A EVOLUÇÃO DA GESTÃO NO
FUTEBOL BRASILEIRO
FUNDAÇÃO
GETUliO VARGAS
Luiz Marcelo Vídero Vieira Santos
1. Introdução:
hipóteses de trabalho
o objeto de estudo do presente trabalho é a gestão do futebol brasileiro. O tema
estudado é o processo de evolução dessa gestão, com destaque para a sua profissionalização.
Abordaremos as principais mudanças e transformações ocorridas, enfocando o tema sob
diversos pontos de vista, utilizando um conceito amplo de gestão do futebol (discutido mais
adiante), buscando traçar um panorama do que ocorreu em termos de profissionalização da
gestão dentro e fora dos gramados.
A crise atual por que passa o futebol brasileiro, tão noticiada pelos meios de
comunicação, está colocando todo o sistema numa encruzilhada. As duas CPh instauradas no
Congresso - a do Futebol, no Senado e a da CBFI-Nike, na Câmara dos Deputados -
mostraram o lado podre do futebol, o que atinge a sua confiabilidade. Mostraram a
incapacidade das instituições (clubes, federações, CBF e sindicatos) em se organizar e
gerenciar o esporte de maneira transparente e competente. Mostraram ainda a inadequação da
legislação e das instâncias jurídicas desportivas para normatizar o futebol.
Uma das conseqüências no âmbito econômico e gerencial é o atraso da definitiva
transformação do
futebol em um negócio. Dito isso, assumimos o ponto de vista que essa
transformação é benéfica para o futebol brasileiro. Não por opção ideológica, mas
simplesmente por admitirmos a realidade: há pelo menos duas décadas, com mais ou menos
intensidade, o futebol já está sendo tratado como um negócio. Um grande exemplo disso são
os contratos que são fechados envolvendo jogadores, clubes, televisão, empresários entre
outros, envolvendo bilhões de dólares em todo o mundo.
No entanto, a gestão desse grande negócio ainda está muito a quem do que se
esperaria de uma indústria tão importante. A diferença é notável, se compararmos com outros
países, principalmente os da Europa, Estados Unidos e Japão, com outros ramos da indústria
do entretenimento (do qual a indústria dos esportes em geral e do futebol, especificamente,
tàz parte) e maior ainda se comparada com m outros setores, como o financeiro. Portanto, partimos do princípio que a transformação do futebol em negocio e um movimento Ja
existente e irrefreável e, sendo assim, além de estabelecer regras claras para a atuação dos
agentes, é necessário, pelo bem do futebol, gerir essas transações da maneira mais profissional passível
Esse dilema é o mesmo enfrenado por diversas outras atividades em vari Os momentos da história brasileira e discutido por diversos autores: modernização versus
tradição. Nas palavras de HELAL (1997): "Por um lado, a modernização - 'comercialização
do espetáculo', 'conscientização' dos jogadores, 'racionalização' do esporte - seria
responsável pela destruição de elementos tradicionais do universo do futebol, que tilam de
'paixão', 'amor á camisa' e 'futebol-arte'; por outro lado, o tradicionalismo seria responsável
pela falta de profissionalismo na administração do futebol, desorganizando as competições e
enfraquecendo financeiramente os clubes"'.
Essa questão da modernização estará sempre presente em nossa discussão, como
pano de fundo, mas, devido à banalização do termo e da necessidade de definir mais
claramente os limites desse estudo, escolhemos a profissionalização da gestão como tema de
estudo. Porém, em nenhum momento perdemos de vista, o que ficará claro na discussão, que
isso tàz parte de um movimento maior de modernização, não só do futebol, pensado em
termos mundiais, mas também da sociedade brasileira como um todo.
Veremos, pois, como o futebol chegou ao atual estágio de desenvolvimento gerencial
e quais as causas para, ainda hoje, não se adotar largamente práticas profissionais e modernas
de gestão. As primeiras questões a serem respondidas são: se realmente houve evolução nessa
gestão e se essa gestão realmente se profissionalizou. Para isso, deveremos mostrar como se
deu essa evolução e por que ela não aconteceu plenamente.
Nossa hipótese de trabalho é que realmente houve uma evolução, mas que os
avanços mais significativos ocorridos no futebol brasileiro só ocorreram por pressão externa
ao seu universo: ou imposição do Estado (principalmente governo federal e legislativo) ou
pressões do mercado. Em nenhum momento houve uma iniciativa de agentes ligados
diretamente ao esporte, que buscasse mudanças, visando melhor organizá-lo. As decisões
sempre foram respostas a pressões externas.
Acreditamos· que os eventos a que estamos assistindo atualmente também seguem
esta lógica: pressões do mercado e do Estado estão forçando a mudanças na gestão, na
estrutura e nas instituições do futebol brasileiro. Os investidores estão interferindo
diretamente nas decisões dos clubes, enquanto as CPIs e o Ministério do Esporte estão
forçando a revisões e mudanças na legislação
Assim sendo, nossos objetivos são tres:
1. Fazer uma análise histórica da profissionalização da gestão do futebol brasileiro.
Observar se ela realmente evoluiu e mostrar como se deu essa evolução.
2. Fazer uma análise do momento atual do futebol brasileiro, sob o ponto de vista da
gestão e sob a luz da evolução histórica observada anteriormente.
3. Apontar algumas tendências atuais.
Este trabalho será dividido em tres partes: na próxima sessão, apresentamos a
justificativa para escolha da gestão do futebol brasileiro como objeto de trabalho. Em seguida,
comentaremos a metodologia utilizada. Nas sessões seguintes, apresentamos a discussão do
tema em si, procurando comprovar se a hipótese de trabalho está correta ou não.
2. Justificativa
A escolha do tema se deveu, inicialmente, a uma paixão pessoal do autor, que
acredita na máxima do escritor Nelson Rodrigues, que dizia que "sem paixão não se chupa
nem um Chicabon"J Mas, apesar de forte, essa não é a principal justificativa. O futebol tem
uma importância para o Brasil que atravessa as ciências, das sociais às biológicas. Ela
perpassa o cotidiano como parte integrante, e é também parte importante na definição do
modo de vida brasileiro. Sua presença é tão intensa que muito se pode entender do país e do
povo pela observação das reações perante um jogo de Copa do Mundo. As vitórias e derrotas
da seleção estão sempre sendo relacionadas a uma habilidade especial mestiça, o 'jeitinho
brasileiro""
, ou o "complexo de vira-lata", como brilhantemente colocou o mesmo Nelson
Rodrigues'
.
Além disso, o futebol tem uma importância grande no dia-a-dia da população, na
medida em que os campeonatos estaduais e o nacional ocupam boa parte das discussões
diárias da população de todas as classes sociais. Anatol Rosenfeld6 (acadêmico alemão que
por aqui esteve, nos anos 1920, dando aulas na USP), na tentativa de entender o Brasil, adotou
como temas de ensaios o negro, a macumba e o futebol, tres elementos característicos e
marcantes da cultura brasileira.
Na interpretação de Roberto Damatta7 (dentre outros), foi com o futebol que o Brasil
teve suas primeiras aulas de democracia. Pela primeira vez, qualquer um podia ganhar, rico ou
pobre, torte ou fraco, grande ou pequeno. Do mesmo jeito, a vitória não era perene, nem
hereditária, ela durava apenas até a partida seguinte. A derrota perdi� assim a carga dramática.
As regras do jogo eram claras como poucas naquela época. Todos a conheciam e sabiam seus
direitos e deveres. E sabiam também que qualquer falha seria punida, seja quem cometesse.
Indagado sobre a influência do futebol na educaçào da juventude em uma entrevista,
o jornalista Juca Kfouri definiu e resumiu muito bem a importància do futebol. Vale a citação
completa pela emoção contida em seu depoimento: '"O futebol é um maravilhoso meio
educativo: ensina a ganhar e a perder, ensina a conviver com a frustração, e só quem não tem
a menor sensibilidade é capaz de dizer que a platéia do futebol é uma platéia de passivos.
porque ninguém me convence de que não fiz junto com Basiiio aquele gol que libertou o
Corinthians de vinte e dois anos sem titulo; ninguém me convence de que não subi com Pelé
na cabeçada que deu o primeiro gol contra a Itália, na Copa de 70; e que eu nào estava junto
com o Taffarel, na defesa do pênalti, na Copa de 94. É aquela coisa de pensar que, se eu não
estivesse lá, não aconteceria, ou só aconteceu porque eu estou aqui, para o bem ou para o mal.
Algumas vezes você diz, 'Fui eu que dei azar, sou um pé frio, é a terceira vez que vou ver o
meu time e ele perde'. Sempre dou como exemplo do oposto da alienação que as pessoas
teimam em ver no futebol, uma frase que adoro, de Bill Shankley, o técnico e mallager
escocês do Liverpool: - 'E claro que o futebol não é uma questão de vida ou morte, o futebol é
muito mais importante que isso'. Foi num campo de futebol que se abriu, pela primeira vez,
na História, uma tàixa pela anistia aos presos políticos brasileiros; foi no Morumbi, com cem
mil pessoas, num jogo entre Corinthians e Santos. E por que num campo de futebol com cem
mil pessoas') Porque não dava pra polícia chegar lá em cima e prender todo mundo; quando a
polícia chegou, a faixa já havia desaparecido. Foi num campo de futebol, no Estádio Nacional
-- de Santiago, na primeira partida depois que o Estádio foi liberado, após servir de prisão por
dois anos e meio, no Estádio onde morreram patriotas chilenos e brasileiros, que houve um
apagão, a primeira manifestação por liberdade, durante a ditadura Pinochet. Quando as
pessoas se deram conta, estava tudo apagado, e começou um canto: 'libertad, libertad,
libertad .. ' Havia sessenta mil pessoas no jogo entre o Universidad Católica e o Colocolo, e
seria impossível colocar sessenta mil pessoas dentro dos camburões. Então, não se pode
deixar de entender que o futebol é a coisa que nos faz nos sentirmos crianças, que o futebol é
mais ou menos como a praia, que uniformiza todo mundo. Por mais que o estádio tenha suas
divisões, a arquibancada do Maracanã é o único lugar, num pais de estratificação tão poderosa
como o Brasil, em que ainda se vê um rico abraçar um pobre. Não entender todas essas
caracteristicas, e que o futebol imita a vida, como pouquíssimas áreas da atividade humana, é,
, . " 8
no nummo, uma pena.
