domingo, 30 de setembro de 2018

ENTENDENDO O FUTEBOL COMO UM NEGÓCIO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO



ENTENDENDO O FUTEBOL COMO UM NEGÓCIO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO


 Marvio Pereira Leoncini Curso de Graduação em Educação Física, Faculdades Integradas Stella Maris Andradina, Rua Amazonas, 571, CEP 16901-160, Andradina, SP, e-mail: leoncini@usp.br; marvio.pereira@itelefonica.com.br Márcia Terra da Silva Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da USP, Av. Prof. Almeida Prado, 128, trav. 2, Edifício José Otávio Monteiro de Camargo, CEP 05508-070, Cidade Universitária, São Paulo, SP, e-mail: mtdsilva@usp.br Recebido em 04/9/2003 Aceito em 08/12/2004 

Resumo 

Este trabalho de natureza exploratória trata do desenvolvimento de um modelo de análise que explique o processo de profissionalização na gestão de clubes de futebol. O modelo de análise não contempla variáveis políticas que são uma parte importante do âmbito de atuação dos clubes, contudo está pautado nos conceitos de aprendizagem sistêmica, usados para compreender as mudanças organizacionais. Como contribuição teórica, o modelo aponta as principais características estruturais da indústria do futebol, além de indicar alguns princípios de gestão aplicáveis aos clubes como empresas de serviços. Ao final, a comparação do modelo desenvolvido com dois estudos de caso tem como objetivos básicos a identificação de princípios de gestão já interiorizados nos clubes pesquisados e o teste da coerência interna do modelo. 

Palavras-chave: futebol, cadeia de valor, mudança organizacional, estratégia de operações, administração de serviços. v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 

1. Introdução 

O futebol mundial é hoje um grande negócio. De acordo com o relatório final do Plano de Modernização do Futebol Brasileiro (2000) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que inclui os agentes diretos, como clubes e federações, e indiretos, como indústrias de equipamentos esportivos e a mídia, o futebol mundial movimenta, em média, cerca de 250 bilhões de dólares anuais. No Brasil, dados desse mesmo relatório mostram que o futebol é uma atividade econômica com grande capacidade de gerar empregos, e tem efeito multiplicador maio

Do ponto de vista do desenvolvimento de novas pesquisas relacionadas ao entendimento do negócio futebol e à gestão estratégica de clubes de futebol, também é evidente o enorme campo que se vislumbra para esse novo setor da indústria do entretenimento como, por exemplo, nas áreas de gestão econômico-financeira, marketing de serviços, etc. Já no campo das ciências do esporte, notase que a questão do desempenho esportivo assume papel preponderante dentro da lógica do negócio futebol e também deve merecer atenção cada vez maior de pesquisadores e profissionais. Tabela 3. 

O processo de mudança no modelo de gestão de dois clubes brasileiros (Fonte: adaptado de Leoncini, 2001). Flamengo São Caetano Dinâmicas Internas à Indústria do Futebol Dinâmicas de Contexto Ineficácia Esportiva e Financeira dos antigos dirigentes; Vontade Política de Profissionalizar a gestão e de tornar o clube vitorioso nacionalmente Dinâmicas Interempresariais (Novas Parcerias) Horizontal (complem. de competências): licenciamento da marca ikmunovo parceiro Horizontal (complem. de competências): assinatura de um contrato de co-gestão Novo Posicionamento Estratégico (mercado-alvo) Mercado de torcedores e sócios: o evento-jogo de futebol é considerado um serviço de lazer e entretenimento para o mercado Mercado de jogadores: o 

Sage Publications, Califórnia, 1994. ZARIFIAN, P.; SALERNO, M. S. Organização e produção industrial de serviços. Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP, Departamento de Engenharia de Produção, BT/PRO/041; São Paulo, EPUSP, 7p., 1997s entrevistas semi-estruturadas foram realizadas no ano de 2000, com dirigentes e parceiros de dois clubes 14 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório brasileiros, Flamengo e São Caetano, escolhidos como casos típicos de estratégias operacionais distintas. 

No caso do Flamengo, a entrevista foi usada como a principal fonte de informação (no entanto, uma fita de vídeo, usada durante a apresentação da proposta de parceria perante o Conselho Deliberativo do Clube, também é uma fonte de informação documental importante). A entrevista foi agendada com o diretor da Pelé Sports & Marketing (PS&M – que foi a empresa que intermediou a parceria entre o Clube e o Investidor). No caso do São Caetano, foram agendadas e conduzidas entrevistas com o Presidente em exercício e o Gerente Administrativo do Clube. 

