profissional formado nesse curso.
Dissolve-se, assim, a
designação “pedagogia” para identificar o curso de formação de professores
para as séries iniciais do Ensino Fundamental, postulando-se a
regulamentação do curso de pedagogia destinado a oferecer formação
teórica, científica e técnica para interessados em aprofundamento na
teoria pedagógica, na pesquisa pedagógica e no exercício de atividades
pedagógicas específicas – planejamento de políticas educacionais,
gestão do sistema de ensino e das escolas, formação de professores,
assistência pedagógico-didática a professores e alunos, avaliação educacional,
pedagogia empresarial, animação cultural, produção e comunicação
nas mídias, movimentos sociais e outros campos de atividade
educacional, inclusive as não-escolares.
A nosso ver, a ruptura da herança
da identificação de um currículo de estudos sistemáticos de pedagogia
com um currículo de licenciatura para formar professores para
as séries iniciais do Ensino Fundamental corrige o esvaziamento da teoria
pedagógica no Brasil, decorrente da histórica ambigüidade produzida
pelos legisladores, desde o final dos anos 30 até hoje, entre a formação
do pedagogo stricto sensu e a formação do professor das séries
iniciais do Ensino Fundamental.12
Desejamos destacar a importância da formação de profissionais
da educação para atuar em contextos não-escolares. É acentuada a consciência
atual da importância e da necessidade da intervenção participante
e eficaz desses profissionais no âmbito das práticas socioculturais, tendo
em vista que processos pedagógicos informais estão sempre implícitos
nas práticas, efetivadas no plano coletivo e comunitário.
Assim, tanto
nas iniciativas de programas de educação popular, dirigidos aos mais
heterogêneos segmentos da população não formalmente escolarizada,
quanto nas propostas de intervenção pedagógica nas atividades de cunho
cultural, desenvolvidas pelos novos e sofisticados meios de comunicação
de massa, passando pela necessária liderança nos diversos
movimentos sociais, a presença e a participação de profissionais da educação
se fazem relevantes e imprescindíveis. Até hoje pouco se cuidou
254 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
da preparação formal e sistematizada de agentes e lideranças culturais
que se especializassem no exercício de funções pedagógicas nesses
ambientes não-escolares, levando-se em conta sua importância como
mediadores da educabilidade, necessária e capilarmente presente mesmo
no processo informal de consolidação de uma cultura que seja articulada
com uma proposta de construção da cidadania.
Assim, reivindica-se,
com toda a legitimidade, a presença atuante de profissionais dotados
de capacitação pedagógica para atuarem nas mais diversas instituições
e ambientes da comunidade: nos movimentos sociais, nos meios
de comunicação de massa, nas empresas, nos hospitais, nos presídios,
nos projetos culturais e nos programas comunitários de melhoria da qualidade
de vida. Essa participação pedagógica também exige preparação
prévia, sistemática e qualificada (cf. Severino 1999).
Reiteramos, pois, o entendimento de que os profissionais da educação
formados pelo curso de pedagogia atuarão nos vários campos
sociais da educação, decorrentes de novas necessidades e demandas
sociais a serem reguladas profissionalmente.
Tais campos são: as escolas
e os sistemas escolares; os movimentos sociais; as diversas mídias,
incluindo o campo editorial; a área da saúde; as empresas; os sindicatos
e outros que se fizerem necessários. Em todos esses campos de
exercício profissional, desenvolverá funções de gestão e formulação de
políticas educacionais; organização e gestão de sistemas e de unidades
escolares; de projetos e experiências educacionais; de planejamento, coordenação,
execução e avaliação de programas e projetos educacionais,
relativos às diferentes faixas etárias (criança, jovens, adultos, terceira
idade); na produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico
do campo educacional e outras.
A favor de um curso específico de pedagogia
Conforme vimos considerando, as faculdades de educação
sediariam, de forma articulada, o curso de pedagogia e a formação inicial
e continuada de professores. O que é esse curso de pedagogia? Trata-se
de curso para a realização da investigação em estudos pedagógicos, tomando
a pedagogia como campo teórico e como campo de atuação profissional.
Como campo teórico, destina-se à formação de profissionais que
desejem aprimorar a reflexão e a pesquisa sobre a educação e o ensino da
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 255
pedagogia, propriamente dita.
Como campo de atuação profissional, destina-se
à preparação de pesquisadores, planejadores, especialistas em avaliação,
gestores do sistema e da escola, coordenadores pedagógicos ou de
ensino, comunicadores especializados para atividades escolares e extraescolares,
animadores culturais, de especialistas em educação a distância,
de educadores de adultos no campo da formação continuada etc.
A ampliação do campo educacional e, por conseqüência, da atuação
pedagógica é uma realidade constatada por muitos autores. Já argumentamos
anteriormente sobre a idéia de que a atividade pedagógica perpassa,
hoje, toda a sociedade, extrapolando o âmbito escolar formal,
abrangendo esferas mais amplas de educação informal e não-formal. Não
faz sentido, pois, o reducionismo da ação pedagógica à docência, ainda
que esta seja também uma genuína prática pedagógica.
O curso de pedagogia proposto tem correlatos em praticamente
todos os países do mundo, embora em alguns lugares, especialmente na
Europa, receba a designação de “ciências da educação”. Poder-se-ia
perguntar: por que não chamar esse curso de ciências da educação e
não de pedagogia? Libâneo aponta, em publicação recente (1998), quatro
posições a respeito desse assunto e sobre a denominação “ciências
da educação” escreve:
(..) tal denominação (...) é criticada por provocar dispersão no estudo
da problemática educativa, levando a uma postura pluridisciplinar
ao invés de interdisciplinar.
Ou seja, a autonomia dada a cada uma
das ciências da educação levaria a enfoques parciais da realidade
educativa, comprometendo a unidade temática e abrindo espaço para
os vários reducionismos (sociológico, psicológico, econômico...),
como aliás a experiência brasileira tem confirmado.
Em concordância com vários autores (entre outros, Sarramona e
Marques 1985, Vilsaberghi 1983, Estrela 1992), Libâneo assume que a
pedagogia se apóia nas ciências da educação, mas não perde com isso
sua autonomia epistemológica e não se reduz ao campo conceitual de
uma ou outra, nem ao conjunto dessas ciências.