'Cf. KFOURI (2=), p. 61.
7
Por que o futebol se tornou tão popular'7 Ainda não há uma explicação satisfatória,
mas há muitos indicios. Em primeiro lugar, era (e cada vez mais é) o mais democrático dos
esportes, permitindo que "baixinhos", "gordos", "tísicos", "asmátícos", "tortos,,9, entre outros,
aparentemente pouco afeitos à prática desportiva, não só participassem das pelejas, como se
10 destacassem . Depois, foi introduzido como a última grande novidade da Europa, o que lhe
conferia uma aura especial (pelo menos no Brasil). Em terceiro lugar, uma constataçào: um
esporte que se difundiu em todos os continentes e que é, sem sombra de dúvida, o mais
popular do mundo, sendo praticado da China ao Uruguai, passando pela África e Europa,
quaisquer que sejam os motivos, tem algo de especial, que encanta as pessoas independente
da cultura e origem, mais do que qualquer outro.
Mas, sem dúvida, muito do fuscinio que o futebol causa advém do elemento do
acaso, que proporciona uma intensa emoção durante o jogo. A incerteza é a mãe do seu
sucesso. Ao contrário da maioria dos esportes, nunca há fuvoritos absolutos. Aqui, a
incidência de resultados inesperados é muito maior. Isso cria sempre a esperança no torcedor
que seu time pode vencer, por mais criticas que sejam as condições. O jogador também se
fortalece e corre até o último minuto atrás da vitória, pois sabe que nào há times imbatíveis.
Isso explica, por exemplo, um time em inferioridade numérica reverter o placar de uma
partida. Como diz o ditado popular, "a partida só termina, quando acaba".
O psicólogo Cláudio Wagner!! faz uma interessante análise ergonômica do futebol,
utilizando gráficos, comparando o futebol ao ato sexual. Uma partida de futebol possui uma
curva que cresce lentamente, em que se cria uma tensão até a explosão do gol (o orgasmo).
Essa tensão e os baixos escores permite a valorização do tento (assim como poucos times na
história foram capazes de proporcionar goleadas semanais para sua torcida, poucas pessoas
podem se gabar do mesmo feito sob os lençóis), o que não acontece com outros esportes,
como vólei e basquete, onde os placares são dilatados, vulgarizando o momento maior da
9 Por exemplo, fui asmático durante boa parte de minha infância e adolescência, o que não me impediu de me tornar um
�lande meia-esquerda. _
'. . , . . � Exemplos famosos nao faltam: temos hOJe o baixinho Romano, alem de Maradona; o velho ingles Stanley Mathews, que
jogou até os 50 anos; o anjo torto Garrincha, o gordo húngaro Puskas; o magrelo Telê Santana, de apelido "Fio de Esperança":
o desengonçado Dadá Maravilha, que apesar da pouquíssima habilidade, fez mais de 50] gols, etc. Imagine então na várzea
�uantos craques desconhecidos não maravilharam suas platéias? , Cf. WAGNER (1998).
----�
· EssiÍ. seria mais uma explicação para o sucesso desse esporte, já que faz uma relação
a natureza humana, independente da cultura 1
2
Quanto á famosa ginga brasileira, de suposta origem mulata, viria da cultura negra.
Jgllm11S versões defendem que os negros, por sua cultura ritmica, presente no samba e na
por exemplo, acostumados a dançar, fintar, gingar, etc. tenham incorporado essa
aD!LUU,aU� ao futebol. Outra explicação é que, no início do século XX, não era dado aos
o "direito" de disputar as bolas com os brancos ccm o mesmo "afinco. Por isso, eles
obrigados a desenvolver mais a habilidade, para driblar ou tomar a bola sem contato
Não há provas, nem conclusões definitivas quanto a isso, mas, de fato, foi a partir da
icorpc,ra\;ao do negro ao jogo que começou a surgir o estilo brasileiro de jogar futebol, que
; conhecidos e respeitados por todos. Esse foi o caso dos governos europeus, na época
imperialismo, no final do século XIX O processo de colonização dos continentes africano
e asiático pelos paises europeus gerou a necessidade de criar organizações que dessem conta
dominar povos que estavam a milhares de quilômetros. Aiém disso, nessa época, os
governos europeus começaram a oferecer serviços públicos para população, como saneamento
e iluminação das ruas. Nesses dois exemplos, também percebe-se a necessidade de
profissionais que dessem conta de organizar e administrar esses serviços.
A esse corpo de funcionários, deu-se o nome de burocracia, que inicialmente (metade
do século XVIII) era um termo negativo. No entanto, a partir de meados do século XIX,
começou-se a se utilizar o termo no seu sentido técnico: "conjunto de estudos juridicos e da
ciência da administração alemães que versam sobre Bureau>ystem, o novo aparelho
administrativo prussiano, organizado monocrática e hierarquicamente, que,' no início do
século XIX, substitui os velhos corpos administrativos colegiais. A ênfase destas obras é
normativa e se refere especialmente á precisa especificação das funções, á atribuição de
• esferas de competência bem delimitadas, aos critérios de assunção e de carreira. Por esta
tradição técnico-juridica, o conceito de Burocracia designa uma teoria e uma praxe da
administração pública que é considerada a mais eficiente possível (. . . ) A conceituação dada
por Max Weber (...) considera que a Burocracia como uma especifica variante moderna das
soluções dadas ao problema geral da administração" 37
Weber3
8 enquadra a Burocracia dentro de sua análise sobre os tipos de domínio. Há o
legítimo e o não legitimo, Dentre os legítimos, temos o carismático, o tradicional e o legalburocnitico,
O carismático se baseia na força da personalidade do lider, que é seguido
espontaneamente por seus seguidores ou discípulos. O tradicional é baseado na história, na
cultura, na força e na crença que as coisas são imutáveis: eias são assim porque são, "O
dominio legal é caracterizado, do ponto de vista da legitimidade, pela existência de normas
legais formais e abstratas e, do ponto de vista do aparelho, pela existência de um stqff
3
7 Cf. BOBBJO, op. cit. "Cf. WEBER (1922).
C.�stã0 Futehol 0203\ o l0í3i2002 [8
administrativo burocratico. Weber, portanto, define a Burocracia como a estrutura
administrativa, de que se serve o tipo mais puro do dOITÚnio legal,,]
9
No B rasil, ainda. na época do Império, os serviços publicos eram realizados por
profissionais liberais ou por indicações politicas, todos ligados a Coroa. Posteriormente, com
a proclamação da Republica, iniciou-se um processo de profissionalização e especialização da
administração publica, visando a melhoria dos serviços publicos. Ha varios trabalhos
classicos sobre a formação e configuração política e social brasileira e outros que tratam das
estruturas de poder regional e sua relação com o poder central. Podemos citar: "Os donos do
poder" de Raymundo Faoro e "Coronelismo, enxada e voto" de Victor Nunes Leal40 Além
desses, ha outros autores classicos como Gilberto Freire, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de
/Holanda e Caio Prado Junior, que trabalharam diferentes aspectos da formação política, social
e econÔITÚca do Brasil.
À burocracia é fruto da sociedade de classes e, por ISSO, acaba por reproduzir as
mesmas relações que caracterizam a sociedade da qual faz parte 41 No futebol não foi
ditêrente. À CBF, as federações estaduais e os clubes refletem a história da sociedade
brasileira. Foram criados pelo governo, ou pela elite, que permitem a participação popular,
desde que isso não interfira na esfera decisória. Segundo HELÀL (1997), a estrutura do
futebol brasileiro e a forma como ele se organizou refletem o padrão cultural do pais. Para ele,
os problemas atuais são fruto de uma contradição interna do sistema: de um lado dirigentes
amadores, de outro jogadores profissionais (ética dual); de um lado um arranjo institucional
antigo, o ligarca e amador e de outro as forças de mercado, que acabarão forçando a
profissionalização da gestão. Neste caso, o clube-empresa e a gestão profissional se opõem à
estrutura institucional e ao arranjo de poder existente.
Hoje, a maior parte das relações no futebol brasileiro é pessoal, política ou ambas, e
as pressões para essa profissionalização também espelham o processo pelo qual passou a
administração publica brasileira. Busca-se uma racionalização, a previsibilidade do sistema,
para que os investidores possam aplicar seu capital com mais segurança. Ou seja, é a mesma
situação encontrada no Brasil dos anos 1930, quando o presidente Getulio Vargas implantou
uma série de reformas no setor publico, de modo a organizá-lo e profissionaliza-Io.
G�tão Ftnc:bo! 020310 10/3
/2002 19
A burocracia possui um importante papel nos sistemas economlcos modernos. Ela
ou influencia o sistema para que este siga um caminho. O futebol brasileiro é um
"<', prna que segue uma lógica. A protlssionalização de sua burocracia podera criar uma lógica
funcionamento diferente da imposta atualmente (e historicamente) pela elite dominante.
gerar 'os mesmos conflitos registrados entre burocratas e políticos no Estado·2
: os
hrime:írc)S buscando a rotina, a racionalidade e o controle, baseando seu trabalho em decisões
e os segundos, atuando num ambiente de negociação constante, tomam decisões
pol1tlca:s, que respondem a interesses também politicos, que nem sempre casam com o parecer
:�t:C,IH�'V' Nesse caso, uma diferença clara é que os políticos são eleitos pelo povo, enquanto os
do futebol são alçados aos seus postos por meio de acordos, conchavos e
reç)re:seIUal'iaV indireta.
