ENTENDENDO O FUTEBOL COMO UM NEGÓCIO:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
Marvio Pereira Leoncini Curso de Graduação em Educação Física, Faculdades Integradas Stella Maris Andradina, Rua Amazonas, 571, CEP 16901-160, Andradina, SP, e-mail: leoncini@usp.br; marvio.pereira@itelefonica.com.br Márcia Terra da Silva Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da USP, Av. Prof. Almeida Prado, 128, trav. 2, Edifício José Otávio Monteiro de Camargo, CEP 05508-070, Cidade Universitária, São Paulo, SP, e-mail: mtdsilva@usp.br Recebido em 04/9/2003 Aceito em 08/12/2004
Resumo
Este trabalho de natureza exploratória trata do desenvolvimento de um modelo de análise que explique o processo de profissionalização na gestão de clubes de futebol. O modelo de análise não contempla variáveis políticas que são uma parte importante do âmbito de atuação dos clubes, contudo está pautado nos conceitos de aprendizagem sistêmica, usados para compreender as mudanças organizacionais. Como contribuição teórica, o modelo aponta as principais características estruturais da indústria do futebol, além de indicar alguns princípios de gestão aplicáveis aos clubes como empresas de serviços. Ao final, a comparação do modelo desenvolvido com dois estudos de caso tem como objetivos básicos a identificação de princípios de gestão já interiorizados nos clubes pesquisados e o teste da coerência interna do modelo.
Palavras-chave: futebol, cadeia de valor, mudança organizacional, estratégia de operações, administração de serviços. v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005
1. Introdução
O futebol mundial é hoje um grande negócio. De acordo com o relatório final do Plano de Modernização do Futebol Brasileiro (2000) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que inclui os agentes diretos, como clubes e federações, e indiretos, como indústrias de equipamentos esportivos e a mídia, o futebol mundial movimenta, em média, cerca de 250 bilhões de dólares anuais. No Brasil, dados desse mesmo relatório mostram que o futebol é uma atividade econômica com grande capacidade de gerar empregos, e tem efeito multiplicador maio
Do ponto de vista do desenvolvimento de novas pesquisas relacionadas ao entendimento do negócio futebol e à gestão estratégica de clubes de futebol, também é evidente o enorme campo que se vislumbra para esse novo setor da indústria do entretenimento como, por exemplo, nas áreas de gestão econômico-financeira, marketing de serviços, etc. Já no campo das ciências do esporte, notase que a questão do desempenho esportivo assume papel preponderante dentro da lógica do negócio futebol e também deve merecer atenção cada vez maior de pesquisadores e profissionais. Tabela 3.
O processo de mudança no modelo de gestão de dois clubes brasileiros (Fonte: adaptado de Leoncini, 2001). Flamengo São Caetano Dinâmicas Internas à Indústria do Futebol Dinâmicas de Contexto Ineficácia Esportiva e Financeira dos antigos dirigentes; Vontade Política de Profissionalizar a gestão e de tornar o clube vitorioso nacionalmente Dinâmicas Interempresariais (Novas Parcerias) Horizontal (complem. de competências): licenciamento da marca ikmunovo parceiro Horizontal (complem. de competências): assinatura de um contrato de co-gestão Novo Posicionamento Estratégico (mercado-alvo) Mercado de torcedores e sócios: o evento-jogo de futebol é considerado um serviço de lazer e entretenimento para o mercado Mercado de jogadores: o
Sage
Publications, Califórnia, 1994.
ZARIFIAN, P.; SALERNO, M. S. Organização e produção
industrial de serviços. Boletim Técnico da Escola
Politécnica da USP, Departamento de Engenharia de
Produção, BT/PRO/041; São Paulo, EPUSP, 7p., 1997s entrevistas semi-estruturadas foram realizadas no
ano de 2000, com dirigentes e parceiros de dois clubes
14 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório
brasileiros, Flamengo e São Caetano, escolhidos como
casos típicos de estratégias operacionais distintas.
No
caso do Flamengo, a entrevista foi usada como a principal
fonte de informação (no entanto, uma fita de vídeo,
usada durante a apresentação da proposta de parceria perante
o Conselho Deliberativo do Clube, também é uma
fonte de informação documental importante). A entrevista
foi agendada com o diretor da Pelé Sports & Marketing
(PS&M – que foi a empresa que intermediou a parceria
entre o Clube e o Investidor). No caso do São Caetano,
foram agendadas e conduzidas entrevistas com o Presidente
em exercício e o Gerente Administrativo do Clube.
As entrevistas foram usadas como as principais fontes de
informação. Outras fontes, como cópias dos contratos e
boletins informativos também foram usadas como fontes
alternativas.
2. O processo de mudança na gestão de
clubes como referencial teórico para o
entendimento do negócio futebol
De acordo com Edward Freedman (in: Jornal Administrador
Profissional, Ano XXVII – nº. 213, Março
de 2004), o responsável pelo marketing do Manchester
United da Inglaterra, “os clubes brasileiros precisam de
profissionais especializados, que entendam o mercado e
saibam otimizar as oportunidades comerciais”.
Além disso,
Freedman disse que, embora a prática do esporte seja
a função principal de um clube, é preciso que as áreas administrativas
sejam consideradas partes da estrutura esportiva,
para poder gerar receitas com o sucesso do time.