A pluridimensionalidade do fenômeno educativo não elimina sua
unicidade, que permite “estabelecer um corpo cientifico que tem o
256 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
fenômeno educativo em seu conjunto como objeto de estudo, com
a finalidade expressa de dar coerência à multiplicidade de ações
parcializadas” (Sarramona e Marques 1985). Nessa concepção, a
pedagogia promove a síntese integradora dos diferentes processos
analíticos que correspondem a cada uma das ciências da
educação em seu objeto específico de estudo.
Também Pimenta (1996) discute detidamente a questão recorrendo
a vários autores, argumentando pela necessidade de a pedagogia
postular sua especificidade epistemológica, de modo a não se conformar
com uma mera posição de campo aplicado de outras ciências que também
estudam a educação.
Com base nisso, firma sua posição de que a
pedagogia tem sua significação epistemológica assumindo-se como ciência
da prática social da educação.
Diferentemente das demais ciências da educação, a pedagogia é
ciência da prática. (...) Ela não se constrói como discurso sobre
a educação, mas a partir da prática dos educadores tomada como
referência para a construção de saberes, no confronto com os
saberes teóricos. (...) O objeto/problema da pedagogia é a educação
enquanto prática social. Daí seu caráter específico que a diferencia
das demais (ciências da educação), que é o de uma ciência
prática – parte da prática e a ela se dirige.
A problemática educativa
e sua superação constituem o ponto central de referência para a
investigação.
Ainda desenvolvendo o assunto, Pimenta recorre a Jean Houssaye
que nega que a pedagogia possa ter sua origem nas ciências da educação,
“porque estas não podem fornecer a prática, indispensável à elaboração
pedagógica. (...) Freqüentando o curso de ciências da educação,
os futuros práticos poderão adquirir saberes sobre a educação e sobre
a pedagogia, mas não estarão aptos a falarem sobre saberes pedagógicos”
(Houssaye 1995).
Defendemos, pois, a criação do curso de pedagogia, um curso que
oferece formação teórica, científica e técnica para interessados no
aprofundamento da teoria e da pesquisa pedagógica e no exercício de
atividades pedagógicas específicas (planejamento de políticas educacionais,
gestão do sistema de ensino e das escolas, assistência pedagó-
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 257
gico-didática a professores e alunos, avaliação educacional, pedagogia
empresarial, animação cultural, produção e comunicação nas mídias
etc.).13
A existência desse curso tem como suporte algumas premissas:
– O fenômeno educativo sujeita-se à pluralidade de abordagens, à
medida que a educação é objeto de várias ciências que o abordam
de seu enfoque específico. O estudo da educação tem um
caráter de multirreferencialidade – abarca tanto modalidades
educativas escolares quanto extra-escolares, como os movimentos
sociais, a educação ambiental, educação comunitária, educação
de grupos sociais marginalizados e de minorias sociais. Não
é que se descarte o fato de que a educação escolar seja, ainda
hoje, a forma histórica predominante de prática educativa.
Mas,
mesmo em benefício de uma educação escolar mais aberta e mais
articulada com outras instâncias educativas fora de seu marco próprio,
a idéia é a de que o educativo não se restrinja ao escolar,
uma vez que abrange as relações mais amplas entre o indivíduo
e o meio humano, social, físico, ecológico, cultural, econômico.
– Se, por um lado, a compreensão ampliada da educação fortalece
as ciências da educação pelo fato de a pedagogia não ser a única
área científica que tem a educação como objeto de estudo, por
outro, não descaracteriza a especificidade da pedagogia como
uma das ciências da educação.
Com efeito, cada uma das chamadas
ciências da educação (sociologia da educação, psicologia da
educação, lingüística aplicada à educação, economia da educação
etc.) aborda o fenômeno educativo da perspectiva de seus
próprios conceitos e métodos de investigação, ao passo que a
pedagogia se distingue por estudar o fenômeno educativo em sua
totalidade, inclusive para integrar os enfoques parciais daquelas
ciências em função de uma aproximação global e intencionalmente
dirigida aos problemas educativos.
– Um currículo de pedagogia, além de contemplar como objeto de
investigação a pluralidade das práticas educativas, concentra sua
temática investigativa nos saberes pedagógicos, com a contribuição
das ciências da educação, na forma de inter-relação entre os
saberes científicos. Ou seja, assume-se o entendimento de pedagogia
como ciência da prática social da educação para daí se definirem
saberes pedagógicos (cf. Pimenta 1997).
A integração de
258 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
conhecimentos pela inter-relação entre saberes decorre não apenas
da pluralidade que caracteriza o fenômeno educativo, mas
também de uma tendência irrefreável das ciências no mundo contemporâneo
buscarem a integração entre os saberes, sem perder
de vista a especificidade disciplinar.
O currículo terá uma forte orientação para a pesquisa, seja como
prática acadêmica, seja como atitude. Ressaltem-se, aí, os vínculos entre
o ensino e a pesquisa, a pesquisa como forma básica de construção do
saber, em confronto, em questionamento, com os saberes já estabelecidos
e como instrumento para desenvolvimento das competências do pensar.
– Tal concepção de pedagogia deveria transpassar toda a formação
pedagógica nos cursos de formação de professores, da educação
infantil ao Ensino Médio.
Os cursos de formação de professores da educação básica:
A defesa de um local institucional específico para formar professores
A atividade docente vem se modificando em decorrência de
transformações nas concepções de escola e nas formas de construção
do saber, resultando na necessidade de se repensar a intervenção
pedagógico-didática na prática escolar.
Um dos aspectos cruciais
dessas transformações, os quais têm se evidenciado em avaliações
educacionais como o Saresp (1996, 1997 e 1998), é o investimento na
qualidade da formação dos docentes e no aperfeiçoamento das condições
de trabalho nas escolas, para que estas favoreçam a construção
coletiva de projetos pedagógicos capazes de alterar os quadros
de reprovação, retenção e da qualidade social e humana dos resultados
da escolarização.