As entrevistas foram usadas como as principais fontes de informação. Outras fontes, como cópias dos contratos e boletins informativos também foram usadas como fontes alternativas. 2. O processo de mudança na gestão de clubes como referencial teórico para o entendimento do negócio futebol De acordo com Edward Freedman (in: Jornal Administrador Profissional, Ano XXVII – nº. 213, Março de 2004), o responsável pelo marketing do Manchester United da Inglaterra, “os clubes brasileiros precisam de profissionais especializados, que entendam o mercado e saibam otimizar as oportunidades comerciais”. 

Além disso, Freedman disse que, embora a prática do esporte seja a função principal de um clube, é preciso que as áreas administrativas sejam consideradas partes da estrutura esportiva, para poder gerar receitas com o sucesso do time. As declarações de Freedman poderiam ter sido feitas em meados dos anos 90, no início do processo de mudança ocorrido no âmago da indústria do futebol brasileiro, por meio do estabelecimento dos contratos de parceria entre clubes e empresas para a gestão comercial dos clubes. No entanto, ela ocorre cerca de três anos após a maioria dos contratos já terem sido desfeitos, antes mesmo de seu término. Fazem parte deste universo, empresas que aportaram recursos nos clubes com os mais variados interesses. 

Desde empresas especializadas em marketing esportivo ou envolvidas com investimentos no setor de mídia e entretenimento, como as parcerias entre Corinthians e Hicks Muse Tate & Furst e entre Flamengo e a International Sports Leisure (ISL), até empresas interessadas em atuar no mercado de compra e venda de jogadores, como as parcerias entre a A. D. São Caetano e a Datha Representações e até mesmo entre Palmeiras e Parmalat (apesar dos objetivos de marketing esportivo serem os motivadores desta parceria pelo lado da empresa). 

Assim, a década de 90 assistiu a uma série de mudanças na administração do futebol, pelo estabelecimento de contratos de parceria entre clubes e empresas para a gestão comercial dos clubes. A maioria dessas parcerias foi desfeita antes do término do contrato. Essas mudanças foram motivadas por certas percepções sobre o potencial do futebol como negócio, dentro de uma racionalidade que chamamos de econômica. As razões para o término das parcerias, motivadas por interesses diversos, não são objeto deste trabalho, mas sim o entendimento dos princípios econômicos que nortearam as parcerias e expuseram os clubes de futebol como empresas e seus negócios como sistemas de produção. 

Segundo Fleury e Fleury (2000), para compreender o processo de mudanças por que passam as empresas, três percepções conceituais devem ser observadas: • a primeira implica ultrapassar uma visão estática da realidade, assumindo o movimento dos processos em curso, por meio da identificação dos principais atores envolvidos (caracterização da cadeia produtiva, suas interfaces e mecanismos de coordenação), seus objetivos (propósitos fundamentais), processos de interação (características gerais do processo produtivo e fatores e funções críticas para a competitividade) e indicadores de desempenho; este tipo de caracterização fornece uma visão clara da estrutura da indústria e do negócio; • a segunda implica trabalhar o conceito de competência associado à estratégia empresarial. 

Nesse raciocínio, a empresa, situada em um arranjo produtivo qualquer, define sua estratégia e as competências necessárias para implementá-la num processo de aprendizagem permanente que é antes um círculo virtuoso que uma hierarquia de mão única; e • a terceira implica adotar uma abordagem sistêmica com relação às dinâmicas decorrentes de tal processo de aprendizagem, conforme Fleury e Fleury (2000, p. 41): “o processo de aprendizagem que cada empresa estrutura...... gera dinâmicas de mudança internas à empresa, entre as empresas e entre grupos de empresas”. 

O objeto de análise para a aplicação dos conceitos acima é o processo de mudança na gestão do clube e sua inserção na indústria do futebol. Tal foco de análise pode ser caracterizado e definido por meio da noção de ciclos permanentes de aprendizagem e mudança nas diferentes atividades empresariais de tal indústria, ilustrados na Figura 1. As mudanças ou dinâmicas interempresariais são dinâmicas internas à indústria do futebol que podem ser decorrentes de mudanças horizontais ou verticais. 

As mudanças horizontais implicam criação de novas relações interempresariais que buscam otimizar a participação das organizações em mercados existentes ou potenciais, principalmente pela complementaridade de competências, de acordo com suas estratégias a longo prazo: o licenciamento da marca de um clube para um novo agente tem como finalidade aumentar a participação da “nova empresa” no mercado de torcedores, criando e agregando novos conceitos de produtos e serviços ao mercado de GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 15 torcedores. As mudanças verticais implicam a criação de novas relações interempresariais que buscam reestruturar a cadeia ou indústria, tendo em vista torná-la mais eficiente: como a criação de parcerias com empresas de venda de ingressos pela internet, que buscam otimizar a distribuição dos ingressos. 