As declarações de Freedman poderiam ter sido feitas
em meados dos anos 90, no início do processo de mudança
ocorrido no âmago da indústria do futebol brasileiro,
por meio do estabelecimento dos contratos de parceria
entre clubes e empresas para a gestão comercial dos
clubes. No entanto, ela ocorre cerca de três anos após a
maioria dos contratos já terem sido desfeitos, antes mesmo
de seu término. Fazem parte deste universo, empresas
que aportaram recursos nos clubes com os mais variados
interesses.
Desde empresas especializadas em marketing
esportivo ou envolvidas com investimentos no setor de
mídia e entretenimento, como as parcerias entre Corinthians
e Hicks Muse Tate & Furst e entre Flamengo e a
International Sports Leisure (ISL), até empresas interessadas
em atuar no mercado de compra e venda de jogadores,
como as parcerias entre a A. D. São Caetano e a Datha
Representações e até mesmo entre Palmeiras e Parmalat
(apesar dos objetivos de marketing esportivo serem os motivadores
desta parceria pelo lado da empresa).
Assim, a década de 90 assistiu a uma série de mudanças
na administração do futebol, pelo estabelecimento de
contratos de parceria entre clubes e empresas para a gestão
comercial dos clubes. A maioria dessas parcerias foi
desfeita antes do término do contrato. Essas mudanças
foram motivadas por certas percepções sobre o potencial
do futebol como negócio, dentro de uma racionalidade
que chamamos de econômica. As razões para o término
das parcerias, motivadas por interesses diversos, não são
objeto deste trabalho, mas sim o entendimento dos princípios
econômicos que nortearam as parcerias e expuseram
os clubes de futebol como empresas e seus negócios
como sistemas de produção.
Segundo Fleury e Fleury (2000), para compreender o
processo de mudanças por que passam as empresas, três
percepções conceituais devem ser observadas:
• a primeira implica ultrapassar uma visão estática da
realidade, assumindo o movimento dos processos em
curso, por meio da identificação dos principais atores
envolvidos (caracterização da cadeia produtiva, suas
interfaces e mecanismos de coordenação), seus objetivos
(propósitos fundamentais), processos de interação
(características gerais do processo produtivo e fatores
e funções críticas para a competitividade) e indicadores
de desempenho; este tipo de caracterização fornece uma
visão clara da estrutura da indústria e do negócio;
• a segunda implica trabalhar o conceito de competência
associado à estratégia empresarial.
Nesse raciocínio, a
empresa, situada em um arranjo produtivo qualquer, define
sua estratégia e as competências necessárias para
implementá-la num processo de aprendizagem permanente
que é antes um círculo virtuoso que uma hierarquia
de mão única; e
• a terceira implica adotar uma abordagem sistêmica com
relação às dinâmicas decorrentes de tal processo de
aprendizagem, conforme Fleury e Fleury (2000, p. 41):
“o processo de aprendizagem que cada empresa estrutura......
gera dinâmicas de mudança internas à empresa,
entre as empresas e entre grupos de empresas”.
O objeto de análise para a aplicação dos conceitos acima
é o processo de mudança na gestão do clube e sua inserção
na indústria do futebol. Tal foco de análise pode ser caracterizado
e definido por meio da noção de ciclos permanentes
de aprendizagem e mudança nas diferentes atividades
empresariais de tal indústria, ilustrados na Figura 1.
As mudanças ou dinâmicas interempresariais são dinâmicas
internas à indústria do futebol que podem ser decorrentes
de mudanças horizontais ou verticais.
As mudanças
horizontais implicam criação de novas relações
interempresariais que buscam otimizar a participação das
organizações em mercados existentes ou potenciais, principalmente
pela complementaridade de competências, de
acordo com suas estratégias a longo prazo: o licenciamento
da marca de um clube para um novo agente tem
como finalidade aumentar a participação da “nova empresa”
no mercado de torcedores, criando e agregando
novos conceitos de produtos e serviços ao mercado de
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 15
torcedores. As mudanças verticais implicam a criação de
novas relações interempresariais que buscam reestruturar
a cadeia ou indústria, tendo em vista torná-la mais
eficiente: como a criação de parcerias com empresas de
venda de ingressos pela internet, que buscam otimizar a
distribuição dos ingressos.
As aprendizagens estratégica e organizacional determinam
o modelo de gestão adotado por uma organização
num determinado momento. Nesta abordagem, tais
aprendizagens, apesar da sua natureza dinâmica, são percebidas
como visões de negócio e competências já interiorizadas
pela organização ou pelos seus dirigentes.
No caso do processo de mudança do modelo de gestão
do Flamengo, duas dinâmicas complementares puderam
ser observadas: a ineficácia do modelo de gestão adotado
até então pelo clube e a solução adotada pela diretoria
para enfrentar tal ineficácia.
A ineficácia do modelo de
gestão do clube pôde ser medida pelos seus desempenhos
esportivo (sem conquistas importantes nos últimos anos)
e financeiro (com uma dívida estimada em R$ 80 milhões
no ano de 2000). A solução adotada foi a assinatura de um
contrato de licenciamento de marca, um modelo típico de
complementaridade de competências entre o Flamengo
(competência para gerir o departamento técnico) e a ISL
(competência para gerir o departamento de Marketing do
Flamengo) para tornar o negócio futebol mais eficiente e
lucrativo, agregando o lucro aos objetivos estratégicos da
nova organização resultante. No momento da pesquisa de
campo a parceria ainda era incipiente, já que havia sido
efetivada há poucos meses.
