segunda-feira, 10 de setembro de 2018

A comunicação na existência da humanidade e de suas sociedades

 A comunicação na existência da humanidade e de suas sociedades 

Communication in the existence of humanity and its societies

M A N U E L M A R T Í N S E R R A N O *





Resumo

 Em Teoría de la comunicación: la comunicación, la vida y la sociedad, é esboçada uma teoria específica para todas as interações comunicativas, um avanço que possibilitou a pesquisa sobre as origens evolutivas da comunicação e as transformações da comunicação animal em humana. Neste artigo são ampliados os estudos sobre a «comunicação que humaniza», que desde as origens das sociedades humanas proporcionou visões da comunidade e do mundo que orientam o esforço coletivo para reproduzir as organizações sociais e suas identidades. Apresenta, ainda, como os grupos humanos utilizaram a comunicação coletiva para trabalhar com os vínculos entre Natureza e Sociedade. 

Palavras-chave: teoria da comunicação, antropogênese, natureza e sociedade, produção social da comunicação, representações sociais.


Abstract 

In “Teoría de la comunicación: la comunicación, la vida y la sociedad”, the author outlines a specific theory to all communicative interactions. This progress has enabled the researches on the evolutionary origins of communication and the changes of animal communication into human communication. In this paper, we expand his studies on the communication that humanizes, which has provided, throughout history, views of community and the world around them. The paper also presents how human groups have used the collective communication to work with the links between Nature and Society. 

Keywords: communication theory, anthropogenesis, nature and society, social production of communication, social representations.


 Apresentação 

 O trabalho teórico que Manuel Martín Serrano desenvolve desde a década de 1970 conta, desde 2007, com um título fundamental: Teoría de la comunicación: la comunicación, la vida y la sociedad. Os programas de mestrado e doutorado em Comunicação Social da Universidade Complutense de Madri, na Espanha, realizam um seminário de excelência para professores. No ano acadêmico de 2008-2009, o evento foi dedicado à obra de Martín Serrano, com foco na terceira parte, que versa sobre as origens da comunicação humana. 

Reproduziremos aqui uma das apresentações do seminário, na qual o próprio autor explica como a comunicação está envolvida na antropogênese, ou seja, no surgimento das espécies humanas e nas transformações biológicas e sociais que ocorreram até o momento. Corresponde à segunda parte do seminário, intitulada A comunicação na existência da humanidade e de suas sociedades, e será publicada pela primeira vez nesta revista. 

Este artigo tem como objetivo continuar desenvolvendo as pesquisas sobre a comunicação humana apresentadas no livro Teoría de la Comunicación: la comunicación, la vida y la sociedad (Martín Serrano, 2007). Em trabalho anterior, mostrei que a comunicação participou de forma determinante na antropogênese. E está relacionada tanto às mudanças que hominizam como às que humanizam. Recordarei brevemente essas análises e farei algumas novas observações.

 1º) A comunicação interveio na hominização. Ou seja, no processo evolutivo no qual se transformam os organismos e os padrões dos primatas ancestrais nos organismos e padrões humanos. Na hominização, se tem em vista de que maneira o organismo e os comportamentos do homem moderno adquirem o «carimbo» de sua comunicação comunicante. Por exemplo: o organismo do homem moderno tem aparelhos sensoriais e expressivos que são o resultado da seleção entre hominídeos dotados de diferentes capacidades comunicativas. Nele, desde o nascimento se manifestam padrões que possibilitam um envolvimento das interações comunicativas no desenvolvimento cognitivo e social das crianças. Esse equipamento inato também é uma herança acumulada a partir da hominização. 

2º) A comunicação também intervém na humanização, que é a criação de sociedades reguladas por normas, crenças e valores. Na «humanização», se tem em vista de que maneira a comunicação está envolvida na vigência das normas e na prática dos comportamentos, dos quais dependem a existência e a perpetuação dos grupos humanos. O estabelecimento da humanização se manifesta na produção de ferramentas, de culturas e de organizações sociais diversas e complexas. Em trabalhos anteriores, já expus como a comunicação participou da hominização (Ibid.). Neste artigo, vou me referir ao papel que a comunicação desempenha na humanização. 

COMO A COMUNICAÇÃO PARTICIPA NA HUMANIZAÇÃO 

A comunicação participa produzindo e reproduzindo as representações compartilhadas das quais dependem a organização e o funcionamento dos grupos humanos. Permitam-me começar esta análise revisando os rituais comunicativos de desagravo às forças naturais, tão conhecidos na antropologia. São atuações comunicativas nas quais estão implícitas concepções ancestrais das relações das comunidades humanas com o mundo natural. Tais visões certamente são as representações coletivas primitivas. Considero que essas representações sociais acentrais foram a referência das primeiras manifestações comunicativas que humanizam. Em outras palavras: «a humanização começa quando o grupo social pode comunicar sobre seus vínculos com a Natureza». Essa nova capacidade referencial marca a transformação da comunicação animal em comunicação humana. 