As aprendizagens estratégica e organizacional determinam o modelo de gestão adotado por uma organização num determinado momento. Nesta abordagem, tais aprendizagens, apesar da sua natureza dinâmica, são percebidas como visões de negócio e competências já interiorizadas pela organização ou pelos seus dirigentes. No caso do processo de mudança do modelo de gestão do Flamengo, duas dinâmicas complementares puderam ser observadas: a ineficácia do modelo de gestão adotado até então pelo clube e a solução adotada pela diretoria para enfrentar tal ineficácia. 

A ineficácia do modelo de gestão do clube pôde ser medida pelos seus desempenhos esportivo (sem conquistas importantes nos últimos anos) e financeiro (com uma dívida estimada em R$ 80 milhões no ano de 2000). A solução adotada foi a assinatura de um contrato de licenciamento de marca, um modelo típico de complementaridade de competências entre o Flamengo (competência para gerir o departamento técnico) e a ISL (competência para gerir o departamento de Marketing do Flamengo) para tornar o negócio futebol mais eficiente e lucrativo, agregando o lucro aos objetivos estratégicos da nova organização resultante. No momento da pesquisa de campo a parceria ainda era incipiente, já que havia sido efetivada há poucos meses. 

No caso do São Caetano, tais dinâmicas se resumem à entrada de uma nova empresa (Datha Representações) para gerir o negócio futebol do clube em forma de cogestão, motivada principalmente pela vontade política de seus dirigentes de tornar o clube vitorioso nacionalmente com uma gestão responsável e profissional. Novamente, aqui se observa a complementaridade de competências para gerir o negócio futebol: a Datha participa da gestão do departamento técnico de futebol (opinando sobre decisões importantes e tendo o controle sobre tais operações) e atua na captação de recursos por meio do Marketing Esportivo (venda de placas de propaganda nos estádios, patrocínio na camisa, etc.) para melhorar as receitas do clube. No momento da pesquisa de campo a parceria já operava e começava a mostrar seus resultados de 4 anos de existência (ver Tabela 2). 

Entender então o processo de mudança na gestão dos clubes de futebol passa pelo entendimento das condicionantes estruturais (as características da estrutura da indústria e do negócio futebol) e dinâmicas (as mudanças interempresariais) que os permeiam e que afetam o processo de aprendizagem que envolve a concepção de um modelo de gestão estratégica, este entendido como um conjunto de competências organizacionais (políticas, princípios de gestão e funções) interiorizados na organização e que são derivados de uma visão estratégica. 

3. A estrutura da indústria de futebol Do ponto de vista econômico, os mercados produtores e consumidores de espetáculos esportivos sofreram granTabela 2. Os resultados esportivos e financeiros da A. D. São Caetano de 1995 a 2000 (Fonte: Aidar et al., 2000). Ano Receitas Totais Líquidas em R$ Milhares Despesas Totais em R$ Milhares Desempenho Esportivo Campeonato Paulista Campeonato Brasileiro Divisão Posição Divisão Posição 1995 870,00 900,00 A3 10 ** ** 1996 2.280,00 2.230,00 A3 11 ** ** 1997 1.660,00 1.730,00 A3 4 *** 2 1998 710,00 690,00 A3 1 C 2 1999 2.310,00 2.290,00 A2 4 B 5 2000 * * A2 1 A 2 * Os números finais não haviam sido apurados ** Não disputou competições pelo Campeonato Brasileiro *** Disputou a seletiva para o Campeonato Brasileiro da série C Mudanças Interempresariais Horizontais: Fusões de clubes e empresas / Licenciamento da marca do clube Verticais: 

Parcerias com vistas a tornar a cadeia mais eficiente Aprendizagem Estratégica Aprendizagem Organizacional Sistemas de informação para gestão e medição de desempenho Estrutura e sistema administrativo Função Técnica/Esportiva (categorias de base e profissional) Funções de Marketing e oferta de serviços aos consumidores Finanças e RH Objetivos estratégicos: mercado de torcedores/jogadores Estratégias Funcionais: adotar novas formas de relacionamento com torcedor Figura 1. 

Ciclos permanentes de aprendizagem e mudança para a análise do processo de mudança na gestão de clubes de futebol (Fonte: Leoncini, 2001). 16 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório des transformações desde que os ingleses inventaram o futebol moderno. Inicialmente o futebol moderno era praticado pela elite inglesa, sendo considerado apenas uma atividade cultural típica da burguesia. Na verdade, o surgimento do mercado consumidor de espetáculos esportivos não é um evento histórico, mas um processo mais ligado à popularização de sua prática, conforme Bourdieu (1983).