No caso do São Caetano, tais dinâmicas se resumem
à entrada de uma nova empresa (Datha Representações)
para gerir o negócio futebol do clube em forma de cogestão,
motivada principalmente pela vontade política de
seus dirigentes de tornar o clube vitorioso nacionalmente
com uma gestão responsável e profissional. Novamente,
aqui se observa a complementaridade de competências
para gerir o negócio futebol: a Datha participa da gestão
do departamento técnico de futebol (opinando sobre decisões
importantes e tendo o controle sobre tais operações)
e atua na captação de recursos por meio do Marketing
Esportivo (venda de placas de propaganda nos estádios,
patrocínio na camisa, etc.) para melhorar as receitas do
clube. No momento da pesquisa de campo a parceria já
operava e começava a mostrar seus resultados de 4 anos
de existência (ver Tabela 2).
Entender então o processo de mudança na gestão dos
clubes de futebol passa pelo entendimento das condicionantes
estruturais (as características da estrutura da
indústria e do negócio futebol) e dinâmicas (as mudanças
interempresariais) que os permeiam e que afetam o
processo de aprendizagem que envolve a concepção de
um modelo de gestão estratégica, este entendido como
um conjunto de competências organizacionais (políticas,
princípios de gestão e funções) interiorizados na organização
e que são derivados de uma visão estratégica.
3. A estrutura da indústria de futebol
Do ponto de vista econômico, os mercados produtores
e consumidores de espetáculos esportivos sofreram granTabela
2. Os resultados esportivos e financeiros da A. D. São Caetano de 1995 a 2000 (Fonte: Aidar et al., 2000).
Ano Receitas Totais
Líquidas em R$
Milhares
Despesas Totais
em R$ Milhares
Desempenho Esportivo
Campeonato Paulista Campeonato Brasileiro
Divisão Posição Divisão Posição
1995 870,00 900,00 A3 10 ** **
1996 2.280,00 2.230,00 A3 11 ** **
1997 1.660,00 1.730,00 A3 4 *** 2
1998 710,00 690,00 A3 1 C 2
1999 2.310,00 2.290,00 A2 4 B 5
2000 * * A2 1 A 2
* Os números finais não haviam sido apurados
** Não disputou competições pelo Campeonato Brasileiro
*** Disputou a seletiva para o Campeonato Brasileiro da série C
Mudanças Interempresariais
Horizontais: Fusões de clubes e empresas /
Licenciamento da marca do clube
Verticais:
Parcerias com vistas a tornar a
cadeia mais eficiente
Aprendizagem Estratégica
Aprendizagem Organizacional
Sistemas de informação para gestão e medição
de desempenho Estrutura e sistema administrativo
Função Técnica/Esportiva (categorias de base e
profissional) Funções de Marketing e oferta de serviços
aos consumidores Finanças e RH
Objetivos estratégicos: mercado de
torcedores/jogadores
Estratégias Funcionais: adotar novas formas de
relacionamento com torcedor
Figura 1.
Ciclos permanentes de aprendizagem e mudança
para a análise do processo de mudança na gestão
de clubes de futebol (Fonte: Leoncini, 2001).
16 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório
des transformações desde que os ingleses inventaram o
futebol moderno. Inicialmente o futebol moderno era
praticado pela elite inglesa, sendo considerado apenas
uma atividade cultural típica da burguesia. Na verdade,
o surgimento do mercado consumidor de espetáculos
esportivos não é um evento histórico, mas um processo
mais ligado à popularização de sua prática, conforme
Bourdieu (1983).
A popularização da prática cria as
bases para a consolidação da indústria do espetáculo de
futebol, ou seja, cria a demanda ou o gosto de assistir aos
jogos de futebol. Para Bourdieu (1983), os esportes ditos
populares também funcionam como espetáculos cujo interesse
dos consumidores se deve principalmente à participação
imaginária que a experiência passada de uma
prática real autoriza.
Para Ekelund (1998) foi a partir dos torcedores que
todos os outros clientes (TV, patrocinadores, etc.) surgiram.
“Quando você avalia economicamente um clube de
futebol, o seu valor (ou seja, sua capacidade de geração
de receitas) está na força (devoção) e distribuição desses
seus clientes principais: quantos torcedores o clube tem?
Qual é o retorno de um jogo em termos de audiência (tanto
no estádio quanto pela TV)? Quantas pessoas adoram
este clube e qual a intensidade desta devoção? Qual é a
expansão demográfica dos torcedores? Etc.”
No entanto, apesar de o torcedor representar o consumidor
final de espetáculos futebolísticos, existem outros agentes
consumidores importantes para os clubes de futebol: os
consumidores intermediários. Esses consumidores intermediários
utilizam os campeonatos, clubes e jogadores como
recursos, a mídia como instrumento de divulgação, a propaganda
como negócio, o comércio de mercadorias esportivas,
a construção da logomarca de um produto, tendo como
“cliente final” de toda essa estrutura o torcedor.
Ou seja, o
mercado de intermediários, agora como produtores (a TV, a
mídia e seus parceiros de negócio), operam para atender ao
mercado “consumidor” alvo, no caso do futebol, os torcedores.
A Figura 2 ilustra essa estrutura de relacionamento entre
mercados para os clubes de futebol.
Como pode ser percebido, existem clientes diferenciados
que fazem parte de mercados diferenciados. Resumidamente,
então, se tem a seguinte estrutura:
Mercado Produtor de “espetáculos futebolísticos”:
Organizações de Prática (Clubes) e de Administração do
Futebol (Ligas ou Federações e Confederações).
Mercado Consumidor: os torcedores são os consumidores
finais (indivíduos e famílias) que compram bens e
serviços para seu consumo pessoal.