A burocracia vem mudando seu papel, de executor de atividades correntes, tem
pa,ss:ad'o a exercer um papel mais central, na gestão da expansão da organização. No futebol, a
fui profissionalizada em sua porção diretamente ligada ao jogo, a comissão
que chamamos aqui de burocracia do campo. Porém, ainda não assumiu, com as
de praxe, a gestão da empresa. Em outros termos, não participa do processo
O exemplo de maior éxito é o de José Carlos Brunoro, ex-técnico de vàlei, que
as�;unliu a direção da co-gestão entre Parmalat e Palmeiras, exerceu papel fundamental na
JOlmada de decisões sobre os rumos da "empresa", no caso, o time de futeboL Essa mudança
papel dos gerentes é o que está acontecendo atualmente no futebol brasileiro, mas não sem
.<()lTPr forte oposição.
,RalciclOéili2:ação na gestão do futebol
O fato da burocracia assumir o poder é importante, mas é fundamental deixar um
para a criatividade, o inusitado. Representante justamente do planejamento e da
prevI.sltJlüda,je, o burocrata terá sempre o desafio de não coibir as iniciativas inovadoras.
EnnbcJfa este não seja o papel do burocrata, já que originalmente esse papel cabia ao político,
O"ISU1lUV a anitlise de \VEBER (1922), no caso do futebol, o gerente / burocrata não podera
da obrigação de salvaguardar o espaço da criação, já que o esporte, assim como a arte, é
/OClIS natural da criatividade humana 4
3.
a questão do embate entre burocratas e políticos. um trabalho importante é o de ABERBACH. PUTNAM e ROCKMAN
, fizeram uma pesquisa com burocratas em diversos países ocidentais. Outro trabalho muito discutido é o de
�R()Z"ER (1987), sobre a evolução da burocracia e suas implicações
Cf. SANTOS (199]), que trata da presença da paixão na gestão em seu estudo sobre o Sport Club Corinthians Paulista.
20
A questão da paixão na gestão do futebol é polemica. Alguns defendem que, embora
o lucro do investidor deva ser garantido, a organização voltada para o futebol é fundada na
paixão e dela não pode abrir mão. Há uma lógica falsa nessa idéia segundo ela, se o burocrata
age em defesa de interesses próprios e ele ama seu time, agindo em seu proveito, estará
beneficiando o clube 44 Na verdade, atualmente a burocracia amadora, que hoje administra os
clubes brasileiros, já age assim, com as conseqüencias já conhecidas. As decisões não são
racionais e nem são baseadas em premissas concretas e no planejamento, o que leva a muitos
erros e prejuízos, dentro e fora do campo. Além disso, a atuação em causa própria tem gerado
corrupção e evasão de dinheiro dentro dos clubes, como comprovou as CPls.
Por outro lado, decisões exclusivamente racionais, visando só o lucro, podem
prejudicar o clube. Este foi o caso do desmonte do grande time do Palmeiras, campeão
paulista em 1996, antes de alcançar o objetivo maior do clube, que era ser campeão do
mundo. No caso, buscou-se apenas o objetivo da empresa financiadora, que era lucrar com a
valorização dos jogadores. Mesmo assim, a venda dos jogadores foi feita antes do ápice, o que
impediu a empresa de ganhar ainda mais, se aguardasse mais um pouco.
A solução para essa dualidade está em não fugir do embate entre técnica e política.
Deveria haver uma burocracia profissional administrando os clubes, baseada na técnica e na
racionalidade. O contrapoj1to "político", que resguardaria os interesses dos associados e dos
torcedores, além da tradição, história e cultura do clube, seria dado por um Conselho eleito
pelos sócios, como em uma empresa. Cada um teria um campo de atuação bem definido, mas
haveria uma área onde caberia o dissenso, a discussão e o embate entre os dois corpos 45
Gestão no futebol
Mas, que gestão é essa que evoluiu? Consideraremos neste trabalho que gestão no
futebol significa não só a gestão administrativa e financeira dos clubes, mas também das
federações e das atividades ligadas aos clubes, como a organização das ligas. Observando sob
outro foco, temos também a gestão da equipe, que é sua organização dentro do campo, a
definição da tática a ser utilizada, a determinação das funções de cada jogador e sua
participação dentro do conjunto, visando um objetivo único e comum Ainda no àmbito da
prática do esporte em si, temos o planejamento da temporada, que deve prever qual o elenco
de jogadores necessários, a preparação fisica, e a prevenção do desgaste fisico devido ao
44 Essa idéia foi trabalhada por autores ligados à Nova Economia Política.
21
número excessIvo de jogos, dentre outras atividades, que sào exercidas pelo treinador e sua
comissão técnica.
Hoje, "o futebol é uma atividade cada vez mais cientifica, tecnológica, planejada e
mercadológica, envol vendo toda uma ampla estrutura que precisa cuidar dos aspectos de
preparação tlsica e psicológica em detalhes e em profundidade, da construção do time e dos
jogadores, do conhecimento de táticas e estratégias de jogo, do estudo dos adversários, da
análise de SCOIlIS+ó e estatísticas, da adequada gestão financeira,,·7 Para a boa gestão de tudo
isso, é necessário encarar a equipe (e o clube) como uma organização complexa e que exige
profissionais especialistas em cáda posição.
É cada vez mais utilizado o conceito de /eam building ou construção do time. O
jornalista Matinas Suzuki destaca a importância do trabalho psicológico, que implica em
"estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e criar mecanismos para que todos se
envolvam profundamente para atingir o objetivo. A construção do time implica ( . .. ) em
desenvolver uma mentalidade vencedora,,4". Ao se concentrar na construção do time em
termos táticos, ele destaca três tàses:
1. Organização. A capacidade de reagIr automaticamente a cada nova situação do
jogo.
2. Estratégia. Decidir se a equipe atacará seu adversário ou será reativa.
3. Tática. A partir de diversos fatores como o esquema de jogo do adversário, quais
as características dos seus jogadores, sua posição na tabela de classificação, se o
jogo é dentro ou fora de casa, definir como o time vai enfrentar o adversário.
Esse seria o papel da gestão do time dentro de campo. Mas a gestão do time fora do
campo tem que, segundo Matinas Suzuki, "estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e
criar mecanismos para que todos se envolvam profundamente para atingir o objetivo,,49
Implica também desenvolver uma mentalidade vencedora, desenvolver em cada jogador a
idéia de superação de limites, baseado na integração da equipe.
:5 Essa discussão está presente e bem exemplificada em ABERBACH et ali (1981). 6 Scout é a palavra inglesa utilizada para denominar as estatísticas dos jogos, como por exemplo, a quantidade de chutes a
gol, passes errados, assistências, destaques das partidas, quem tocou mais na bola e mais uma infinidade de informações,
que são utilizadas pelos técnicos para estudar os adversários, corrigir os erros de sua equipe e planejar a tática a ser
;
7
rnpregada nos jogos.
48 Cf. SUZUKJ (199!3). Folha de Sâo Paulo. 14/10/1999.
" Cf. SUZUKJ (1999). Fofha de São Paulo. 26/08/1999.
Cf. SUZUKI (1999). Folha de São Paulo. 12i08/1999.
Gestão 'Çuteboi 0203 10 10i3i20i)'� 22
A evolução dessa gestão significa que, de atividade de lazer, amadora e secundária,
como era no final do século XIX, ela passou, a partir do início do século XX, a ser atividade
principal, remunerada e especializada. Assim, o protissional é aquele que se dedica
integralmente à sua função, é remunerado por esse trabalho e está em constante evolução no
que diz respeito a adoção das técnicas mais modernas existentes, bem como buscando a
inovação dessas técnicas
o conceito de gestão moderna é tão etéreo quanto a quantidade de interpretações
existentes. A modernidade foi banalizada em intermináveis citações, mas a idéia de buscar o
novo, não pode ser esquecida. Assim, consideramos que uma gestão moderna é a que busca a
constante evolução por meio da inovação. E isso é feito por intermédio da adoção das técnicas
e métodos mais novos e inovadores (sem cair na falácia da busca do novo pelo novo). Uma
organização moderna seria então a que procura antecipar-se às concorrentes na adoção de
inovações metodológicas, cientiticas ou tecnológicas.
B runoro e Afif colocam assim o conceito: "Modernidade signitica estar a par de tudo
aquilo que passa por um processo de transformação: teorias administrativas, avanços
tecnológicos - na informática e na medicina esportiva -, tendências do mercado de jogadores
no Brasil e no exterior, etc
,,5
0 No caso do futebol, devido à resistência em adotar inovações, a
gestão moderna é, simplesmente, a que utiliza os métodos comuns de gestão, praticados por
qualquer organização profissional.
Metodologia utilizada
Partindo desses conceitos, esse estudo fui elaborado, principalmente, por melO da
bibliogratia existente sobre o futebol, que, embora ainda insatisfatória, já permite análises
consistentes. Assim, tentaremos captar os diferentes enfoques, de modo a entender o
desenvolvimento do futebol brasileiro sob o ponto de vista da protissionalização de sua
gestão. Por exemplo, os textos históricos nos ajudarão a conhecer a sucessão dos fatos; as
análises sociológicas nos darão uma idéia do impacto que estes fatos causaram na sociedade
brasileira; as antropológicas nos darão a dimensão humana do futebol; as biografias nos darão
a visão cotidiana e real da história; e os textos de marketing esportivo em geral mostrarão a
visão atual do negócio futebol.