Tem sido unânime a insatisfação de gestores, pesquisadores e
professores com as formas convencionais de se formar professores em
nosso país. Realizados em dois níveis de ensino – Médio e Superior –,
os atuais cursos não dão conta de preparar o professor com a qualidade
que se exige hoje desse profissional. No nível médio, realiza-se a formação
dos professores das quatro séries iniciais do Ensino Fundamental
e, em alguns casos, a formação dos professores para a educação infantil.
Às vezes esses profissionais são formados no nível superior (nos
atualmente chamados cursos de pedagogia). Os professores para as sé-
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 259
ries seguintes do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio são formados
no nível superior, recorrendo ao velho esquema dos cursos de bacharelado
e licenciatura. Conforme mencionamos anteriormente, essas modalidades
de formação já demonstraram historicamente seu esgotamento (em
nosso país e em vários outros).14 Dentro desse quadro, o aprimoramento
do processo de formação de professores requer muita ousadia e criatividade
para que se construam novos e mais promissores modelos educacionais
necessários à urgente e fundamental tarefa de melhoria da qualidade do
ensino no país.
A LDB no
9.394/96, em seu art. 62, estabelece como regra que a formação
dos docentes para a educação fundamental e para a educação
infantil far-se-á em nível superior. A elevação da formação docente em
nível superior, reivindicação antiga dos educadores em nosso país e já
consolidada em grande parte dos países desenvolvidos, fica assim contemplada.
No mesmo art. 62, no entanto, admite-se como formação mínima para as
séries iniciais e para a educação infantil, “a oferecida em nível médio, na
modalidade Normal”. Nesse caso, em nada superaria a situação historicamente
vivida em relação à habilitação específica do magistério.
Por outro lado, as
disposições transitórias da referida lei (Título IX, art. 87, parágrafo 4o
)
determinam que, até o final da Década da Educação (2007), “somente
serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por
treinamento em serviço”. Incorpora-se, dessa forma, avanço mundialmente
consolidado de formação docente em nível superior. A LDB institui, também,
a possibilidade de que a formação dos professores para todos os níveis de
escolaridade ocorra nos Institutos Superiores de Educação, não necessariamente
universitários. A partir de então, aceleram-se algumas alterações no
cenário da formação de professores, o que aponta para a urgência de um
posicionamento quanto à formação dos professores como profissionais da
educação.
As inovações curriculares – interdisciplinaridade, sala-ambiente,
ciclos de aprendizagem e outras – requerem dos professores novas exigências
de atuação profissional e, em conseqüência, novos saberes pedagógicos,
que nem sempre tiveram lugar em sua formação.
Que professor queremos formar?
Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo
do trabalho, o avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e
260 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
os meios de informação e comunicação incidem com bastante força na
escola, aumentando os desafios para torná-la uma conquista democrática
efetiva. Não é tarefa simples nem para poucos.
Transformar as escolas
em suas práticas e culturas tradicionais e burocráticas – as quais, por meio
da retenção e da evasão, acentuam a exclusão social – em escolas que
eduquem as crianças e os jovens, propiciando-lhes um desenvolvimento
cultural, científico e tecnológico que lhes assegure condições para fazerem
frente às exigências do mundo contemporâneo, exige esforço do coletivo
da escola – professores, funcionários, diretores e pais de alunos –,
dos sindicatos, dos governantes e de outros grupos sociais organizados.
Não se ignora que esse desafio precisa ser prioritariamente enfrentado
no campo das políticas públicas. Todavia, não é menos certo que
os professores são profissionais essenciais na construção dessa nova
escola. Entendendo que a democratização do ensino passa pela sua formação,
sua valorização profissional, suas condições de trabalho, pesquisas
e experiências inovadoras têm apontado para a importância do investimento
no desenvolvimento profissional dos professores.
O desenvolvimento
profissional envolve formação inicial e contínua articuladas a um
processo de valorização identitária e profissional dos professores. Identidade
que é epistemológica, ou seja, que reconhece a docência como
um campo de conhecimentos específicos configurados em quatro grandes
conjuntos, a saber: conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino,
ou seja, das ciências humanas e naturais, da cultura e das artes;
conteúdos didático-pedagógicos (diretamente relacionados ao campo da
prática profissional); conteúdos relacionados a saberes pedagógicos
mais amplos (do campo teórico da prática educacional) e conteúdos ligados
à explicitação do sentido da existência humana (individual, sensibilidade
pessoal e social).15
E identidade que é profissional. Ou seja, a
docência constituiu um campo específico de intervenção profissional na
prática social – não é qualquer um que pode ser professor.
Uma visão progressista de desenvolvimento profissional exclui
uma concepção de formação baseada na racionalidade técnica (em que
os professores são considerados mero executores de decisões alheias)
e assume a perspectiva de considerá-los em sua capacidade de decidir
e de rever suas práticas e as teorias que as informam, pelo confronto de
suas ações cotidianas com as produções teóricas, pela pesquisa da prática
e a produção de novos conhecimentos para a teoria e a prática de
ensinar.
Considera, assim, que as transformações das práticas docentes
só se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência so-
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 261
bre a própria prática, a da sala de aula e a da escola como um todo, o
que pressupõe conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade.16
Dessa forma, os professores contribuem para a criação, o desenvolvimento
e a transformação nos processos de gestão, nos currículos, na dinâmica
organizacional, nos projetos educacionais e em outras formas de
trabalho pedagógico.
Por esse raciocínio, reformas gestadas nas instituições,
sem tomar os professores como parceiros/autores, não transformam
a escola na direção da qualidade social. Em conseqüência, valorizar o
trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de análise
que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, culturais,
organizacionais nos quais se dá sua atividade docente.
Nas últimas décadas assistimos a uma ampliação das oportunidades
de acesso à escola, em que pesem as diferenças entre as regiões.
Poder-se-ia concluir que o país tem uma escola que realizou a inclusão
social de todos? Não nos parece, pois a essa ampliação quantitativa, em
grande parte resultante da reivindicação dos educadores e da população,
não correspondeu a melhoria das condições de trabalho, de jornada, de
organização e funcionamento, de formação e valorização do professor, fatores
essenciais para a qualidade do ensino. Sem isso, a escola
quantitativamente ampliada permanece excludente. Ao desenvolver um
ensino aligeirado, impossibilita a inserção social de crianças e jovens de
classes sociais mais pobres em igualdade de condições com aqueles dos
segmentos economicamente favorecidos, acentuando a exclusão social.