Dentro desse mercado
atendido diretamente pelas organizações de futebol
observam-se atualmente duas operações básicas: 1) a
bilheteria (público que vai ao estádio) que é a operação
principal para este tipo de mercado, também denominado
mercado consumidor ativo (público que vai ao estádio);
o serviço (ou experiência proporcionada pelas atividades)
prestado nos estádios teoricamente produz uma
utilidade psicológica (ou nutrição psicológica, conforme
Taylor, 1998); e 2) o merchandising que é a venda, pelo
clube, de produtos com a sua marca; aqui a utilidade representa
uma satisfação ligada principalmente à simbologia
do produto físico ou serviço.
Neste caso, o que o
Mercado
Produtor
Clubes e
Federações =
empresas de
serviços
Mercado
Consumidor
Torcedores ou fãs
de futebol
Mercado
Intermediador de
Revenda
TV, empresas
licenciadas Empresas interessadas
no Marketing Esportivo
Mercado
Intermediador
Industrial
.
Figura 2.
Estrutura Integrada de Mercados para as organizações de futebol – a economia do mercado futebolístico
(Fonte: Aidar et al., 2000).
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 17
diferencia do licenciamento de produtos está no fato de
que o controle da operação de venda de tais produtos ou
serviços é estratégica para as organizações de futebol.
As formas com que os cubes tratam o mercado consumidor
variam de clube para clube e de país para país.
Os
clubes ingleses, obrigados pelo governo britânico a reformarem
muitos de seus estádios, após a crescente violência
nos estádios no final da década de 90 que culminou
com o massacre de torcedores em Hillsborough, são atualmente
os clubes que melhor exploram as receitas deste
mercado. Nos dias atuais, na Inglaterra, “ir assistir a um
jogo de futebol” pode ser o mesmo que ir a um shopping
center: a necessidade por segurança, limpeza, locais para
estacionamento, hospitalidade, etc, para os clientes, têm
sido um fator reconhecido e explorado, visando aumentar
a renda para os clubes. Vejamos um comparativo entre
três clubes de três países diferentes (Figura 3).
Nos
exemplos comparativos de três dos maiores detentores
de torcida nos seus respectivos países, vemos que para o
clube inglês, Manchester United, este mercado significa
65% de sua receita total. Para o clube italiano, Milan, este
mercado significa 40% e para o clube brasileiro, Flamengo,
significa apenas 18%.
Mercado Intermediador: este mercado é análogo ao
mercado de intermediários, descrito por Kotler (1995),
no sentido de que os clientes desse mercado compram
“serviços” (direitos de exploração e transmissão de jogos
e serviços de marketing esportivo) tendo em vista “revendê-los”
ao mercado de consumo.
Ele pode ainda ser
dividido em dois outros tipos de mercados: o Intermediador
Industrial, para o qual as operações ou atividades de
marketing esportivo prestadas pelas organizações esportivas
representam ou produzem uma maneira alternativa
de realização de seus objetivos de marketing (promoção,
publicidade, exposição na mídia, etc.); e o Intermediador
de Revenda, para o qual as operações ou atividades
prestadas pelas organizações esportivas (venda de direitos
de utilização dos campeonatos e da marca do clube
via transmissão dos jogos, via loteria esportiva e via
venda de produtos licenciados) representam transações
de intangíveis que são utilizados para produzirem novas
transações de serviços aos torcedores (transmissão dos
jogos via pay-per-view ou via TV aberta, venda de loteria
esportiva, venda de produtos licenciados) e demais interessados
(venda, pela mídia, de propaganda nos horários/
espaços dos jogos/eventos esportivos).
Ao se observar a Figura 2, nota-se que os dois mercados
de intermediários fazem parte da cadeia de produção
de usos do espetáculo esportivo. Junto com o que foi
chamado de mercado consumidor, esses três mercados
podem ser chamados, daqui para frente, de Mercado de
Torcedores, pois visam fundamentalmente esses agentes
que consomem o espetáculo esportivo. Já o mercado do
principal insumo usado neste processo de produção para
os clubes será chamado de Mercado de Jogadores. Ele
apresenta características diferenciadas dos mercados de
recursos humanos de outras indústrias.
A análise das leis
que regem o mercado de jogadores (o que se costuma chamar
aqui no Brasil de “leis do passe” e tudo o mais que
decorre das transferências de jogadores entre os times) não
será conduzida neste trabalho. O que importa aqui é perceber,
conforme Taylor (1998), que os jogadores (ou os
contratos / vínculos dos jogadores com os clubes/empresários
FIFA) representam ativos intangíveis de alto valor,
pois são estes “insumos” que fazem o espetáculo.
Conforme Szymanski e Kuypers (1999), o futebol é um
produto (o entretenimento de um jogo de futebol) fornecido
por trabalhadores (jogadores e comissão técnica) usando
terra (campos), construções (estádios) e equipamento
(bolas, chuteiras, etc.) numa competição e por meio de cooperação
com os rivais. Essa definição do produto futebol
ressalta que o sistema de produção do espetáculo só pode
existir por meio da cooperação entre os clubes que competem
por títulos esportivos.
No jargão econômico, os competidores
na indústria esportiva, como a do futebol, são
também complementares no processo de produção. Daí
surgiu, desde os primórdios do esporte moderno, a necessidade
de uma entidade em forma de liga que coordenasse
os clubes e se encarregasse das regras.