Tais indicações comunicativas, compartilhadas por todos os membros do grupo, promovem e dão fôlego ao empenho humanizador: – Primeiro, no início da humanização, se expressaram por meio de atuações indicativas gestuais. A comunicação gestual permitiu os primeiros rituais expressivos, porque ainda não existiam as linguagens faladas e articuladas. – Muitíssimo mais tarde, as referências aos vínculos do grupo social com a Natureza são comunicadas nas narrações orais sobre a origem da comunidade e sobre o seu destino (que são os relatos míticos). Rituais e mitos alimentam, desde então, representações sobre a utilidade, sobre a necessidade, sobre o valor, sobre a identidade dos grupos de pertencimento. 

Em resumo: «a comunicação que humaniza é aquela que proporciona, ao longo da história, visões da comunidade e do mundo circundante que orientam o esforço coletivo para não recair no estado de Natureza».

 A tensão que desde seu nascimento caracteriza a comunicação humana 

A comunicação alimenta as representações compartilhadas que tornam a comunidade coesa, para que não regresse ao estado de Natureza. Mas, ao mesmo tempo, o homem utiliza a comunicação para «reproduzir o estado de Natureza». Porque o solo, as plantas e os animais entregam seus recursos aos humanos, que os colhem e os cultivam, que caçam e criam, enquanto a A comunicação na existência da humanidade e de suas sociedades informação que manejam sobre o meio em que vivem lhes permita restaurar os processos naturais quando trabalham e exploram os ecossistemas. Esse empenho restaurador está nos rituais comunicativos de desagravo à terra, às plantas e aos animais, que já mencionei; e que têm durado até agora, muito depois do desaparecimento das primeiras culturas coletoras e caçadoras. O empenho restaurador também é evidente nas técnicas que os humanos têm, desde cedo, aplicado ao meio ambiente para evitar a degradação ou a extinção dos recursos naturais. 

Entende-se que «impedir o regresso ao estado de Natureza» das sociedades e, ao mesmo tempo, «reproduzir o estado natural da Natureza» são duas pretensões nem sempre compatíveis. Essa tensão é uma característica que vai distinguir a comunicação humana, desde seu surgimento. 

Desde suas origens, a comunicação coletiva se debate entre os empenhos de gerar informação para naturalizar a Sociedade ou para socializar a Natureza. É um debate radical – talvez o debate mais radical – sobre o papel que a comunicação deve desempenhar nas representações sociais. Porque as diversas representações sobre a intervenção humana na Natureza se refletem nas diferentes concepções do mundo e das comunidades que apareceram desde que existe a humanidade. Finalmente, essas representações justificam, em cada lugar e em cada época, os valores e os projetos com os quais as sociedades funcionam. 

Nas comunicações coletivas se encontram todas as variantes imagináveis desse debate. De qualquer maneira, as representações produzidas desde a comunicação têm duas coisas em comum. A primeira: que são especulações sobre as origens dos seres humanos e das sociedades humanas. E a segunda: que elas supõem que nós, humanos, somos criaturas provindas de duas origens – do meio natural e do meio social.

Todos conhecem esse modelo, a partir de J.J. Rousseau e sua teoria do Bom Selvagem e do Contrato Social (Rousseau, 1762 e 1755). Lembrem-se de que a obra de Rousseau é a referência, consciente ou inconscientemente, das ciências psicológicas quando tratam do conflito entre os desejos e as normas; e das ciências sociais quando contrapõem necessidades individuais e coletivas.

 Mas essa dualidade, «meio natural/meio social», remonta a uma origem muito mais antiga. Segundo se acredita, ela advém de cosmogonias da Índia. Posteriormente, se encontra em cosmogonias pré-helênicas.  

Nesta ocasião, no entanto, não é o caso de nos determos a essas fontes. Entretanto, vamos insistir em três fatos que agora vêm a propósito: 
1. os paradigmas mais importantes sobre a natureza humana e seus vínculos com o mundo originam-se da análise dessas relações entre «meio natural/meio social»;
2. em todos os casos, se recorre à comunicação para explicar esses vínculos entre a condição humana e o mundo natural; 
3. o desenvolvimento das funções humanizadoras da comunicação está relacionado com a troca das ideias. Essa relação é, ao mesmo tempo, histórica e epistemológica. Nesta exposição se evidencia, então, essa correspondência. Duas concepções do papel da comunicação na existência da humanidade e da sociedade se contrapõem: a primitiva e a mais moderna. 