Uma escola que inclua, ou seja, que eduque todas as crianças e
jovens, com qualidade, superando os efeitos perversos das retenções e
evasões, propiciando-lhes um desenvolvimento cultural que lhes assegure
condições para fazerem frente às exigências do mundo contemporâneo,
precisa de condições para que, com base na análise e na valorização
das práticas existentes que já apontam para formas de inclusão,
se criem novas práticas: de aula, de gestão, de trabalho dos professores
e dos alunos, formas coletivas, currículos interdisciplinares, uma escola
rica de material e de experiências, como espaço de formação contínua,
e tantas outras.
Por sua vez, os professores contribuem com seus saberes
específicos, seus valores, suas competências, nessa complexa empreitada,
para o que se requer condições salariais e de trabalho, formação
inicial de qualidade e espaços de formação contínua.
Dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição
ao processo de humanização dos alunos historicamente situados,
espera-se dos processos de formação que desenvolvam conhecimentos
262 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
e habilidades, competências, atitudes e valores que possibilitem aos professores
ir construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades
e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano.
Espera-se, pois, que mobilizem os conhecimentos da teoria da educação
e do ensino, das áreas do conhecimento necessárias à compreensão
do ensino como realidade social, e que desenvolvam neles a capacidade
de investigar a própria atividade (a experiência) para, a partir dela,
constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres docentes, num processo
contínuo de construção de suas identidades como professores.17
Em síntese, dizemos que o professor é um profissional do humano
que: ajuda o desenvolvimento pessoal/intersubjetivo do aluno; um
facilitador do acesso do aluno ao conhecimento (informador informado);
um ser de cultura que domina de forma profunda sua área de especialidade
(científica e pedagógica/educacional) e seus aportes para compreender
o mundo; um analista crítico da sociedade, portanto, que nela intervém
com sua atividade profissional; um membro de uma comunidade
de profissionais, portanto, científica (que produz conhecimento sobre sua
área) e social.18
Esse profissional deve ser formado nas universidades, que é o lugar
da produção social do conhecimento, da circulação da produção cultural
em diferentes áreas do saber e do permanente exercício da crítica
histórico-social.
Centro de Formação, Pesquisa e Desenvolvimento
Profissional de Professores (CFPD): Uma proposta
Tendo argumentado sobre a especificidade da pedagogia e da formação
de pedagogos stricto sensu, não identificados com professores,
e explicitado a importância da formação destes, ampliada para o conceito
de desenvolvimento profissional, passamos a propor a nossa visão da
formação de professores. Um ponto de vista radical sobre essa questão
leva ao enfrentamento do desafio da definição dos locais institucionais
para a formação desses profissionais e de orientações explícitas sobre
a organização curricular, assegurando um suporte legal de marcos
institucionais e curriculares nacionais.
Dessa forma, acreditamos que
são necessárias decisões por parte das instâncias normativas do sistema
educacional que considerem o tratamento global da questão, reven-
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 263
do os locais institucionais de formação – de modo a superar os evidentes
(e consensuais) problemas e impasses que têm marcado a formação
de professores tanto nas faculdades de educação como nos institutos/
departamentos/cursos das universidades – e estabelecendo orientações
mais específicas para a organização curricular dos cursos, contemplando
a formação pedagógica e a específica no âmbito dos saberes disciplinares.
isso, sugerimos que a Faculdade (Centro) de Educação incorpore
em sua estrutura, ao lado do curso de pedagogia, o Centro de Formação,
Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores – CFPD
– que terá quatro objetivos:
a) formação e preparação profissional de professores para atuar na
educação básica: educação infantil, Ensino Fundamental (1a
a 8a
série) e Ensino Médio; ) desenvolver, em colaboração com outras instituições (Estado, sindicatos
etc.), a formação contínua e o desenvolvimento profissional
dos professores;
c) realizar pesquisas na área de formação e desenvolvimento profissional
de professores;
d) preparação profissional de professores que atuam no Ensino Superior.
Esses objetivos configuram um projeto pedagógico próprio para a
formação e o desenvolvimento profissional de professores.
Por que em um centro específico e nas faculdades de educação?
A inserção na estrutura das faculdades (centros) de educação do
CFPD pretende ser uma virada de rumo na formação de professores. É
preciso uma mudança radical nas formas institucionais e curriculares de
formação de professores, superando o atual esquema do bacharelado e
da licenciatura, que não responde mais às necessidades prementes de
qualificação profissional para um tempo novo.
Centrar a formação de professores
numa instituição modelar como têm sido as faculdades de educação
e atribuir-lhe a responsabilidade de concatenar, no âmbito das
universidades, as políticas e planos de formação de professores, em estreit
264 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
as especificas, pode ser garantia não apenas de melhoria da qualidade
de formação, mas da profissionalidade do professorado, de modo que se
configurem sua identidade e seu estatuto profissional.
As faculdades de educação têm sido, ao longo destas décadas, local
da produção do conhecimento sobre educação e ensino que, na maioria
das vezes, tem sido ignorado pelos institutos/departamentos/cursos
específicos.
No entanto, os problemas encontrados nas atuais faculdades
de educação e que exigem destas uma reformulação, referem-se, a nosso
ver, de um lado, à ambigüidade nelas presente quanto ao tratamento
das “ciências da educação” dissociadas das questões referentes à profissionalidade
docente e, de outro, à ambigüidade dos cursos de pedagogia
que, ao se restringirem à formação dos professores das séries iniciais do
Ensino Fundamental ou à formação técnico-burocrática dos “especialistas”,
conforme tratamos no item anterior, perderam sua especificidade de
produção do conhecimento na área educacional.
Há que se considerar,
ainda, a desigualdade de importância entre os saberes constitutivos da
docência na formação dos professores, privilegiando aqueles relacionados
às competências didático-pedagógicas do ensino (metodologias e
práticas de ensinar), considerados de modo fragmentado e dissociados
das áreas específicas e apenas disciplinares e os relacionados aos saberes
pedagógicos mais amplos. Estes, via de regra, desarticulados daqueles.