"
Cf. BRUNORO e AFIF (1997), p. 49.
Gctão Futebol 0'2031
0 l
OiJ
/2002 23
Também fizemos uma análise de jornais e revistas, que permitiram captar a
importància do assunto no seu momento, o tipo de enfoque dado pela imprensa, e quais os
fatos considerados mais importantes no calor do momento. Deram-nos também subsidios para
a compreensão do momento atual, cuja análise mais elaborada não está disponível em artigos
e livros. Além disso, para enriquecer o trabalho, foram feitas entrevistas com atores
importantes e representantes de instituições que, de alguma maneira, tem interesses
envolvidos no processo (os chamados slake-holders).
Iniciaremos a discussão, por um histórico sintético da evolução da gestão do esporte,
concentrando a atenção nos avanços técnicos, metodológicos e de gestão, ocorridos no século
XX. Depois passaremos para um breve panorama da evolução do futebol no mundo, fucando
principalmente nos últimos trinta anos, com a explosão da FIF A e do uso do marketing, que
estabeleceram as bases do futebol corno negócio, que forçou a profissionalização da gestão
para administrar os novos e volumosos investimentos. Daí então passaremos para a análise do
desenvolvimento da gestão do futebol no Brasil, sob diversos aspectos, como a gestão do
jogador, a do clube, a das federações, a da CBF e a do Estado, além da evolução da estrutura
fisica, legal e dos campeonatos. Concluiremos com urna análise do momento atual, sob a luz
da evolução histórica, a partir da qual poderemos ver o que realmente está mudando, qual a
natureza dessa mudança e quais os vetores definidores dessas mudanças.
Ge&lão Futebol 0203 I O 10/3/2002 24
4. Evolução da gestão nos esportes
A e'volução da gestão no mundo dos esportes se deu
.
sob diferentes estimulos.
Inicialmente, a rápida aceitação de vários esportes diferentes levou à retomada dos Jogos
Olímpicos, no final do século XIX, um dos primeiros marcos do esporte moderno. A partir
dai, os esportes foram ocupando um espaço importante na cultura do século XX, levando os
governos, principalmente os totalitários, a se utiíízarem deles para propaganda política.
Posteriormente, a guerra fria gerou uma disputa que ajudou a desenvolver metodologias de
treinamento, tecnologias voltadas exclusivamente para o esporte e a gestão das equipes. A
percepção desse crescimento e desenvolvimento incessante por parte do marketing, terminou
por inseri-lo no mercado de bens e serviços ligados ao ramo do entretenimento. Vejamos
como isso se deu.
O esporte carrega consigo duas idéias: a diversão e a competição. Na Grécia antiga,
as olimpíadas eram uma metáfora ou representação pacifica da guerra e os jogos serviam
como treinamento para a batalha. Outros esportes mais modernos, como o basquete, surgiram
da criatividade associada à falta de opções de divertimento. Há também outros que, embora
tendo certidão de nascimento, estavam presentes em diferentes culturas de vários continentes
e periodos. Nesse caso se enquadra o futebol, que, apesar de "criado na Inglaterra" no século
XIX, tem irmãos mais velhos e muito semelhantes nas culturas chinesa, italiana e na América
pré-colombianasl
Apesar de termos uma tradição esportiva milenar, até mesmo com grandes
competições, foi no final do século XIX, com as Olimpiadas da Era Moderna, que o esporte
ganhou um novo status. No século XX as competições ganharam uma importância distinta
dos padrões anteriores, exigindo uma preparação e a utilização de recursos mais sofisticados
para a sua organização.
Além disso, ficou claro que vitórias esportivas traziam
do Mundo de Futebol da Itália, em 1934, e os Jogos Olímpicos de Berlim, eM 1936, em peças
de propaganda política e afirmação racial" A União Soviética, desejosa de espraiar sua
ideologia socialista pelo mundo ocidental, também deu ao esporte um lugar de destaque em
sua estratégia de marketing institucional, tornando-se o maior conquistador de medalhas nas
Olimpiadas em sua época, para não falar da Alemanha Oriental e outros países socialistas,
também grandes "papa-medalhas".
Com toda essa importância, os esportes em geral começaram a se desenvolver muito
rapidamente, tanto em termos técnicos, quanto em termos gerenciais. A ciência e a tecnologia
passaram a ser utilizadas de forma ostensiva, assim como todo um aparato de apoio começou
a ser formado para dar assistência aos atletas. Um exemplo disso fui a utilização das idéias de
Tayior5\ um engenheiro preocupado em maximizar a produção e que passou a fazer estudos
sobre quais os melhores métodos para executar as funções no trabalho. Ele desenvolveu uma
série de métodos e regras, medindo, cronometrando, calculando, racionalizando o trabalho de
forma a maximizar sua produtividade. Essa filosofia foi implantada em todo o mundo, nâo só
nas empresas, mas em outras instituições como nas forças armadas, nas diversas burocracias e
no esporte em geral54
Os países fascistas e comunistas, por exemplo, assumidamente ou não, puseram em
prática com maestria essa cultura. Nas Olimpíadas de 1952, todos ficaram assombrados com o
grande time da Hungria, que foi campeão com goleadas fantásticas. Em 1954, na Copa do
Mundo o fato se repetiu, embora eles tenham perdido na final para a Alemanha. Espantava
não só o futebol, mas também o fato dos jogadores húngaros já estarem suados antes do jogo
começar. O segredo era que eles faziam aquecimento nos vestiàrios, entrando em campo não
só suados, mas também mais preparados para a atividade fisica, o que invariavelmente era
aproveitado para garantir uma boa vantagem no placar, enquanto os adversários, atónitos, mal
conseguiam acompanhar a bola. Era a maximização da preparação fisica.
Na preparação dos atletas, os estudos desenvolviam novas técnicas, novas táticas e
até novas substâncias (muitas delas proibidas) para aumentar a furça, a resistência, a
velocidade, a concentração e tudo o mais que pudesse melhorar os resultados. Fora do campo
5
2 É verdade que, se a Itália acabou sendo campeã mundial de futebol, a Alemanha foi obrigada a engolir uma derrota dentro
de sua casa, quando o negro americano Jesse Owens ganhou quatro medalhas de ouro nas principais provas do atletismo,
desbancando os atletas "superiores� do Führer.
" Cf. TAYLOR (1900).
Ge�lão Ftn\!bol 020310 lOi3i::.!002
------------- ----- -
_ e das quadras, plscmas, etc. - cnaram uma comissão técnica que cuidava de todos os
detl!lhes, para que o atleta tivesse que se preocupar apenas com a vitória. Além dos clássicos
técnico, médico e fisioterapeuta ou massagista, havia também psicólogos, dentistas,
engenheiros, gerentes, entre outros profissionais, que, mesmo hoje, não são comuns em todos
os esportes e lugares, como no futebol no Brasil.
Só para citar alguns exemplos, na Alemanha Oriental os movimentos dos nadadores
eram filmados (no que é imitada por todos hoje) e estudados com o auxílio da fisica e da
mecânica, de modo a verificar qual a melhor forma de executar o movimento, maximizando o
desempenho do esforço do atleta. O vôlei e o basquete passaram a ter treinadores específicos
para cada posição ou função dentro da quadra (ataque e defesa, por exemplo), que trabalham
especificamente aquilo no qual são especiaiistas. Em diversos esportes, as regras têm sido
mudadas por vários motivos: para privilegiar a competição, para acompanhar o aumento da
força fisica dos atletas, para se adequar aos avanços tecnológicos e, principalmente, para
facilitar transmissões pela televisão.
Pensando em termos de marketing, o basquetebol amencano é imbatível. No final
dos 1970, a National Basketball Association (NtiA), a liga que equivale ao campeonato
nacional profissional, passava por um período crítico, sem público, com a imagem abalada
por casos de violência e abuso de drogas pelos atletas. No entanto, a partir dai, criou-se uma
estrutura que gerou um dos maiores produtos esportivos do mundo atualmente, que distribui
milhões de dólares em salários e movimenta só nos Estados Unidos cinco bilhões de dólares
anuais55
, além de outros tantos em todos os continentes em artigos de todos os tipos,
consumidos avidamente pelos fàS56
Fica claro, portanto, que o esporte deixou de ser aquela atividade lúdica de outros
tempos e passou a ser um fenômeno econômico e cultural, que movimenta milhões de dólares.
Se, por um lado, alimenta os sonhos de muitos garotos e adultos, transformando jovens atletas
em super-homens, por outro, ele cobra a conta de tudo isso, exigindo mais dedicação,
profissionalismo e organização de sua gestã057
"
Apesar de seu pioneirismo e contribuição à teoria da administração, Taylor logo teve suas idéias criticadas. Segundo
BRAVERMAN (1973), ele contribuiu menos para aumentar a produtividade por meio de métodos científicos, e mais para
k�stituir uma relação de trabalho excludente, vertical e autoritária.
'S6 Conforme BRUNORO, 1 007, p. 36.
Sobre a história recente da NBA, vide HALBERSTA�.'" (lfOO), que faz uma análise muito boa sobre toda a estrutura e
1�ncionamento do basquete norte-americano, bem como da filosofia de trabalho por trás dos negócios no esporte daquele país.
Sobre a mercantiHzação das Olimpíadas, doping e disputa de poder envolvendo os Jogos Olímpicos, vide SIMSON &
JENNINGS (1992).
Gem.ão futebol 020310 10/3j2üO�; 27
.