DUAS CONCEPÇÕES CONTRAPOSTAS DO PAPEL DA COMUNICAÇÃO NA EXISTÊNCIA DA HUMANIDADE E DE SUAS SOCIEDADES


A concepção primitiva: comunicação em que Natureza e Sociedade se superam 

Na hermenêutica grega, a comunicação se concebe e se pratica como uma interação em grupo que com o tempo os liga e os liberta no que diz respeito à Natureza. Nos mitos hermenêuticos, há, ainda, traços de cosmogonias que devem ter se formado em tempos primitivos, durante o frágil e longo passo da antropogênese. Quando os humanos se empenharam – de fracasso em fracasso e de extinção em extinção

 – no que nenhuma outra espécie havia tentado: – con-vencer a (vencer-com, não vencer a) Natureza;
 – mas, sobretudo, em convencer-se (vencer a eles mesmos) contra o impulso de recair, para sobreviver, na animalidade.

 As primeiras manifestações comunicativas que humanizam teriam relação com esse empenho fáustico em tornarem-se seres humanos. Não sabemos como foram, mas podemos ter certeza que existiram, já que a humanização foi possível. Provavelmente consistiram em linguagens corporais, cujas posturas e contatos eram, ao mesmo tempo, rituais de participação. 

Também não conhecemos as vivências e os sentimentos que se mobilizavam diante de tais celebrações. Talvez expressassem medos primordiais no trajeto pelo túnel obscuro da humanização, pavores que nem sequer podemos imaginar. De qualquer maneira, temos a certeza de que a comunicação ritualizada e em grupo contribui para atenuar os temores coletivos. Inclusive em sociedades antropoides não humanas. 

Nas sociedades humanas, os rituais comunicativos incluem a produção/ repetição de «exortações». Por exemplo, exortações propiciatórias, ou de desagravo, dirigidas às Forças que, na Natureza, selecionam a vida, para que não aniquilem as formas humanas de viver. Essa função taumatúrgica da comunicação existia nos rituais hermenêuticos e em grupos primitivos antes da aculturação. E ainda reaparece em celebrações e festas nas quais se honra a Mãe Terra. 

Se voltarmos às origens da humanização, o objeto de referência que se indicava – e se compartilhava –, nos rituais comunicativos, tinha que ser «o estar do grupo no mundo». O que é ainda mais específico: como «continuar a estar» a comunidade no mundo. Essa concepção primitiva, dramática do lugar da humanidade no mundo implica uma visão dialética da relação das comunidades humanas com o mundo: «Sociedade (contra e, por isso, com) a Natureza» 

Essa representação dialética que, ao mesmo tempo, opõe Natureza e Sociedade e as vincula, continua sendo identificada nos inícios da filosofia grega. Permanece nas filosofias panteístas da Índia, onde provavelmente tiveram origem. Por outro lado, no Ocidente, tal concepção dialética foi inundada pelo criacionismo das religiões deístas. 

Os criacionismos afirmam que existe uma harmonia preestabelecida por desígnio do Criador, entre a ordem natural e a social. As três grandes religiões mediterrâneas são deístas e criacionistas. 

Como se sabe, o Renascimento volta a secularizar a imagem do homem e da Natureza; e o Iluminismo recupera, na obra de Rousseau, o estudo da relação Sociedade versus Natureza. Entretanto, quando chega a Modernidade, essa contraposição não se estabelece nos termos dialéticos que os hermenêuticos aplicaram dois milênios antes. Os ilustrados operam com uma interpretação dissociativa: «Sociedade (contra e, portanto, sem) a Natureza». Nesse sentido continuamos.

A CONCEPÇÃO MODERNA DO PAPEL DA COMUNICAÇÃO NA EXISTÊNCIA DA HUMANIDADE E DE SUAS SOCIEDADES: COMUNICAÇÃO EM QUE A SOCIEDADE CONTROLA A NATUREZA

Em Rousseau e nos iluministas, a dupla condição «natural» e «social» do «homem» se interpreta como um dilema. Essa interpretação aparece quando a Modernidade crê que as Forças da Razão, difundidas pelos canais e com as técnicas da comunicação social, vão tomar, por fim, o controle das sociedades e do mundo. É a primeira vez que «a humanidade» se crê com recursos suficientes para submeter «a Natureza», e dependendo do caso, prescindir dela. 