Por sua vez, os institutos/departamentos/cursos, via de regra, desenvolvem
os conteúdos específicos das áreas, ignorando a docência como
atividade profissional de seus egressos e, portanto, ignorando os conhecimentos
pedagógicos/educacionais necessários à mediação profissional
dos especialistas em atividades de ensinar.
Considerem-se, também, as enormes dificuldades que ambos, faculdades
de educação e institutos, encontram para valorizar e efetivar a
pesquisa sobre ensino e docência nas respectivas instituições, por tratarem
de área tradicionalmente menos prestigiada na comunidade científica
nacional e internacional. Já há um consenso em algumas universidades,
faculdades de educação, institutos, comunidades científicas e nas
áreas de ensino e entidades de educadores, de que a formação de professores
precisa se constituir em um projeto pedagógico próprio, articulado
entre diferentes instâncias de formação de professor.
O que favoreceria,
inclusive, a valorização dessa área na comunidade científica, em
termos de verbas para projetos, pesquisas, experiências inovadoras e
até articulação entre as instâncias de formação inicial e os locais sociais
de exercício da profissão docente.
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 265
Um centro específico de formação, pesquisa e desenvolvimento
profissional de professores possibilitaria a superação da hoje dicotômica
visão da docência.
O exercício profissional em um dado nível do ensino
configura uma dimensão de uma totalidade que é a docência. Em qualquer
nível (e local: escolar e não-escolar) em que ocorra, a docência configura
uma visão de conjunto, de totalidade (à semelhança do médico
que, em qualquer campo de ação que atue, é médico!) e um processo
contínuo. Os atuais cursos de formação não lidam com essa categoria. professores que atuam nas séries finais do Ensino Fundamental ignoram
a problemática e as questões essenciais da docência nos demais segmentos,
o que traz problemas insuperáveis nos resultados do ensino e
do processo formativo, pois seus profissionais operam a docência como
um conjunto de “gavetas fragmentadas e justapostas”, negando a característica
de complexidade do fenômeno ensino.
Em que o CFPD avança na discussão sobre a formação de professores
A institucionalização do CFPD possibilita a incorporação dos princípios
que os educadores construíram ao longo dos últimos anos (explicitados
nas pesquisas, nas experiências, na vivência profissional, nos movimento
de educadores pela formação profissional e em diversos fóruns de debates):
• introduz o conceito de desenvolvimento profissional, superando
uma visão dicotômica da formação inicial e da formação contínua;
• toma a pesquisa como componente essencial da/na formação. Incorpora
as recentes contribuições da formação do professor/pesquisador
baseadas na epistemologia da prática, propondo percursos
de formação teórico/práticos, nos quais a pesquisa é tanto formação
do docente como este também se forma como pesquisador19
(ver o item IV.c. experiência e prática profissionais: uma formação
integrada, Documento Norteador);
• a formação é especialmente voltada para a profissionalidade docente
e para a construção da identidade do professor.
Experiências
bem-sucedidas (especialmente as realizadas em alguns cursos de
pedagogia) mostram que os cursos que se voltaram para tematizar
a formação e o exercício da docência como objeto de formação e
pesquisa podem se constituir em espaços mais férteis na produ-
266 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
ção de conhecimento e mais compromissados com a prática social
da docência;
• investe em sólida formação teórica nos quatro campos que constituem
os saberes da docência;
• considera a prática social concreta da educação como objeto de
reflexão/formação;
• considera a visão de totalidade do processo escolar/educacional;
• constitui um projeto pedagógico coletivo e interdisciplinar para a
formação, desenvolvendo em igualdade de importância os quatro
campos dos saberes da docência (conteúdos formativos, conforme
o Documento Norteador);
• eleva a formação de todos os professores ao Ensino Superior;
• valoriza a atividade intelectual, crítica e reflexiva da docência
como elemento de melhoria da qualidade da formação profissional
dos professores;
• apresenta currículo e percursos de formação abertos, permitindo
um vai-e-vem entre as várias instituições da universidade que desenvolvem
conteúdos formativos para a docência.
• O CFPD assegurará ainda:
• um sólido curso de graduação em que estará presente a unidade
ensino/pesquisa/extensão, elevando o estatuto da formação de
professores e assegurando a valorização profissional, situando
todos os professores no mesmo nível de formação e salários;
• a ampliação da responsabilidade das faculdades de educação e
o reconhecimento da importância do seu papel na formação de
professores, assim como a redefinição das responsabilidades dos
institutos/faculdades/departamentos das áreas do conhecimento,
na formação dos professores dentro de um projeto mais explícito
de formação profissional do professorado;
• a eleição da prática como elemento integrante de todo o percurso
de formação, constituindo um princípio epistemológico da formação (e não um apêndice);
• a incorporação de contribuições de experiências bem-sucedidas
de formação em nosso país.
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 267
A formação de professores para qualquer um dos níveis de ensino
no CFPD estará assentada na compreensão de que a escolaridade
constitui um processo contínuo e uma totalidade, superando a atual fragmentação.
Além disso, possibilitará que os graduados complementem e
ampliem sua formação para atuar em diferentes níveis de ensino.
Com base em diagnósticos de necessidades e demandas, o CFPD
oferecerá programas para atendimento específico, por exemplo, na
formação inicial para professores leigos, para a população indígena;
desenvolvimento profissional de professores que já atuam nos sistemas
escolares e outros. Tais programas poderão ser objeto de convênios com
Secretarias de Educação, sindicatos etc. Por seu potencial formativo,
integrarão o projeto pedagógico de formação inicial do CFPD.
Formação teórico-prática articulada na formação inicial e contínua
As investigações recentes sobre formação de professores apontam
como questão essencial o fato de que os professores desempenham
uma atividade teórico-prática. É difícil pensar na possibilidade de educar
fora de uma situação concreta e de uma realidade definida. A profissão
de professor precisa combinar sistematicamente elementos teóricos com
situações práticas reais. Por essa razão, ao se pensar um currículo de
formação, a ênfase na prática como atividade formadora aparece, à primeira
vista, como exercício formativo para o futuro professor. Entretanto,
em termos mais amplos, é um dos aspectos centrais na formação do professor,
em razão do que traz conseqüências decisivas para a formação
profissional.