Pode-se considerar, acrescentando as noções de mercado
de jogadores e a de cooperação, e aproveitando a
estrutura mostrada na Figura 2, que a estrutura da cadeia
produtiva da indústria de futebol pode ser representada
pela Figura 4. Portanto, a Figura 4 mostra que os clubes-empresas
fazem parte de uma cadeia produtiva com0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Flamengo Manchester Milan
Bilheteria
Direitos de TV
Patrocínio
Merchandising
Venda de Jogadores
Sócios e Outros*
Figura 3.
Comparativo da porcentagem de cada tipo de
receita gerada por três clubes (Fonte: Booz-allen & Hamilton,
1999).
18 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório
plexa, que tem nos eventos / jogos de futebol o produto
principal dessa cadeia.
4. O negócio futebol para os clubes
O negócio ou a lógica micro-econômica dos clubesempresas
no contexto da indústria do futebol representa o
terreno onde as dinâmicas do processo de mudança (ilustradas
na Figura 1) acontecem.
A primeira premissa micro-econômica se relaciona à
natureza da demanda pelo produto futebol. Neste ponto,
a análise de Kim (1997), tratando da direção futura da
organização do futebol profissional na área da administração
da entrega da qualidade de serviço, se torna útil
para a análise da evolução do produto básico dos clubes:
o “jogo de futebol”.
Ele argumenta que a provisão de serviços esportivos
de sucesso requer um entendimento das dimensões da
qualidade da entrega do serviço (jogo de futebol) para
atender às expectativas do espectador (consumidor ativo):
os fatores associados ao resultado do evento (jogo) e
os fatores de administração do evento.
Enquanto, para os
clubes individualmente, os fatores associados ao resultado
do evento (principalmente as vitórias do time) sempre
foram os principais fatores relacionados à satisfação e ao
aumento (a longo prazo) dos chamados torcedores fiéis,
a transformação ou a transição no perfil dos espectadores
esportivos dentro dos estádios tem aumentado a importância
dos fatores associados às condições do estádio, ou
seja, ao que Kim (1997) chamou de fatores associados à
administração do evento.
Uma outra premissa, que também afeta o desempenho
do produto futebol para os clubes, está relacionada à lógica
do processo produtivo de suas ofertas: a necessidade
de cooperação com os rivais, que leva à necessidade de
equilíbrio competitivo numa certa competição esportiva,
sendo, portanto, um fator relacionado ao resultado do
evento.
Como diz o presidente do Manchester United,
Martin Edwards, apud Fynn e Guest (1998), a força de
um campeonato é a força de seu time mais fraco. Se por
vários anos o mesmo time for campeão sem disputa acirrada,
o torcedor perderá o interesse pelo futebol. Desta
forma, a lógica da concorrência no mercado futebol é diferente
da lógica dos outros mercados. Os rivais são peça
fundamental para o sucesso do clube individualmente.
Outra questão fundamental, que complementa o pano
de fundo micro-econômico para o clube, é a questão do
significado de sucesso nessa indústria e os fatores que os
explicam.
Definir o que significa sucesso em uma organização
depende fundamentalmente da opinião e do poder que
cada stakeholder (os principais interessados nos resultados
da organização) tem para fazê-lo.
Para o caso dos clubes de futebol, conforme Leoncini
(2001), por natureza, eles são organizações que necessitam
administrar um trade-off fundamental de desempenho:
desempenho esportivo (vitórias) vs. desempenho
financeiro (lucros / equilíbrio).
O Desempenho Esportivo é o desempenho do time no
campeonato ou competição sendo disputada, que pode
ser, de maneira geral, medido pela posição ocupada nesta
competição (primeiro lugar, segundo lugar,...).
Os fatoProduto
Principal:
Jogos de
futebol
Clubes
Função Principal:
Competir por
Títulos
Ligas
Função Principal:
Organizar
Competições
Principais
Bilheteria, venda de direitos de
transmissão, etc.
Secundário
negociações de jogadores
Estrutura Integrada de MERCADOS
CONSUMIDORES de
Espetáculos Esportivos
MERCADO DE JOGADORES para os
Espetáculos Esportivos
s u b p r o d u t o s
insumos
Técnico
Centro de
Treinamento
JOGADORES
insumos
Clubes
Árbitros
Regras
Figura 4. Estrutura da Cadeia Produtiva na Indústria de Futebol (Fonte: Elaborada pelos autores).
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 19
res internos ao clube que o influenciam se restringem à
competência do seu departamento técnico (treinadores,
preparadores físicos, jogadores, etc.).
O Lucro operacional
ou desempenho financeiro do clube em determinado
período é a diferença entre a soma das receitas geradas
pelo mercado de torcedores, e a soma de suas despesas
com salários de jogadores, estádios, equipamentos, enfim,
com seus recursos fundamentais. As operações de
compra e venda de jogadores podem ser consideradas
operações de investimento.
Mas como tal desempenho financeiro pode ser influenciado?
Para a análise da equação do lucro do negócio futebol
do ponto de vista dos clubes, é necessário definir o clube
como um agente econômico gerador de custos e receitas:
• Custos Principais - Gasto com salários: o gasto do clube
com salários, principalmente do departamento técnico
(treinadores, jogadores, preparadores, psicólogos, etc.).