A burguesia revolucionária foi bem-sucedida em impor durante o século XVIII essa visão da História, dissociativa e arrogante. Canaliza as energias coletivas em direção à apropriação do meio natural e, correlativamente, em direção ao controle racional da Natureza humana. Esse “espírito do Capitalismo” – nos termos de Max Weber – foi a representação que tornou possíveis as sociedades industriais. 

Essa representação supôs uma nova concepção da história e do destino da humanidade. Mostrei seu conteúdo em A mediação social. Nesse mesmo P. 11-20 MANUEL MARTÍN SERRANO 17 Communication in the existence of humanity and its societies dossiê livro foi analisado como se manifesta na comunicação pública o propósito de submeter a «Natureza», depois, substituí-la e finalmente prescindir dela (Martín Serrano, 2008). 

A burguesia, quando se torna a classe dominante, adota essa representação e a reflete em sua ideologia. Mais especificamente, a parte da ideologia que durante o século XIX se referia «ao progresso permanente» e, mais recentemente, «ao desenvolvimento econômico e social». Esses conteúdos ideológicos foram capazes de revolucionar as sociedades, porque quando uma ideologia origina uma teoria da sociedade, na qual se harmonizam a transformação das formas de vida e dos valores com permanência dessa organização social e de suas instituições, a ideologia é capaz de manter o interesse do conjunto da sociedade na perpetuação dessa ordem social (Martín Serrano, 2004).

 A visão do mundo e das sociedades que transparece na ideologia do Progresso é um modelo para o pensamento, para a organização e para a ação social. Por isso, transformou as crenças (religiosas, éticas, jurídicas); e serviu para reorganizar as instituições e as organizações (educativas, profissionais, científicas); ao mesmo tempo em que mobilizou as ações sociais (explorações geográficas, investimentos de capital, guerras coloniais relacionadas com a apropriação dos recursos naturais). 

Há 250 anos os enciclopedistas enunciaram essa concepção de progresso. E transcorreram-se quase 200 anos desde que Augusto Comte e Saint Simon a transformaram em “ciência social” (Martín Serrano, 1976). Outros tantos anos se passaram desde que Ricardo e Marx mostraram que essa representação é específica do funcionamento econômico do Capitalismo (Martín Serrano, 1981 e 1986: 500-518). No entanto, o empenho de apropriar-se dos recursos naturais para explorá-los segundo o desígnio humano está muito longe de ser abandonado. E, em todo caso, a comunicação pública, nas nossas sociedades e no nosso tempo, vincula o desenvolvimento humano à substituição da Natureza (Martín Serrano, 2008).

 A COMUNICAÇÃO HUMANA NASCE QUANDO NOSSAS ESPÉCIES FAZEM SUA HISTÓRIA EM RELAÇÃO (DIALÉTICA) COM A NATUREZA

 A representação dissociativa das relações dos grupos humanos com seu meio natural, «Sociedade (contra e, por isso, sem) a Natureza», tornou-se dominante a partir da industrialização. E, como consequência, esse modelo se extrapola, quase sempre de forma inconsciente, quando se interpreta o uso que fizeram os primeiros humanos das técnicas para conseguir um lugar no meio do qual 1. “A representação ideológica da realidade oferece um modelo do mundo reconhecível em seu entorno faticamente possível; sugere aos atores comportamentos factíveis e aceitos; e descreve situações que devem ser as mais prováveis… O caráter ideológico da visão do mundo não é o resultado de uma interpretação errônea do funcionamento social, no sentido positivista do termo “erro”, atribuído àquele que padece de falta de correlato empírico. A condição ideológica de um modelo do mundo que expressa uma ordem política determinada procede do que se dá por suposto que esse funcionamento social é o único que merece ser conservado, o único legítimo, razoável ou viável”. A mesma extrapolação leva a interpretar erroneamente que a comunicação humana produziu cultura quando se desentendeu com a Natureza. 

Certamente, naquela época, assim como agora, as técnicas transformaram os ecossistemas na medida em que a humanidade produzia seu próprio mundo. Mas essa intervenção das técnicas na Natureza não se realizava da mesma maneira que nas sociedades surgidas das revoluções industriais: ela respondia a desígnios sem igual e que produziram efeitos ecológicos incomparáveis. Se os primeiros grupos humanos tivessem procedido de modo semelhante como procedem com a Natureza as comunidades surgidas das revoluções tecnológicas, as dinâmicas evolutivas que produziram o homem moderno nunca teriam se desencadeado.