Atualmente, em boa parte dos cursos de licenciatura, a aproximação
do futuro professor à realidade escolar acontece após ele ter passado
pela formação “teórica”, tanto na disciplina especifica como nas
disciplinas pedagógicas. O caminho deve ser outro. Desde o ingresso dos
alunos no curso, é preciso integrar os conteúdos das disciplinas em situações
da prática que coloquem problemas aos futuros professores e
lhes possibilitem experimentar soluções. Isso significa ter a prática, ao
longo do curso, como referente direto para contrastar seus estudos e formar
seus próprios conhecimentos e convicções a respeito. Ou seja, os
alunos precisam conhecer o mais cedo possível os sujeitos e as situações
com que irão trabalhar. Significa tomar a prática profissional como
268 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
instância permanente e sistemática na aprendizagem do futuro professor
e como referência para a organização curricular.
Significa, também, a articulação entre formação inicial e formação
continuada. Por um lado, a formação inicial estaria estreitamente vinculada
aos contextos de trabalho, possibilitando pensar as disciplinas com
base no que pede a prática; cai por terra aquela idéia de que o estágio
é aplicação da teoria. Por outro, a formação continuada, a par de ser feita
na escola a partir dos saberes e experiências dos professores adquiridos
na situação de trabalho, articula-se com a formação inicial, indo os
professores à universidade para uma reflexão mais apurada sobre a prática.
Em ambos os casos, estamos diante de modalidades de formação
em que há interação entre as práticas formativas e os contextos de trabalho.
Com isso, institui-se uma concepção de formação centrada na
idéia de escola como unidade básica da mudança educativa, em que as
escolas são consideradas “espaços institucionais para a inovação e a
melhoria e, simultaneamente, como contextos privilegiados para a formação
contínua de professores” (Escudero e Botia 1994).
jSobre formar professores no curso de pedagogia
A tendência predominante hoje no Brasil e expressa na LDB, de
formação de professores para a educação infantil e as séries iniciais do
Ensino Fundamental em nível superior, representa uma conquista dos
educadores brasileiros, amplamente tematizada nas Conferências Brasileiras
de Educação (CBEs), a partir de 1981.
Desde então a formação desses professores no Ensino Superior
tem sido experimentada em cursos de pedagogia. Alguns desses cursos
implantaram propostas inovadoras de formação com importantes resultados
sociais e profissionais, principalmente quando sua clientela é composta
de professores que já atuam nos sistemas de ensino. Tem sido freqüente
nesses cursos tomar a prática docente como objeto de formação
teórico-prática, contribuindo para ampliar o conhecimento no campo da
formação de professores. Outros cursos mantiveram a formação dos professores
de 1a
a 4a
série apenas como uma habilitação ao lado de outras.
Estes, à guisa de pretenderem formar especialistas e professores,
acabam por não dar conta de uma formação de qualidade em nenhum
caso, conforme procuramos demonstrar. Outros, ainda, muito poucos, for-
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 269
mam pedagogos para a educação escolar (em geral, coordenadores pedagógicos)
e, aqui e ali, preparam os pedagogos para atuar em outros
espaços sociais da educação, como os movimentos sociais, a educação
de jovens e adultos, os meios de comunicação etc. Esses profissionais,
em grau maior ou menor, desenvolvem a pesquisa em áreas diversas da
prática educativa.
Dados de pesquisa têm mostrado que, no primeiro caso, os cursos
de pedagogia se transformaram em ótimos cursos de formação de professores.
Entendemos que essas experiências bem-sucedidas não apenas
devem continuar, como devem ser apoiadas financeira e institucionalmente,
pelos setores públicos e governamentais, pelas agências de fomento e de
financiamento de pesquisas para que sistematizem o conhecimento produzido
com base na experiência praticada e desenvolvam mais pesquisas sobre
formação de professores, fortalecendo assim teórica, científica e politicamente
a área. Há razões suficientes para afirmar que esses cursos, do
ponto de vista curricular e metodológico, mobilizam os saberes pedagógicos
e os saberes das áreas específicas para, na confluência com a experiência
dos professores-alunos, contribuírem à formação teórico-prática dos
mesmos. São, pois, excelentes cursos de formação de professores, embora,
a nosso ver, não sejam cursos de formação de pedagogos stricto sensu.
Por outro lado, do mesmo modo que rejeitamos a redução do curso
de pedagogia à formação de professores para a educação infantil e as
séries iniciais do Ensino Fundamental, não nos pareceu oportuna a designação
de Escola Normal Superior dada a esses cursos na legislação mais
recente do Conselho Nacional de Educação. A argumentação que desenvolvemos
até aqui acentua nossa posição contrária à extinção do curso de
pedagogia, como também contrária à autonomização de uma Escola Normal
Superior. A nosso ver, a institucionalização da Escola Normal Superior
significa a reedição da antiga Escola Normal cuja concepção está ultrapassada.
A legislação recente do CNE não só não acrescenta nada de
novo, como também não incorpora inovações e funções já bastante difundidas
na produção de conhecimento na área, como a interligação entre
formação inicial e continuada, o desenvolvimento profissional dos professores,
a pesquisa-ação, a unidade do processo formativo dos professores
de todos os níveis e modalidades de ensino. Desse modo, é lastimável que
o CNE esteja legislando aos pedaços, levando à fragmentação da legislação
e dos próprios cursos, desconsiderando a idéia de um sistema integrado
e articulado de formação dos profissionais da educação e a rica
investigação teórica produzida na universidade e nas escolas.
270 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
Concluindo
Entendendo que a análise crítica da realidade existente é imprescindível
para sua transformação, pretendemos, com o presente artigo,
colaborar para essa análise, oferecendo perspectivas e alternativas até
então pouco exploradas na literatura sobre os cursos de pedagogia e de
formação de professores. Em decorrência, entendemos que “modelos
únicos” não apenas não respondem à diversidade e à desigualdade de
nosso país, como representam autoritarismos que ferem a capacidade e
a competência dos educadores brasileiros de apresentarem propostas
efetivamente compromissadas com a qualidade social da educação para
nosso país. Assim, este artigo traz contribuições para o alargamento da
consciência dos educadores, de modo que em suas práticas institucionais
concretamente situadas gestem propostas que confiram à pedagogia e à
formação de professores o estatuto de importância científica, social e
cultural, num país em que é comum serem jogadas fora conquistas duramente
conseguidas na construção da democracia escolar e educacional.