No Brasil, o uso da ClenCla (descobertas no campo da fisiologia e medicina
esportiva) e da tecnologia (novos materiais e equipamentos) para a melhoria dos resultados e
de métodos mais modernos de administração na gestão do esporte nem sempre foi um hábito.
Na verdade, ainda hoje o esporte em geral carece de apoio e está sempre as voltas com a
busca de patrocinio para treinar e competir. Pensando nos esportes mais populares a coisa é
um pouco melhor. O vàlei tomou o segundo lugar do basquete na prefenlncia popular no
inicio dos anos 1 980, justamente por implementar uma estrutura profissional.
Com a criação, . naquela década, dos times da Pirelli (empresa do ramo de produtos
automotivos), em São Paulo, e da Atlântica Boa Vista (uma companhia de seguros), no Rio de
Janeiro, ocorreram duas coisas importantes� uma, foi a presença da empresa no esporte com
um marketing institucional intenso; e a outra foi a possibilidade de proporcionar uma estrutura
extremamente profissional e avançada para a época, permitindo que os atletas tivessem as
melhores condições de treinamento. O resultado? Ginásios cheios, confrontos sensacionais
entre os dois times, a conquista de titulos pela seleção brasileira, incluindo uma medalha
olímpica, e a popularização do vàlei.
Gô,1ão Futebol 020310 10/3/2002 28
. 5. Evolução da gestão no futebol
- --------------------
No futebol, o ritmo das mudanças normalmente foi bem menor que nos outros
. esportes: seja no campo da técnica e da tática, seja na questão das regras, seja na adequação
do produto ao mercado. Um dos poucos campos em que foi pioneiro foi o da
profissionalização dos seus atletas, que ocorreu no inicio do século XX, muito antes que em
outros esportes. Vejamos agora algumas das principais mudanças que ocorreram no futebol,
principalmente na segunda metade do sécuio XX
Com relação às regras do jogo, uma alteração importante foi a de aumentar a
pontuação por vitória de dois para três pontos, reduzindo muito o peso do empate (um ponto)
na composição dos pontos da equipe. Isso mexeu muito com os esquemas táticos das equipes,
ja que a vitória passou a ser mais valorizada. Àté a Copa de 1 994, o empate era valioso
demais para ser descartado e por isso as equipes entravam em campo mais preocupadas em
não tomar gol do que construir jogadas ofensivas.
Outro grande fato (que abalou as estruturas do futebol na Europa e vem
influenciando o resto do mundo) foi o Caso Bosman, em 1 990, que veio causar uma mudança
radical nas relações de trabalho entre clubes e jogadores na Comunidade Européia. Bosman
era jogador do Liége, da Bélgica, e queria jogar no Dunquerc, da França, mas seu time não
liberou seu passe, alegando que o time frances não tinha garantias bancárias para pagar a sua
transferência. O atleta entrou com uma ação trabalhista na corte européia de justiça, em
Luxemburgo, pedindo a liberação do passe, e ganhou a causa em 15 de dezembro de 1995 .
O advogado baseou sua defesa no acordo de livre circulação de trabalhadores nos
paises da Comunidade Européia. A sentença, inédita até então, criou uma jurisprudência que,
na pratica, acabou com a posse do passe do jogador pelos clubes na Europa. Após a polêmica,
Bosman foi boicotado pelos times europeus, que não quiseram mais contrata-lo. À despeito
disso, os clubes tiveram que se adaptar à nova regra.
Mas, o grande fato ocorrido no futebol mundial nas ultimas décadas foi o
crescimento da FIF A e transformação da Copa do Mundo no evento mais assistido do raundo.
Sob o comando do brasileiro João Havelange, eleito em 1 974, a instituição transformou o
O"-"';tão Fut<:bo! 020310 10;3/2002
futebol em um gigantesco negócio do mundo do entretenimento. Isso fez com que passasse a
ser encarado, mais do que como um esporte, como uma oportunidade de lucro. Assim, muitas
das mudanças ocorreram a reboque do crescimento da FIF A e da inserção do futebol buslIless
na industria do entretenimento. Representando o futebol em todo o mundo, ela é hoje maior
que a ONU em número de países, com duzentos e seis membros. A Copa do Mundo e o
evento mais assistido em todos os continentes, tendo movimentado cerca de US$ I bilhão de
dólares na Copa da França. Para se ter uma idéia do crescimento do negócio, a penúltima
Copa, nos Estados Unidos, movimentou US$ 250 milhões e espera-se US$ 1 ,2 bilhão para a proxima Shankley, o técnico e mallager
escocês do Liverpool: - 'E claro que o futebol não é uma questão de vida ou morte, o futebol é
muito mais importante que isso'. Foi num campo de futebol que se abriu, pela primeira vez,
na História, uma tàixa pela anistia aos presos políticos brasileiros; foi no Morumbi, com cem
mil pessoas, num jogo entre Corinthians e Santos. E por que num campo de futebol com cem
mil pessoas') Porque não dava pra polícia chegar lá em cima e prender todo mundo; quando a
polícia chegou, a faixa já havia desaparecido. Foi num campo de futebol, no Estádio Nacional
-- de Santiago, na primeira partida depois que o Estádio foi liberado, após servir de prisão por
dois anos e meio, no Estádio onde morreram patriotas chilenos e brasileiros, que houve um
apagão, a primeira manifestação por liberdade, durante a ditadura Pinochet. Quando as
pessoas se deram conta, estava tudo apagado, e começou um canto: 'libertad, libertad,
libertad .. ' Havia sessenta mil pessoas no jogo entre o Universidad Católica e o Colocolo, e
seria impossível colocar sessenta mil pessoas dentro dos camburões. Então, não se pode
deixar de entender que o futebol é a coisa que nos faz nos sentirmos crianças, que o futebol é
mais ou menos como a praia, que uniformiza todo mundo. Por mais que o estádio tenha suas
divisões, a arquibancada do Maracanã é o único lugar, num pais de estratificação tão poderosa
como o Brasil, em que ainda se vê um rico abraçar um pobre. Não entender todas essas
caracteristicas, e que o futebol imita a vida, como pouquíssimas áreas da atividade humana, é,
, . " 8
no nummo, uma pena.
'Cf. KFOURI (2=), p. 61.
7
Por que o futebol se tornou tão popular'7 Ainda não há uma explicação satisfatória,
mas há muitos indicios. Em primeiro lugar, era (e cada vez mais é) o mais democrático dos
esportes, permitindo que "baixinhos", "gordos", "tísicos", "asmátícos", "tortos,,9, entre outros,
aparentemente pouco afeitos à prática desportiva, não só participassem das pelejas, como se
10 destacassem . Depois, foi introduzido como a última grande novidade da Europa, o que lhe
conferia uma aura especial (pelo menos no Brasil). Em terceiro lugar, uma constataçào: um
esporte que se difundiu em todos os continentes e que é, sem sombra de dúvida, o mais
popular do mundo, sendo praticado da China ao Uruguai, passando pela África e Europa,
quaisquer que sejam os motivos, tem algo de especial, que encanta as pessoas independente
da cultura e origem, mais do que qualquer outro.
Mas, sem dúvida, muito do fuscinio que o futebol causa advém do elemento do
acaso, que proporciona uma intensa emoção durante o jogo. A incerteza é a mãe do seu
sucesso. Ao contrário da maioria dos esportes, nunca há fuvoritos absolutos. Aqui, a
incidência de resultados inesperados é muito maior. Isso cria sempre a esperança no torcedor
que seu time pode vencer, por mais criticas que sejam as condições. O jogador também se
fortalece e corre até o último minuto atrás da vitória, pois sabe que nào há times imbatíveis.
Isso explica, por exemplo, um time em inferioridade numérica reverter o placar de uma
partida. Como diz o ditado popular, "a partida só termina, quando acaba".
O psicólogo Cláudio Wagner!! faz uma interessante análise ergonômica do futebol,
utilizando gráficos, comparando o futebol ao ato sexual. Uma partida de futebol possui uma
curva que cresce lentamente, em que se cria uma tensão até a explosão do gol (o orgasmo).
Essa tensão e os baixos escores permite a valorização do tento (assim como poucos times na
história foram capazes de proporcionar goleadas semanais para sua torcida, poucas pessoas
podem se gabar do mesmo feito sob os lençóis), o que não acontece com outros esportes,
como vólei e basquete, onde os placares são dilatados, vulgarizando o momento maior da
9 Por exemplo, fui asmático durante boa parte de minha infância e adolescência, o que não me impediu de me tornar um
�lande meia-esquerda. _
'. . , . . � Exemplos famosos nao faltam: temos hOJe o baixinho Romano, alem de Maradona; o velho ingles Stanley Mathews, que
jogou até os 50 anos; o anjo torto Garrincha, o gordo húngaro Puskas; o magrelo Telê Santana, de apelido "Fio de Esperança":
o desengonçado Dadá Maravilha, que apesar da pouquíssima habilidade, fez mais de 50] gols, etc. Imagine então na várzea
�uantos craques desconhecidos não maravilharam suas platéias? , Cf. WAGNER (1998).
----�
· EssiÍ. seria mais uma explicação para o sucesso desse esporte, já que faz uma relação
a natureza humana, independente da cultura 1
2
Quanto á famosa ginga brasileira, de suposta origem mulata, viria da cultura negra.