O uso das técnicas conservou seu caráter restitutivo do meio natural até as primeiras revoluções industriais. Observação que se faz extensivamente às técnicas de comunicação. As representações comunicativas que humanizam confrontaram a cultura com o mundo até a aparição do criacionismo. Por isso, a visão dialética dos vínculos das sociedades humanas com a Natureza, conforme tiveram os hermenêuticos gregos, se torna mais adequada que a concepção dissociativa dos ilustrados para entender os começos e o desenvolvimento da comunicação humana. 

Essa concepção dialética da «Sociedade contra e por isso com a Natureza» pode ser recuperada, agora em um nível paleontológico, para explicar como a comunicação nos hominiza e humaniza. Durante esse longo trajeto, a comunicação foi uma capacidade adequada para a reprodução de algumas espécies, que se transformam ao mesmo tempo que seu meio se modifica. Por isso digo que: «a comunicação humana nasce quando nossas espécies fazem sua história em relação (dialética) com a Natureza». 
Permitam-me concluir este artigo com um parágrafo do livro no qual estamos trabalhando: 

Como cientista, estou convencido de que se interpreta mal o sentido da evolução humana em geral e da comunicação humana em particular quando se crê que se originam e se explicam exclusivamente pelos vínculos que têm com a sociedade e com a cultura. No caso da comunicação humana, não há dúvida de que se transformou nos sucessivos confrontos entre Evolução Natural e História Social. É uma das sínteses resultantes dessa dialética, entre as constrições que regulam a Natureza e as que organizam a Sociedade.

 Esquecer as implicações que a comunicação tem com a Natureza me parece, além de pouco científico, um empenho perigoso. Porque passa despercebido que, em alguns P. 11-20 MANUEL MARTÍN SERRANO 19 Communication in the existence of humanity and its societies dossiê aspectos, a capacidade humana para a comunicação está evoluindo em direção à destrutividade. Que é o mesmo que dizer que o recurso humano à comunicação pode deixar de ser uma atividade para a vida para representar uma atividade para a morte. Tal cenário chegará a cumprir-se se a comunicação humana acabar operando com a Natureza, não como a antagonista na qual se engendrou e com a qual se superou, mas como escrava ou inimiga. Nesse caso, os novos usos comunicativos da informação seriam desinformativos, entrópicos, desorganizadores da complexidade do mundo. Poderiam contribuir para a extinção da nossa espécie e talvez de muitas outras. Ou de todas. 

Certamente é possível que a comunicação humana chegue a cancelar esse vínculo dialético que tem com a Natureza. Que está presente e ativo em nossos corpos e mentes. Mas a comunicação que resultará dessa fratura será inumana. Tanto no sentido evolutivo/histórico como no sentido ético que esse fim tem.

 Fazer teoria também serve para advertir que não é bom que a comunicação controle a Natureza sem deixar-se, ao tempo, controlar por ela. Com o risco de que a comunicação humana se desnaturalize e nos desnaturalize. A Teoria da Comunicação tem, entre outras aplicações práticas, a utilidade de contribuir para que essa volta destrutiva não seja irreversível (Martín Serrano, 2007: 278-279). 


REFERÊNCIAS
MARTÍN SERRANO, Manuel. La mediación social . Edición conmemorativa del 30 anidel 30 aniversario. Madrid: Akal, 2008.

_____ Teoría de la comunicación. La comunicación, la vida y la sociedad. Madrid: McGraw-Hill/interamericana de España, 2007.

_____ La producción social de la comunicación. Madrid: Alianza Editorial, 2004.

_____ El paradigma marxista: ámbito de la dialéctica. En: Cien años después de Marx: ciencia y marxismo. REYES,Román (ed.). Ciencia y marxismo. Madrid: Akal, 1986.

_____ Métodos actuales de la Investigación Social. Madrid: Akal, 1981. 1ª edición 1978.

_____ Comte, el padre negado. Orígenes de la deshumanización en las ciencias sociales. Madrid: Akal, 1976.   ROUSSEAU, J. J. Du contrat social ou Principes du droit politique, 1762. (El contrato social. Madrid: Aguilar), (O Contrato Social, São Paulo. Martins Fontes, 2006)

_____ Discours sur l’origine de l’inégalité parmi les hommes, 1755. (Discurso sobre el origen y los fundamentos de la desigualdad entre los hombres. Barcelona: Península, 1970), (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, São Paulo, Martins Fontes, 2005)
Endereços eletrônicos:

 MARTÍN SERRANO, Manuel. Teoría de la comunicación. La comunicación la vida y la sociedad. Madrid: McGraw-Hill/interamericana de España, 2007. Introdução disponível em: .

 _____ La mediación social . Edición conmemorativa del 30 aniversario. Madrid: Akal, 2008. Prólogo disponível em:

REVISTA Electrónica Razón y Palabra. Nº 59. Disponível em: .

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