Notas
1. As idéias aqui expostas são desdobramentos da declaração de voto em separado
firmada pelos autores e anexada ao Documento Norteador para a Elaboração
das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores,
elaborado pelo Grupo de Trabalho designado pela SESu/MEC, através da
Portaria nº 808, de 8/6/1999, e encaminhado em 16/9/1999. O GT foi constituído
pelos professores-doutores: Antônio Joaquim Severino (coordenador), Helena
Costa Lopes de Freitas, José Carlos Libâneo, Luís Carlos de Menezes e Selma
Garrido Pimenta. Na declaração de voto é destacada a necessidade e a
relevância de se enfrentar uma das questões cruciais da educação nacional,
que é a organização de um sistema nacional de formação dos profissionais da
educação, conforme o Título VI da LDB nº 9.394/96, incluindo, portanto, a formação
de professores, de pedagogos especialistas e de profissionais para outras
tarefas sociais da educação, uma vez que o Documento Norteador refere-se
tão-somente à formação de professores.
2. O reforço da expressão stricto sensu seria desnecessário já que pedagogia
é, antes de tudo, um campo de conhecimentos cujo objeto é o fenômeno
educativo e o curso que lhe corresponde refere-se, obviamente, a uma seqüência
de estudos relacionada com esse objeto. Entretanto, está sendo uti-
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 271
lizada aqui para se distinguir do curso de formação de professores para as
séries iniciais, uma identificação longe de ter um suporte teórico-conceitual
para avalizá-la.
3. Em publicação recente, Silva (1999) descreve e analisa o percurso do curso
de pedagogia no Brasil, com base nas regulamentações e propostas de
estrutura curricular, visando, justamente, estudar sua busca de identidade. Em
publicação anterior, Brzezinski (1998) faz uma radiografia da formação de
professores. Cf., também, Libâneo 1999 (2º edição). Em relação especificamente
às licenciaturas, há vários trabalhos relevantes, entre outros, Castro
(1974), Candau (1987), Bernardo (1989), Silva (1991), Freitas (1992), Lüdke
(1994), Gatti (1998).
4. Silva (op. cit.) relata em seu livro conclusões do Congresso Estadual de
Estudantes de Pedagogia, realizado em São Paulo em 1967, em que estes
reivindicavam a exclusividade de exercício profissional para o licenciado em
pedagogia em cargos e funções como orientador educacional, diretor de
escola média, inspetor de Ensino Médio, técnico em educação, professor de
recursos audiovisuais em educação, técnico de recursos audiovisuais em
educação, pesquisador educacional, assistente técnico-pedagógico. Os
estudantes recomendavam, também, a criação, em caráter efetivo, de cargos
e funções para suprir, com os licenciados em pedagogia, necessidades
educacionais da realidade brasileira, tais como: planejamento educacional, TV
educativa, educação de adultos, formulação de uma filosofia da educação,
reformulação de política educacional, educação de excepcionais, desenvolvimento
de recursos humanos, atividades comunitárias, avaliação de desempenho
em escolas e empresas, administração de pessoal, educação sanitária.
Chegaram, inclusive, a recomendar a participação do pedagogo na formação,
adaptação e aperfeiçoamento do funcionalismo público paulista.
5. As habilitações não se reduziam a essas oito, podendo ser criadas outras por
iniciativa do CFE e dos próprios estabelecimentos. É interessante notar que
as habilitações reclamadas pelos estudantes em 1967 (Cf. nota 5) foram incorporadas
pelo relator no Parecer.
6. Cabe lembrar que algumas dessas habilitações já existiam no nível pós-médio,
nos então Institutos de Educação, criados nos anos 30.
7. Diferentes posicionamentos de pesquisadores em relação a essas críticas e
inclusive ao papel dos pedagogos já se faziam sentir ao longo dos anos 70 e
80. À época em que discutia a identidade do curso de pedagogia e do profissional
pedagogo, foram produzidas no programa de pós-graduação da PUCSP
três teses sobre os especialistas de educação. Tais teses, posteriormente
transformadas em livro (Silva Jr. 1985, Pimenta 1988, Paro 1988), deram (e
ainda dão) suporte à atuação profissional dos pedagogos, ao recolocarem a
prática da coordenação, da administração e da supervisão pedagógicas diante
das novas demandas sociais, com base na crítica à tradição desses
campos. Esses autores não endossaram a licenciatura na pedagogia, critica-
272 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
ram a fragmentação das habilitações, mas propuseram a redefinição do curso
de pedagogia e do pedagogo na escola e no sistema de ensino.
8. Algumas dessas questões são analisadas por Silva (op. cit.). Segundo ela, a
variedade de especializações do curso de pedagogia decorrente de pretensões
demasiadamente ambiciosas dos legisladores, resultou num “inchaço”
do currículo, levando a duas ordens de dificuldades: primeira, a de atender
simultaneamente às necessidades de formação de docentes e não-docentes;
segunda, a de dar as condições de oferta de numerosas disciplinas para as
várias habilitações e as múltiplas práticas de ensino. A situação se agrava,
segundo a autora, à medida que, além da formação do professor para o ensino
normal e dos especialistas, o Parecer assegura ainda o direito ao magistério
nas séries iniciais do 1º grau. “Adicionar às demais incumbências do
curso de pedagogia a formação, também, desses profissionais, é superestimar
as possibilidades do curso e/ou desconhecer as necessidades de formação
desses docentes.” Conclui a autora que um “inchaço” de tais proporções
leva inevitavelmente à desqualificação de qualquer curso.
9. É necessário registrar que a trajetória do movimento pela reformulação dos
cursos de formação do educador não manteve sempre a posição de minimizar
o caráter teórico da pedagogia. Nos anos 1983-89, a pedagogia foi assumida
como uma licenciatura destinada à formação de docentes para as disciplinas
pedagógicas do 2º grau e à formação de especialistas “de forma integrada”,
possibilitando uma ação conjunta desses profissionais na escola. Admitia-se,
também, a criação de áreas de concentração em docência para as
séries iniciais do 1º grau, educação pré-escolar, educação de adultos, educação
comunitária etc. Mas, especialmente, afirmava-se em 1986: “O curso
de pedagogia tem uma destinação prática: formar profissionais da educação.