Jgllm11S versões defendem que os negros, por sua cultura ritmica, presente no samba e na
por exemplo, acostumados a dançar, fintar, gingar, etc. tenham incorporado essa
aD!LUU,aU� ao futebol. Outra explicação é que, no início do século XX, não era dado aos
o "direito" de disputar as bolas com os brancos ccm o mesmo "afinco. Por isso, eles
obrigados a desenvolver mais a habilidade, para driblar ou tomar a bola sem contato
Não há provas, nem conclusões definitivas quanto a isso, mas, de fato, foi a partir da
icorpc,ra\;ao do negro ao jogo que começou a surgir o estilo brasileiro de jogar futebol, que
; conhecidos e respeitados por todos. Esse foi o caso dos governos europeus, na época
imperialismo, no final do século XIX O processo de colonização dos continentes africano
e asiático pelos paises europeus gerou a necessidade de criar organizações que dessem conta
dominar povos que estavam a milhares de quilômetros. Aiém disso, nessa época, os
governos europeus começaram a oferecer serviços públicos para população, como saneamento
e iluminação das ruas. Nesses dois exemplos, também percebe-se a necessidade de
profissionais que dessem conta de organizar e administrar esses serviços.
A esse corpo de funcionários, deu-se o nome de burocracia, que inicialmente (metade
do século XVIII) era um termo negativo. No entanto, a partir de meados do século XIX,
começou-se a se utilizar o termo no seu sentido técnico: "conjunto de estudos juridicos e da
ciência da administração alemães que versam sobre Bureau>ystem, o novo aparelho
administrativo prussiano, organizado monocrática e hierarquicamente, que,' no início do
século XIX, substitui os velhos corpos administrativos colegiais. A ênfase destas obras é
normativa e se refere especialmente á precisa especificação das funções, á atribuição de
• esferas de competência bem delimitadas, aos critérios de assunção e de carreira. Por esta
tradição técnico-juridica, o conceito de Burocracia designa uma teoria e uma praxe da
administração pública que é considerada a mais eficiente possível (. . . ) A conceituação dada
por Max Weber (...) considera que a Burocracia como uma especifica variante moderna das
soluções dadas ao problema geral da administração" 37
Weber3
8 enquadra a Burocracia dentro de sua análise sobre os tipos de domínio. Há o
legítimo e o não legitimo, Dentre os legítimos, temos o carismático, o tradicional e o legalburocnitico,
O carismático se baseia na força da personalidade do lider, que é seguido
espontaneamente por seus seguidores ou discípulos. O tradicional é baseado na história, na
cultura, na força e na crença que as coisas são imutáveis: eias são assim porque são, "O
dominio legal é caracterizado, do ponto de vista da legitimidade, pela existência de normas
legais formais e abstratas e, do ponto de vista do aparelho, pela existência de um stqff
3
7 Cf. BOBBJO, op. cit. "Cf. WEBER (1922).
C.�stã0 Futehol 0203\ o l0í3i2002 [8
administrativo burocratico. Weber, portanto, define a Burocracia como a estrutura
administrativa, de que se serve o tipo mais puro do dOITÚnio legal,,]
9
No B rasil, ainda. na época do Império, os serviços publicos eram realizados por
profissionais liberais ou por indicações politicas, todos ligados a Coroa. Posteriormente, com
a proclamação da Republica, iniciou-se um processo de profissionalização e especialização da
administração publica, visando a melhoria dos serviços publicos. Ha varios trabalhos
classicos sobre a formação e configuração política e social brasileira e outros que tratam das
estruturas de poder regional e sua relação com o poder central. Podemos citar: "Os donos do
poder" de Raymundo Faoro e "Coronelismo, enxada e voto" de Victor Nunes Leal40 Além
desses, ha outros autores classicos como Gilberto Freire, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de
/Holanda e Caio Prado Junior, que trabalharam diferentes aspectos da formação política, social
e econÔITÚca do Brasil.
À burocracia é fruto da sociedade de classes e, por ISSO, acaba por reproduzir as
mesmas relações que caracterizam a sociedade da qual faz parte 41 No futebol não foi
ditêrente. À CBF, as federações estaduais e os clubes refletem a história da sociedade
brasileira. Foram criados pelo governo, ou pela elite, que permitem a participação popular,
desde que isso não interfira na esfera decisória. Segundo HELÀL (1997), a estrutura do
futebol brasileiro e a forma como ele se organizou refletem o padrão cultural do pais. Para ele,
os problemas atuais são fruto de uma contradição interna do sistema: de um lado dirigentes
amadores, de outro jogadores profissionais (ética dual); de um lado um arranjo institucional
antigo, o ligarca e amador e de outro as forças de mercado, que acabarão forçando a
profissionalização da gestão. Neste caso, o clube-empresa e a gestão profissional se opõem à
estrutura institucional e ao arranjo de poder existente.
Hoje, a maior parte das relações no futebol brasileiro é pessoal, política ou ambas, e
as pressões para essa profissionalização também espelham o processo pelo qual passou a
administração publica brasileira. Busca-se uma racionalização, a previsibilidade do sistema,
para que os investidores possam aplicar seu capital com mais segurança. Ou seja, é a mesma
situação encontrada no Brasil dos anos 1930, quando o presidente Getulio Vargas implantou
uma série de reformas no setor publico, de modo a organizá-lo e profissionaliza-Io.
G�tão Ftnc:bo! 020310 10/3
/2002 19
A burocracia possui um importante papel nos sistemas economlcos modernos. Ela
ou influencia o sistema para que este siga um caminho. O futebol brasileiro é um
"<', prna que segue uma lógica. A protlssionalização de sua burocracia podera criar uma lógica
funcionamento diferente da imposta atualmente (e historicamente) pela elite dominante.
gerar 'os mesmos conflitos registrados entre burocratas e políticos no Estado·2
: os
hrime:írc)S buscando a rotina, a racionalidade e o controle, baseando seu trabalho em decisões
e os segundos, atuando num ambiente de negociação constante, tomam decisões
pol1tlca:s, que respondem a interesses também politicos, que nem sempre casam com o parecer
:�t:C,IH�'V' Nesse caso, uma diferença clara é que os políticos são eleitos pelo povo, enquanto os
do futebol são alçados aos seus postos por meio de acordos, conchavos e
reç)re:seIUal'iaV indireta.
A burocracia vem mudando seu papel, de executor de atividades correntes, tem
pa,ss:ad'o a exercer um papel mais central, na gestão da expansão da organização. No futebol, a
fui profissionalizada em sua porção diretamente ligada ao jogo, a comissão
que chamamos aqui de burocracia do campo. Porém, ainda não assumiu, com as
de praxe, a gestão da empresa. Em outros termos, não participa do processo
O exemplo de maior éxito é o de José Carlos Brunoro, ex-técnico de vàlei, que
as�;unliu a direção da co-gestão entre Parmalat e Palmeiras, exerceu papel fundamental na
JOlmada de decisões sobre os rumos da "empresa", no caso, o time de futeboL Essa mudança
papel dos gerentes é o que está acontecendo atualmente no futebol brasileiro, mas não sem
.<()lTPr forte oposição.
,RalciclOéili2:ação na gestão do futebol
O fato da burocracia assumir o poder é importante, mas é fundamental deixar um
para a criatividade, o inusitado. Representante justamente do planejamento e da
prevI.sltJlüda,je, o burocrata terá sempre o desafio de não coibir as iniciativas inovadoras.
EnnbcJfa este não seja o papel do burocrata, já que originalmente esse papel cabia ao político,
O"ISU1lUV a anitlise de \VEBER (1922), no caso do futebol, o gerente / burocrata não podera
da obrigação de salvaguardar o espaço da criação, já que o esporte, assim como a arte, é
/OClIS natural da criatividade humana 4
3.
a questão do embate entre burocratas e políticos. um trabalho importante é o de ABERBACH. PUTNAM e ROCKMAN
, fizeram uma pesquisa com burocratas em diversos países ocidentais. Outro trabalho muito discutido é o de
�R()Z"ER (1987), sobre a evolução da burocracia e suas implicações
Cf. SANTOS (199]), que trata da presença da paixão na gestão em seu estudo sobre o Sport Club Corinthians Paulista.
20
A questão da paixão na gestão do futebol é polemica. Alguns defendem que, embora
o lucro do investidor deva ser garantido, a organização voltada para o futebol é fundada na
paixão e dela não pode abrir mão. Há uma lógica falsa nessa idéia segundo ela, se o burocrata
age em defesa de interesses próprios e ele ama seu time, agindo em seu proveito, estará
beneficiando o clube 44 Na verdade, atualmente a burocracia amadora, que hoje administra os
clubes brasileiros, já age assim, com as conseqüencias já conhecidas. As decisões não são
racionais e nem são baseadas em premissas concretas e no planejamento, o que leva a muitos
erros e prejuízos, dentro e fora do campo. Além disso, a atuação em causa própria tem gerado
corrupção e evasão de dinheiro dentro dos clubes, como comprovou as CPls.
Por outro lado, decisões exclusivamente racionais, visando só o lucro, podem
prejudicar o clube. Este foi o caso do desmonte do grande time do Palmeiras, campeão
paulista em 1996, antes de alcançar o objetivo maior do clube, que era ser campeão do
mundo. No caso, buscou-se apenas o objetivo da empresa financiadora, que era lucrar com a
valorização dos jogadores. Mesmo assim, a venda dos jogadores foi feita antes do ápice, o que
impediu a empresa de ganhar ainda mais, se aguardasse mais um pouco.
A solução para essa dualidade está em não fugir do embate entre técnica e política.