Esses gastos representam a maior parte das despesas de
um clube de futebol (Jefferson Slack, em reportagem
na Gazeta Mercantil – Caderno Empresas & Carreiras,
sexta-feira, 27, e Sábado, 28 de Agosto de 1999 –, vicepresidente
da The Muller Sports Group, empresa que
cuidava das Políticas Estratégicas da parceria Corinthians
/ Hicks Muse, afirmou que os custos do futebol se
restringem basicamente aos gastos com salários, contratações
e prêmios dos profissionais); e
• Receitas geradas: total de receitas geradas pelo clube por
meio da exploração do mercado de torcedores (venda de
direitos de TV, bilheteria, patrocínio de camisa, patrocínio
de material esportivo, e venda de produtos licenciados).
Esses fatores representam as variáveis básicas que
compõem a equação do lucro para um clube.
Ou seja, o
resultado do clube em cada fator ou variável mencionada
acima determinará, em última instância, seu resultado financeiro.
Assim, a questão que se coloca a seguir é: como
tais variáveis se relacionam e que fatores são críticos para
o sucesso financeiro de um clube?
Após concluírem que o lucro nunca foi consistente para
os clubes ingleses, Szymanski e Kuypers (1999) procuraram
analisar como a busca pelo desempenho esportivo,
outro propósito fundamental de um clube, poderia estar
influenciando a lógica do negócio. Para isso eles analisaram
dois relacionamentos fundamentais.
O primeiro olhou
o desempenho esportivo (medido pela posição ao final da
Competição) em relação ao gasto do clube com salários
de jogadores. O segundo explorou o relacionamento entre
geração de receitas e desempenho esportivo.
Tais estudos sugerem a existência de correlações significativas
e diretamente proporcionais entre desempenho
esportivo e gasto com salários e entre desempenho
esportivo e geração de receitas no mercado de torcedores.
Em outras palavras, isto quer dizer que, embora um time
“caro” nem sempre vença um time “barato”, a longo prazo
e a médio, o relacionamento entre gasto com salários e
desempenho no Campeonato é bastante significativo.
Do
mesmo modo, times mais vitoriosos a longo prazo provavelmente
atrairão maiores receitas. Tradicionalmente,
esta característica do negócio futebol tem feito com que
a maioria dos dirigentes invista recursos significativos na
montagem de um bom time, para que o resultado esportivo
venha acompanhado do aumento de suas receitas.
O que aconteceu no Brasil foi que a única preocupação
dos dirigentes sempre foi com a montagem desse grande
elenco, com despesas (salários) e investimentos (contratações)
exorbitantes e pouca preocupação com a geração
de receitas que tal time pode gerar no mercado de torcedores.
Logo, o desempenho esportivo, a exploração
eficaz do mercado de torcedores e o controle da folha
salarial são fatores fundamentais para explicar a lógica
do negócio para um clube de futebol.
Considerando-se o lucro para um clube como a parcela
que sobra das receitas (provenientes do mercado
de “torcedores”) após se apurarem os custos relacionados
às suas atividades principais (proveniente dos gastos
dos clubes com os fatores de mercado – manutenção de
estádios, pessoal de contato com clientes, etc. – e com
os fatores esportivos – jogadores, técnicos, preparadores
físicos, etc.), a Figura 5 pode ser usada para ilustrar a
lógica do negócio para um clube de futebol.
5. Escolhas estratégicas e estrutura de
operações dos clubes
Depois das análises das condicionantes estruturais da
indústria de futebol, que formam as regras do jogo competitivo
para os clubes de futebol, estes entendidos como
empresas de serviço, a abordagem de Heskett et al. (1990)
sobre gestão de serviços pode ser usada para entender a
concepção do modelo de gestão estratégica dessas empresas
diferenciadas de serviços, ou seja, suas escolhas
estratégicas e estrutura de operações.
Conforme Heskett et al. (1990), a visão estratégica
de serviços é a forma abrangente e sistêmica com que
empresas bem sucedidas vêem e conduzem seus negócios.
Essas empresas, chamadas de revolucionárias pelo
autor, definem os elementos básicos da visão estratégica:
mercados-alvo, conceito de serviço, estratégia operacional
e sistema de prestação de serviço.
E integram esses
elementos, o que significa a formação de competências
dentro da empresa, já que implicam tomadas de decisão
que respondem a questões do tipo “como fazer”.
Tal integração ou desenvolvimento de competência se
dá em três níveis organizacionais: o primeiro, no nível
das estratégias competitivas, por meio do posicionamento
estratégico que é o processo pelo qual todos os aspectos
da visão estratégica (mercados-alvo, conceito do
serviço, estratégias de operações e sistemas de prestação
20 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório
de serviços) são projetados e gerenciados em relação às
necessidades dos consumidores e às possibilidades dos
concorrentes.
Assim, o posicionamento estratégico do
clube implica, em última instância, a escolha do mercado
em que ele irá competir. Como foi descrito anteriormente,
existem dois tipos básicos de mercados operando na
indústria de futebol: o mercado de torcedores e o de jogadores.
A Figura 3 mostrou que os clubes brasileiros, como
o Flamengo, detentor da maior torcida no Brasil, está mais
voltado ao mercado de jogadores, que representa cerca de
30% de sua receita, contra 5% do Manchester.
O segundo, no nível da formulação da estratégia de negócio,
é um processo de aprendizagem que busca identificar
os parâmetros determinantes do lucro que compõem
a estratégia de operações, por meio de um conceito de
alavancagem de valor sobre custos: como alcançar alta
qualidade (esta entendida como resultados esperados pelos
consumidores) a baixo custo? Nesse caso, as leis do
negócio futebol mostraram a importância do desempenho
esportivo (posição do time na competição), dos fatores ligados
à administração dos eventos (chamados de fatores
de serviço ao torcedor) e do gasto com a folha salarial do
time. Logicamente, a escolha do mercado-alvo determinará
que fatores devem ser privilegiados.