(...) O curso de pedagogia tem também uma função teórica, não menos importante,
de transmissão, crítica e construção de conhecimento sobre a ciência
da educação”. Mais tarde é que vai se firmando a idéia de identificar o curso
de pedagogia com a formação de professores, reiterando a famosa tese
de Valnir Chagas na sua Indicação nº 70/76, de “habilitar o especialista no
professor”. Mostraremos, mais adiante, como esse entendimento acabou por
tornar-se bastante limitado e empobrecedor da formação.
10. No Parecer 252/69, uma frase do relator revela uma das ambigüidades da
concepção de curso de pedagogia que, segundo ele, “outra coisa não é senão
o desenvolvimento em anos do que se estuda em meses para a licença
comum do magistério”. Da lógica desse raciocínio, depreende-se que o curso
de pedagogia deveria ser mais do que uma licenciatura, ou seja, seria um
curso de estudos sistemáticos da educação para formar seja professores do
curso normal seja especialistas de educação. Não preponderantemente para
formar o professor das séries iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, uma
licenciatura.
11. Libâneo, no livro Pedagogia e pedagogos, para quê? (1998, pp. 38-43, 91-95,
97-127), tenta refazer detalhadamente esse percurso da história do curso de
Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 273
pedagogia e de sua descaracterização como área específica de conhecimento
e como campo de exercício profissional.
12. Ao explicitar a identidade profissional do pedagogo, escreve Carvalho (1996),
ex-diretora da Faculdade de Educação da USP: “O ensino e a pesquisa (...)
são os objetivos fundamentais de nossa faculdade. (...) Nós temos que ser
realmente técnicos em Educação e técnicos na pesquisa em Educação. Técnico
em um sentido amplo, sem a conotação pejorativa que este termo adquiriu
nos anos 80. Técnico (...) no sentido de conhecimento específico de
ponta. (...) O curso, na minha opinião, deveria proporcionar aos seus alunos
esta dupla visão, esta dupla formação. A escolha em ser um pesquisador ou
um profissional da educação deveria ser do aluno no final do curso. Durante
os 4 anos ele deveria ser preparado para as duas funções”.
13. Há quem argumente que o curso de pedagogia para formar especialistas e
cientistas da educação separa a teoria da prática, a teoria educacional da
docência, o trabalho pedagógico do conteúdo. Do nosso lado, argumentamos
que a pedagogia, como área específica de conhecimento, tem seus próprios
conteúdos, formas e métodos. Os conteúdos da pedagogia (ou do trabalho
pedagógico) não são os conteúdos das matérias. Quem entende assim está
fazendo uma identificação descabida entre pedagogia e metodologia, trabalho
pedagógico e trabalho metodológico, como se fossem sinônimos. Ora, é
evidente que a pedagogia, como campo científico, tem seu conteúdo próprio,
suas formas conexas ao conteúdo e aos métodos, por mais que tais conteúdo
e métodos tenham origem em boa parte das demais ciências da educação.
Mas isso não constitui nenhum problema epistemológico, pois não se trata de
uma exclusividade da pedagogia. Dificilmente uma ciência prescindirá do campo
conceitual e de práticas metodológicas de outras. Sobre a relação teoria
e prática, nossa proposta tem como suporte a unidade teoria e prática, ou
seja, todas as disciplinas estarão referidas à prática e vice-versa, além de
se prever o estágio específico onde couber. Gostaríamos, além disso, de levantar
a suspeita de que em muitos casos a experiência de sala de aula não
precisa ser salvo-conduto para o exercício profissional do pedagogo. Os objetos
de estudo da pedagogia escolar, por exemplo, são a escola e o ensino.
É óbvio que não se pode dispensar o futuro pedagogo do estágio na escola
e na sala de aula, para aproximar-se da realidade. Nem por isso ele precisa
ser obrigatoriamente professor, nem desempenhar estágio de ensino como
professor. É claro que o objeto final a ser conhecido pelo pedagogo escolar
é o ensino, mas isso não exclui o entendimento de que um diretor de escola,
um coordenador pedagógico possuem também seu objeto imediato, no caso,
a administração e a gestão da escola e a coordenação e a assistência pedagógico-didática.
14. França, Espanha, Portugal, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, dentre outros,
têm considerado os professores como atores centrais na formulação e
no desenvolvimento de inovações que objetivam um ensino de qualidade social,
no qual a disseminação do conhecimento e de elementos substanciais
274 Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99
da cultura é fundamental. Constata-se também o tratamento indissociado, nessas
políticas, da questão da formação e do desenvolvimento profissional dos
docentes, envolvendo o Estado, as universidades, as escolas e os sindicatos/associações
científicas, bem como políticas de valorização efetiva das
condições de formação, de trabalho e valorização profissional dos professores,
envolvendo carreira e salários.
15. Conforme explicitados no Documento Norteador para a Elaboração das Diretrizes
Curriculares para os Cursos de Formação de Professores, 1999, item
III (Conteúdos formativos a serem desenvolvidos).
16. Ver item IV (Do processo formativo) do Documento Norteador para a Elaboração
das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores,
1999.
17 Ver à propósito Pimenta 1997 e 1999.
18 A partir de colaborações de Isabel Alarcão, na 22ª Reunião Anual da Anped.
1999.
19. Ver Garrido, Fusari, Moura e Pimenta 1998, pp. 48-49.
Educational professional
upbringingi: Critical view and changing perspectives
ABSTRACT: The article presents brief critical analysis of the historical
of the formation of the education professionals in Brazil, clearing the
ambiguities of the course of pedagogy from its creation to the present
time, the trajectory of the courses of teachers’ formation and the
impact of the debates promoted in the institutions, entities, movements,
around the subject. In the sequence, the text analyzes the nature and
the identity of the pedagogy as an area of knowledge of the
educational field and the subjects related to the professional exercise
of pedagogues and teachers. It finally indicates suggestions of
institutional organization and some possible trajectories of those
professionals’ formation that point for a change of the current picture.
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