Deveria haver uma burocracia profissional administrando os clubes, baseada na técnica e na
racionalidade. O contrapoj1to "político", que resguardaria os interesses dos associados e dos
torcedores, além da tradição, história e cultura do clube, seria dado por um Conselho eleito
pelos sócios, como em uma empresa. Cada um teria um campo de atuação bem definido, mas
haveria uma área onde caberia o dissenso, a discussão e o embate entre os dois corpos 45
Gestão no futebol
Mas, que gestão é essa que evoluiu? Consideraremos neste trabalho que gestão no
futebol significa não só a gestão administrativa e financeira dos clubes, mas também das
federações e das atividades ligadas aos clubes, como a organização das ligas. Observando sob
outro foco, temos também a gestão da equipe, que é sua organização dentro do campo, a
definição da tática a ser utilizada, a determinação das funções de cada jogador e sua
participação dentro do conjunto, visando um objetivo único e comum Ainda no àmbito da
prática do esporte em si, temos o planejamento da temporada, que deve prever qual o elenco
de jogadores necessários, a preparação fisica, e a prevenção do desgaste fisico devido ao
44 Essa idéia foi trabalhada por autores ligados à Nova Economia Política.
21
número excessIvo de jogos, dentre outras atividades, que sào exercidas pelo treinador e sua
comissão técnica.
Hoje, "o futebol é uma atividade cada vez mais cientifica, tecnológica, planejada e
mercadológica, envol vendo toda uma ampla estrutura que precisa cuidar dos aspectos de
preparação tlsica e psicológica em detalhes e em profundidade, da construção do time e dos
jogadores, do conhecimento de táticas e estratégias de jogo, do estudo dos adversários, da
análise de SCOIlIS+ó e estatísticas, da adequada gestão financeira,,·7 Para a boa gestão de tudo
isso, é necessário encarar a equipe (e o clube) como uma organização complexa e que exige
profissionais especialistas em cáda posição.
É cada vez mais utilizado o conceito de /eam building ou construção do time. O
jornalista Matinas Suzuki destaca a importância do trabalho psicológico, que implica em
"estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e criar mecanismos para que todos se
envolvam profundamente para atingir o objetivo. A construção do time implica ( . .. ) em
desenvolver uma mentalidade vencedora,,4". Ao se concentrar na construção do time em
termos táticos, ele destaca três tàses:
1. Organização. A capacidade de reagIr automaticamente a cada nova situação do
jogo.
2. Estratégia. Decidir se a equipe atacará seu adversário ou será reativa.
3. Tática. A partir de diversos fatores como o esquema de jogo do adversário, quais
as características dos seus jogadores, sua posição na tabela de classificação, se o
jogo é dentro ou fora de casa, definir como o time vai enfrentar o adversário.
Esse seria o papel da gestão do time dentro de campo. Mas a gestão do time fora do
campo tem que, segundo Matinas Suzuki, "estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e
criar mecanismos para que todos se envolvam profundamente para atingir o objetivo,,49
Implica também desenvolver uma mentalidade vencedora, desenvolver em cada jogador a
idéia de superação de limites, baseado na integração da equipe.
:5 Essa discussão está presente e bem exemplificada em ABERBACH et ali (1981). 6 Scout é a palavra inglesa utilizada para denominar as estatísticas dos jogos, como por exemplo, a quantidade de chutes a
gol, passes errados, assistências, destaques das partidas, quem tocou mais na bola e mais uma infinidade de informações,
que são utilizadas pelos técnicos para estudar os adversários, corrigir os erros de sua equipe e planejar a tática a ser
;
7
rnpregada nos jogos.
48 Cf. SUZUKJ (199!3). Folha de Sâo Paulo. 14/10/1999.
" Cf. SUZUKJ (1999). Fofha de São Paulo. 26/08/1999.
Cf. SUZUKI (1999). Folha de São Paulo. 12i08/1999.
Gestão 'Çuteboi 0203 10 10i3i20i)'� 22
A evolução dessa gestão significa que, de atividade de lazer, amadora e secundária,
como era no final do século XIX, ela passou, a partir do início do século XX, a ser atividade
principal, remunerada e especializada. Assim, o protissional é aquele que se dedica
integralmente à sua função, é remunerado por esse trabalho e está em constante evolução no
que diz respeito a adoção das técnicas mais modernas existentes, bem como buscando a
inovação dessas técnicas
o conceito de gestão moderna é tão etéreo quanto a quantidade de interpretações
existentes. A modernidade foi banalizada em intermináveis citações, mas a idéia de buscar o
novo, não pode ser esquecida. Assim, consideramos que uma gestão moderna é a que busca a
constante evolução por meio da inovação. E isso é feito por intermédio da adoção das técnicas
e métodos mais novos e inovadores (sem cair na falácia da busca do novo pelo novo). Uma
organização moderna seria então a que procura antecipar-se às concorrentes na adoção de
inovações metodológicas, cientiticas ou tecnológicas.
B runoro e Afif colocam assim o conceito: "Modernidade signitica estar a par de tudo
aquilo que passa por um processo de transformação: teorias administrativas, avanços
tecnológicos - na informática e na medicina esportiva -, tendências do mercado de jogadores
no Brasil e no exterior, etc
,,5
0 No caso do futebol, devido à resistência em adotar inovações, a
gestão moderna é, simplesmente, a que utiliza os métodos comuns de gestão, praticados por
qualquer organização profissional.
Metodologia utilizada
Partindo desses conceitos, esse estudo fui elaborado, principalmente, por melO da
bibliogratia existente sobre o futebol, que, embora ainda insatisfatória, já permite análises
consistentes. Assim, tentaremos captar os diferentes enfoques, de modo a entender o
desenvolvimento do futebol brasileiro sob o ponto de vista da protissionalização de sua
gestão. Por exemplo, os textos históricos nos ajudarão a conhecer a sucessão dos fatos; as
análises sociológicas nos darão uma idéia do impacto que estes fatos causaram na sociedade
brasileira; as antropológicas nos darão a dimensão humana do futebol; as biografias nos darão
a visão cotidiana e real da história; e os textos de marketing esportivo em geral mostrarão a
visão atual do negócio futebol.
"
Cf. BRUNORO e AFIF (1997), p. 49.
Gctão Futebol 0'2031
0 l
OiJ
/2002 23
Também fizemos uma análise de jornais e revistas, que permitiram captar a
importància do assunto no seu momento, o tipo de enfoque dado pela imprensa, e quais os
fatos considerados mais importantes no calor do momento. Deram-nos também subsidios para
a compreensão do momento atual, cuja análise mais elaborada não está disponível em artigos
e livros. Além disso, para enriquecer o trabalho, foram feitas entrevistas com atores
importantes e representantes de instituições que, de alguma maneira, tem interesses
envolvidos no processo (os chamados slake-holders).
Iniciaremos a discussão, por um histórico sintético da evolução da gestão do esporte,
concentrando a atenção nos avanços técnicos, metodológicos e de gestão, ocorridos no século
XX. Depois passaremos para um breve panorama da evolução do futebol no mundo, fucando
principalmente nos últimos trinta anos, com a explosão da FIF A e do uso do marketing, que
estabeleceram as bases do futebol corno negócio, que forçou a profissionalização da gestão
para administrar os novos e volumosos investimentos. Daí então passaremos para a análise do
desenvolvimento da gestão do futebol no Brasil, sob diversos aspectos, como a gestão do
jogador, a do clube, a das federações, a da CBF e a do Estado, além da evolução da estrutura
fisica, legal e dos campeonatos. Concluiremos com urna análise do momento atual, sob a luz
da evolução histórica, a partir da qual poderemos ver o que realmente está mudando, qual a
natureza dessa mudança e quais os vetores definidores dessas mudanças.
Ge&lão Futebol 0203 I O 10/3/2002 24
4. Evolução da gestão nos esportes
A e'volução da gestão no mundo dos esportes se deu
.
sob diferentes estimulos.
Inicialmente, a rápida aceitação de vários esportes diferentes levou à retomada dos Jogos
Olímpicos, no final do século XIX, um dos primeiros marcos do esporte moderno. A partir
dai, os esportes foram ocupando um espaço importante na cultura do século XX, levando os
governos, principalmente os totalitários, a se utiíízarem deles para propaganda política.
Posteriormente, a guerra fria gerou uma disputa que ajudou a desenvolver metodologias de
treinamento, tecnologias voltadas exclusivamente para o esporte e a gestão das equipes. A
percepção desse crescimento e desenvolvimento incessante por parte do marketing, terminou
por inseri-lo no mercado de bens e serviços ligados ao ramo do entretenimento. Vejamos
como isso se deu.
O esporte carrega consigo duas idéias: a diversão e a competição. Na Grécia antiga,
as olimpíadas eram uma metáfora ou representação pacifica da guerra e os jogos serviam
como treinamento para a batalha. Outros esportes mais modernos, como o basquete, surgiram
da criatividade associada à falta de opções de divertimento. Há também outros que, embora
tendo certidão de nascimento, estavam presentes em diferentes culturas de vários continentes
e periodos. Nesse caso se enquadra o futebol, que, apesar de "criado na Inglaterra" no século
XIX, tem irmãos mais velhos e muito semelhantes nas culturas chinesa, italiana e na América
pré-colombianasl
Apesar de termos uma tradição esportiva milenar, até mesmo com grandes
competições, foi no final do século XIX, com as Olimpiadas da Era Moderna, que o esporte
ganhou um novo status. No século XX as competições ganharam uma importância distinta
dos padrões anteriores, exigindo uma preparação e a utilização de recursos mais sofisticados
para a sua organização.
Além disso, ficou claro que vitórias esportivas traziam
do Mundo de Futebol da Itália, em 1934, e os Jogos Olímpicos de Berlim, eM 1936, em peças
de propaganda política e afirmação racial" A União Soviética, desejosa de espraiar sua
ideologia socialista pelo mundo ocidental, também deu ao esporte um lugar de destaque em
sua estratégia de marketing institucional, tornando-se o maior conquistador de medalhas nas
Olimpiadas em sua época, para não falar da Alemanha Oriental e outros países socialistas,
também grandes "papa-medalhas".