E o terceiro, no nível da integração entre as estratégias
e o sistema operacional, é um conjunto de competências
funcionais que buscam tornar coerente a estratégia e o
sistema de prestação de serviço partindo-se da premissa
de que este é conceituado como uma oportunidade de aumentar
e controlar a qualidade dos resultados obtidos pelos
clientes: como selecionar, desenvolver, motivar, controlar
o pessoal e projetar as instalações, os equipamentos, os
procedimentos, etc? Nesse caso, a eleição e o desenvolvimento
das competências principais dependerá das escolhas
estratégicas que o clube faz. Ao mesmo tempo, tais
desenvolvimentos fazem emergir novas estratégias, num
círculo virtuoso que pode variar de um clube para outro.
No caso do Manchester United que, segundo seu diretor
Freedman, revolucionou a lucratividade do clube depois
de focalizar seus serviços no mercado de torcedores, os
investimentos nas instalações do estádio visando facilitar
e melhorar a qualidade do serviço ao torcedor bem como
os investimentos (contratações) e despesas (salários) com
jogadores para manter um time vencedor, são ações na
direção de um sistema operacional adequado à estratégia
do negócio futebol para o clube.
Com relação à nova visão estratégica para orientar o
negócio, no caso do Flamengo, a nova organização resultante
da parceria assume que o mercado-alvo do negócio
futebol passa a ser o mercado de torcedores e sócios do
clube.
O conceito de serviço, em termos de resultados
esperados por este mercado está relacionado à atividade
do lazer e entretenimento, com um forte componente
emocional (paixão pelo clube) que envolve este tipo de
cliente. Neste caso, tais resultados esperados estão ligados
à experiência diferenciada que o jogo de futebol pode
proporcionar, tais como emoção, conforto, alívio de estresse,
vitória do time, etc.
A estratégia do departamento técnico da parceria busca
dar ênfase à definição de metas ambiciosas para as aspirações
esportivas do clube (conquistar títulos).
Na gestão
do Marketing pela ISL, a estratégia é fornecer um tratamento
diferenciado e focalizado na melhoria dos serviços
(fatores mercadológicos) aos torcedores e sócios nos estádios
e clubes. A alavancagem do lucro pela organização
começa pelo controle sobre o gasto com a folha salarial
do time, teoricamente praticado por meio da imposição
pelo parceiro de um orçamento anual fechado (na prática,
tal estratégia não funcionou, pois o clube permaneceu
com independência para administrar o dinheiro que
o parceiro pagava para administrar a marca Flamengo).
Com relação à integração “estratégia - sistema de prestaFatores
Esportivos:
- Talento dos
jogadores;
- Talento da comissão
técnica;
Fatores de Mercado:
- Condições nos estádios
- Relacionamento com os
diferentes consumidores
Satisfação do
Mercado Consumidor
Receitas
($$)
Custos
Principais
($$)
Custos ($$)
Âmbito
Cooperativo
(Gestão do
Campeonato)
Performance
Financeira
Performance
Esportiva
Figura
5. A equação do lucro para os clubes de futebol (Fonte: adaptado de Leoncini, 2001).
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 21
ção dos serviços”, ou seja, ao que chamamos de estruturas
ou sistemas de operações do clube, tais questões não
puderam ser exploradas a contento.
No caso do São Caetano, a nova organização assume
que o mercado-alvo do negócio futebol passa a ser
o mercado de jogadores a médio prazo. O conceito de
serviço, em termos de resultados esperados pelo mercado-alvo
está relacionado à atividade de desenvolvimento
de talentos, ou seja, uma atividade típica de capacitação
de recursos humanos.
Neste caso, o bom desempenho esportivo
do time caracteriza o conceito de serviço, pois o
desempenho da equipe potencializa e mostra as competências
individuais dos jogadores, estes que são os próprios
“objetos” de desejo do mercado-alvo.
A estratégia do departamento técnico busca a ascensão
esportiva às principais divisões do futebol brasileiro,
sendo o desempenho esportivo considerado o principal
fator para o oferecimento do serviço prometido.
Na gestão
do Marketing pela Datha, a estratégia é a ênfase no
marketing esportivo para auxiliar na manutenção de um
equilíbrio financeiro que garanta a operação do negócio
futebol (despesas com categorias de base e do departamento
profissional). A alavancagem do lucro ou do equilíbrio
financeiro pela organização começa pelo controle
sobre o gasto com a folha salarial do time.
Há também
uma preocupação com as formas de tratamento e de recompensa
dadas aos jogadores (pagamento em dia e rigorosamente
de acordo com o prometido), o que ajuda
a melhorar o comprometimento dos jogadores com as
metas de desempenho esportivo.
Além disso, o planejamento
a longo prazo por parte da diretoria permite que se
verifiquem situações mais estáveis e seguras de trabalho
(manutenção de um time base, de um treinador por tempo
maior que a média dos outros clubes, etc.). Com relação
à integração “estratégia - sistema de prestação dos serviços”,
ou seja, ao que chamamos de estruturas ou sistemas
de operações do clube, tais questões não puderam
ser exploradas a contento. A Tabela 2 ilustra os números
da parceria até 2000 e mostra também como receitas e
despesas são controladas.
6. Conclusões e recomendações de
pesquisa
O resultado deste trabalho nos permite uma visão mais
clara do negócio futebol como um sistema de produção
para os clubes, apesar das poucas informações esclarecedoras
sobre o funcionamento das operações de negócio,
como os números gerados por cada sistema de operação
para um clube (bilheteria, patrocínio principal, negociação
de jogadores, etc.). Além disso, permite que se perceba
as principais condicionantes estratégicas da indústria
de futebol que influenciam a concepção do modelo de
gestão de um clube de futebol atualmente.
Os dois estudos de caso realizados por Leonêncio em
2000 corroboraram tais percepções e mostraram o caráter
incipiente da mudança na gestão de clubes de futebol no
Brasil, o que não impediu a descoberta de alguns princípios
de gestão já consolidados (Ver Tabela 3). Porém,
tendo em vista os objetivos iniciais deste artigo, algumas
considerações finais sobre as variáveis e conceitos desenvolvidos
se fazem necessárias para uma apreciação mais
sintética dos resultados desse trabalho.
A estrutura e a lógica do negócio futebol representam
o pano de fundo micro-econômico para a atuação dos
clubes de futebol e são condicionantes estruturais diferenciadas
e mais complexas do que a de outros setores
econômicos mais tradicionais. Por exemplo, a caracterização
da cadeia de produção da indústria de futebol,
com seus vários agentes interdependentes e com interesses
muitas vezes conflitantes, representa uma das principais
condicionantes dessa indústria. Se, por um lado,
os torcedores ou o mercado de torcedores gostariam que
alguns jogadores permanecessem no “seu” clube por bastante
tempo, por outro, empresários de jogadores lucrariam
mais a curto prazo com a transferência deste mesmo
jogador para outro clube. Assim, o estabelecimento de
políticas e diretrizes a longo prazo dentro da indústria
estará sempre condicionado por tais características. Outro
aspecto importante deste cenário é a importância do
âmbito cooperativo dos clubes de futebol.
Dentro deste contexto, as principais mudanças intermarriages ocorridas até agora na indústria se resumiram
a mudanças horizontais, resultando em parcerias entre
clubes e empresas investidoras que visavam principalmente
tornar o negócio dos clubes lucrativo pela complementaridade
de competências e aumento de receitas (Corinthians
e Hicks Muse, Flamengo e ISL, Cruzeiro e Hicks, etc.).
Contudo, apesar de algumas dessas mudanças apontarem
para a consolidação da indústria do futebol como uma indústria
de entretenimento, cujo principal produto é o espetáculo
futebolístico e não o “jogador brasileiro”, mudanças
verticais e estruturais ainda são necessárias, como a consolidação
desta visão estratégica para o negócio futebol no
Brasil, dirigida por uma cooperação efetiva entre clubes.
Já as principais variáveis e premissas de gestão estratégica
para um clube de futebol puderam ser observadas
nos dois estudos de caso. A primeira, qual seja a própria
visão estratégica para o negócio do clube, indica que os
funcionamentos paralelos dos mercados de torcedores e
jogadores obrigam os clubes a priorizarem um em detrimento
do outro. Esta priorização direciona então os
esforços do clube para o estabelecimento de metas financeiras
e esportivas e o desenvolvimento de competências
organizacionais. Por exemplo, no caso do Flamengo, o
lucro passa a ser um de seus principais objetivos estratégicos.
Assim, o bom desempenho esportivo e a melhoria
22 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório
das condições dos serviços aos torcedores passam a ser
fatores críticos para a satisfação do mercado-alvo e conseqüentemente
para a melhoria na geração de receitas.
Além disso, o controle da folha salarial é outro aspecto
importante para a realização do lucro esperado.
Do ponto de vista do desenvolvimento de novas pesquisas
relacionadas ao entendimento do negócio futebol
e à gestão estratégica de clubes de futebol, também é evidente
o enorme campo que se vislumbra para esse novo
setor da indústria do entretenimento como, por exemplo,
nas áreas de gestão econômico-financeira, marketing de
serviços, etc.
Já no campo das ciências do esporte, notase
que a questão do desempenho esportivo assume papel
preponderante dentro da lógica do negócio futebol e também
deve merecer atenção cada vez maior de pesquisadores
e profissionais.
Tabela 3. O processo de mudança no modelo de gestão de dois clubes brasileiros (Fonte: adaptado de Leoncini,
2001).
Flamengo São Caetano
Dinâmicas Internas à Indústria
do Futebol
Dinâmicas de Contexto Ineficácia Esportiva e Financeira
dos antigos dirigentes;
Vontade Política de Profissionalizar
a gestão e de tornar o clube
vitorioso nacionalmente
Dinâmicas Interempresariais
(Novas Parcerias)
Horizontal (complem. de
competências): licenciamento
da marca pelo novo
parceiro
Horizontal (complem. de
competências): assinatura de um
contrato de co-gestão
Novo Posicionamento Estratégico
(mercado-alvo)
Mercado de torcedores e
sócios: o evento-jogo de
futebol é considerado um
serviço de lazer e entretenimento
para o mercado
Mercado de jogadores: o eventojogo
de futebol é considerado
um mecanismo para desenvolver
talentos
Escolhas Estratégicas Fatores Críticos para o sucesso
do Negócio
O desempenho esportivo
(conquistar títulos), o foco
em serviços, e o controle
sobre a folha salarial são
elementos chave para a
lucratividade
O desempenho esportivo (conquistar
títulos) e o controle sobre
a folha salarial são elementos
chave para a lucratividade/equilíbrio
Estruturas ou Sistemas de
Operações
Voltadas para o Mercado de
Torcedores
- -
Voltadas para o Mercado de
Jogadores
- -
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