Com toda essa importância, os esportes em geral começaram a se desenvolver muito
rapidamente, tanto em termos técnicos, quanto em termos gerenciais. A ciência e a tecnologia
passaram a ser utilizadas de forma ostensiva, assim como todo um aparato de apoio começou
a ser formado para dar assistência aos atletas. Um exemplo disso fui a utilização das idéias de
Tayior5\ um engenheiro preocupado em maximizar a produção e que passou a fazer estudos
sobre quais os melhores métodos para executar as funções no trabalho. Ele desenvolveu uma
série de métodos e regras, medindo, cronometrando, calculando, racionalizando o trabalho de
forma a maximizar sua produtividade. Essa filosofia foi implantada em todo o mundo, nâo só
nas empresas, mas em outras instituições como nas forças armadas, nas diversas burocracias e
no esporte em geral54
Os países fascistas e comunistas, por exemplo, assumidamente ou não, puseram em
prática com maestria essa cultura. Nas Olimpíadas de 1952, todos ficaram assombrados com o
grande time da Hungria, que foi campeão com goleadas fantásticas. Em 1954, na Copa do
Mundo o fato se repetiu, embora eles tenham perdido na final para a Alemanha. Espantava
não só o futebol, mas também o fato dos jogadores húngaros já estarem suados antes do jogo
começar. O segredo era que eles faziam aquecimento nos vestiàrios, entrando em campo não
só suados, mas também mais preparados para a atividade fisica, o que invariavelmente era
aproveitado para garantir uma boa vantagem no placar, enquanto os adversários, atónitos, mal
conseguiam acompanhar a bola. Era a maximização da preparação fisica.
Na preparação dos atletas, os estudos desenvolviam novas técnicas, novas táticas e
até novas substâncias (muitas delas proibidas) para aumentar a furça, a resistência, a
velocidade, a concentração e tudo o mais que pudesse melhorar os resultados. Fora do campo
5
2 É verdade que, se a Itália acabou sendo campeã mundial de futebol, a Alemanha foi obrigada a engolir uma derrota dentro
de sua casa, quando o negro americano Jesse Owens ganhou quatro medalhas de ouro nas principais provas do atletismo,
desbancando os atletas "superiores� do Führer.
" Cf. TAYLOR (1900).
Ge�lão Ftn\!bol 020310 lOi3i::.!002
------------- ----- -
_ e das quadras, plscmas, etc. - cnaram uma comissão técnica que cuidava de todos os
detl!lhes, para que o atleta tivesse que se preocupar apenas com a vitória. Além dos clássicos
técnico, médico e fisioterapeuta ou massagista, havia também psicólogos, dentistas,
engenheiros, gerentes, entre outros profissionais, que, mesmo hoje, não são comuns em todos
os esportes e lugares, como no futebol no Brasil.
Só para citar alguns exemplos, na Alemanha Oriental os movimentos dos nadadores
eram filmados (no que é imitada por todos hoje) e estudados com o auxílio da fisica e da
mecânica, de modo a verificar qual a melhor forma de executar o movimento, maximizando o
desempenho do esforço do atleta. O vôlei e o basquete passaram a ter treinadores específicos
para cada posição ou função dentro da quadra (ataque e defesa, por exemplo), que trabalham
especificamente aquilo no qual são especiaiistas. Em diversos esportes, as regras têm sido
mudadas por vários motivos: para privilegiar a competição, para acompanhar o aumento da
força fisica dos atletas, para se adequar aos avanços tecnológicos e, principalmente, para
facilitar transmissões pela televisão.
Pensando em termos de marketing, o basquetebol amencano é imbatível. No final
dos 1970, a National Basketball Association (NtiA), a liga que equivale ao campeonato
nacional profissional, passava por um período crítico, sem público, com a imagem abalada
por casos de violência e abuso de drogas pelos atletas. No entanto, a partir dai, criou-se uma
estrutura que gerou um dos maiores produtos esportivos do mundo atualmente, que distribui
milhões de dólares em salários e movimenta só nos Estados Unidos cinco bilhões de dólares
anuais55
, além de outros tantos em todos os continentes em artigos de todos os tipos,
consumidos avidamente pelos fàS56
Fica claro, portanto, que o esporte deixou de ser aquela atividade lúdica de outros
tempos e passou a ser um fenômeno econômico e cultural, que movimenta milhões de dólares.
Se, por um lado, alimenta os sonhos de muitos garotos e adultos, transformando jovens atletas
em super-homens, por outro, ele cobra a conta de tudo isso, exigindo mais dedicação,
profissionalismo e organização de sua gestã057
"
Apesar de seu pioneirismo e contribuição à teoria da administração, Taylor logo teve suas idéias criticadas. Segundo
BRAVERMAN (1973), ele contribuiu menos para aumentar a produtividade por meio de métodos científicos, e mais para
k�stituir uma relação de trabalho excludente, vertical e autoritária.
'S6 Conforme BRUNORO, 1 007, p. 36.
Sobre a história recente da NBA, vide HALBERSTA�.'" (lfOO), que faz uma análise muito boa sobre toda a estrutura e
1�ncionamento do basquete norte-americano, bem como da filosofia de trabalho por trás dos negócios no esporte daquele país.
Sobre a mercantiHzação das Olimpíadas, doping e disputa de poder envolvendo os Jogos Olímpicos, vide SIMSON &
JENNINGS (1992).
Gem.ão futebol 020310 10/3j2üO�; 27
.
No Brasil, o uso da ClenCla (descobertas no campo da fisiologia e medicina
esportiva) e da tecnologia (novos materiais e equipamentos) para a melhoria dos resultados e
de métodos mais modernos de administração na gestão do esporte nem sempre foi um hábito.
Na verdade, ainda hoje o esporte em geral carece de apoio e está sempre as voltas com a
busca de patrocinio para treinar e competir. Pensando nos esportes mais populares a coisa é
um pouco melhor. O vàlei tomou o segundo lugar do basquete na prefenlncia popular no
inicio dos anos 1 980, justamente por implementar uma estrutura profissional.
Com a criação, . naquela década, dos times da Pirelli (empresa do ramo de produtos
automotivos), em São Paulo, e da Atlântica Boa Vista (uma companhia de seguros), no Rio de
Janeiro, ocorreram duas coisas importantes� uma, foi a presença da empresa no esporte com
um marketing institucional intenso; e a outra foi a possibilidade de proporcionar uma estrutura
extremamente profissional e avançada para a época, permitindo que os atletas tivessem as
melhores condições de treinamento. O resultado? Ginásios cheios, confrontos sensacionais
entre os dois times, a conquista de titulos pela seleção brasileira, incluindo uma medalha
olímpica, e a popularização do vàlei.
Gô,1ão Futebol 020310 10/3/2002 28
. 5. Evolução da gestão no futebol
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No futebol, o ritmo das mudanças normalmente foi bem menor que nos outros
. esportes: seja no campo da técnica e da tática, seja na questão das regras, seja na adequação
do produto ao mercado. Um dos poucos campos em que foi pioneiro foi o da
profissionalização dos seus atletas, que ocorreu no inicio do século XX, muito antes que em
outros esportes. Vejamos agora algumas das principais mudanças que ocorreram no futebol,
principalmente na segunda metade do sécuio XX
Com relação às regras do jogo, uma alteração importante foi a de aumentar a
pontuação por vitória de dois para três pontos, reduzindo muito o peso do empate (um ponto)
na composição dos pontos da equipe. Isso mexeu muito com os esquemas táticos das equipes,
ja que a vitória passou a ser mais valorizada. Àté a Copa de 1 994, o empate era valioso
demais para ser descartado e por isso as equipes entravam em campo mais preocupadas em
não tomar gol do que construir jogadas ofensivas.
Outro grande fato (que abalou as estruturas do futebol na Europa e vem
influenciando o resto do mundo) foi o Caso Bosman, em 1 990, que veio causar uma mudança
radical nas relações de trabalho entre clubes e jogadores na Comunidade Européia. Bosman
era jogador do Liége, da Bélgica, e queria jogar no Dunquerc, da França, mas seu time não
liberou seu passe, alegando que o time frances não tinha garantias bancárias para pagar a sua
transferência. O atleta entrou com uma ação trabalhista na corte européia de justiça, em
Luxemburgo, pedindo a liberação do passe, e ganhou a causa em 15 de dezembro de 1995 .
O advogado baseou sua defesa no acordo de livre circulação de trabalhadores nos
paises da Comunidade Européia. A sentença, inédita até então, criou uma jurisprudência que,
na pratica, acabou com a posse do passe do jogador pelos clubes na Europa. Após a polêmica,
Bosman foi boicotado pelos times europeus, que não quiseram mais contrata-lo. À despeito
disso, os clubes tiveram que se adaptar à nova regra.
Mas, o grande fato ocorrido no futebol mundial nas ultimas décadas foi o
crescimento da FIF A e transformação da Copa do Mundo no evento mais assistido do raundo.
Sob o comando do brasileiro João Havelange, eleito em 1 974, a instituição transformou o
O"-"';tão Fut<:bo! 020310 10;3/2002
futebol em um gigantesco negócio do mundo do entretenimento. Isso fez com que passasse a
ser encarado, mais do que como um esporte, como uma oportunidade de lucro. Assim, muitas
das mudanças ocorreram a reboque do crescimento da FIF A e da inserção do futebol buslIless
na industria do entretenimento. Representando o futebol em todo o mundo, ela é hoje maior
que a ONU em número de países, com duzentos e seis membros. A Copa do Mundo e o
evento mais assistido em todos os continentes, tendo movimentado cerca de US$ I bilhão de
dólares na Copa da França. Para se ter uma idéia do crescimento do negócio, a penúltima
Copa, nos Estados Unidos, movimentou US$ 250 milhões e espera-se US$ 1 ,2 bilhão para a próxima.
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