 A popularização da prática cria as bases para a consolidação da indústria do espetáculo de futebol, ou seja, cria a demanda ou o gosto de assistir aos jogos de futebol. Para Bourdieu (1983), os esportes ditos populares também funcionam como espetáculos cujo interesse dos consumidores se deve principalmente à participação imaginária que a experiência passada de uma prática real autoriza. 

Para Ekelund (1998) foi a partir dos torcedores que todos os outros clientes (TV, patrocinadores, etc.) surgiram. “Quando você avalia economicamente um clube de futebol, o seu valor (ou seja, sua capacidade de geração de receitas) está na força (devoção) e distribuição desses seus clientes principais: quantos torcedores o clube tem? Qual é o retorno de um jogo em termos de audiência (tanto no estádio quanto pela TV)? Quantas pessoas adoram este clube e qual a intensidade desta devoção? Qual é a expansão demográfica dos torcedores? Etc.” 

No entanto, apesar de o torcedor representar o consumidor final de espetáculos futebolísticos, existem outros agentes consumidores importantes para os clubes de futebol: os consumidores intermediários. Esses consumidores intermediários utilizam os campeonatos, clubes e jogadores como recursos, a mídia como instrumento de divulgação, a propaganda como negócio, o comércio de mercadorias esportivas, a construção da logomarca de um produto, tendo como “cliente final” de toda essa estrutura o torcedor. 

Ou seja, o mercado de intermediários, agora como produtores (a TV, a mídia e seus parceiros de negócio), operam para atender ao mercado “consumidor” alvo, no caso do futebol, os torcedores. A Figura 2 ilustra essa estrutura de relacionamento entre mercados para os clubes de futebol. Como pode ser percebido, existem clientes diferenciados que fazem parte de mercados diferenciados. Resumidamente, então, se tem a seguinte estrutura: Mercado Produtor de “espetáculos futebolísticos”: Organizações de Prática (Clubes) e de Administração do Futebol (Ligas ou Federações e Confederações). Mercado Consumidor: os torcedores são os consumidores finais (indivíduos e famílias) que compram bens e serviços para seu consumo pessoal. 

Dentro desse mercado atendido diretamente pelas organizações de futebol observam-se atualmente duas operações básicas: 1) a bilheteria (público que vai ao estádio) que é a operação principal para este tipo de mercado, também denominado mercado consumidor ativo (público que vai ao estádio); o serviço (ou experiência proporcionada pelas atividades) prestado nos estádios teoricamente produz uma utilidade psicológica (ou nutrição psicológica, conforme Taylor, 1998); e 2) o merchandising que é a venda, pelo clube, de produtos com a sua marca; aqui a utilidade representa uma satisfação ligada principalmente à simbologia do produto físico ou serviço.

 Neste caso, o que o Mercado Produtor Clubes e Federações = empresas de serviços Mercado Consumidor Torcedores ou fãs de futebol Mercado Intermediador de Revenda TV, empresas licenciadas Empresas interessadas no Marketing Esportivo Mercado Intermediador Industrial . Figura 2.

 Estrutura Integrada de Mercados para as organizações de futebol – a economia do mercado futebolístico (Fonte: Aidar et al., 2000). GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 17 diferencia do licenciamento de produtos está no fato de que o controle da operação de venda de tais produtos ou serviços é estratégica para as organizações de futebol. As formas com que os cubes tratam o mercado consumidor variam de clube para clube e de país para país. 

Os clubes ingleses, obrigados pelo governo britânico a reformarem muitos de seus estádios, após a crescente violência nos estádios no final da década de 90 que culminou com o massacre de torcedores em Hillsborough, são atualmente os clubes que melhor exploram as receitas deste mercado. Nos dias atuais, na Inglaterra, “ir assistir a um jogo de futebol” pode ser o mesmo que ir a um shopping center: a necessidade por segurança, limpeza, locais para estacionamento, hospitalidade, etc, para os clientes, têm sido um fator reconhecido e explorado, visando aumentar a renda para os clubes. Vejamos um comparativo entre três clubes de três países diferentes (Figura 3). 

Nos exemplos comparativos de três dos maiores detentores de torcida nos seus respectivos países, vemos que para o clube inglês, Manchester United, este mercado significa 65% de sua receita total. Para o clube italiano, Milan, este mercado significa 40% e para o clube brasileiro, Flamengo, significa apenas 18%. Mercado Intermediador: este mercado é análogo ao mercado de intermediários, descrito por Kotler (1995), no sentido de que os clientes desse mercado compram “serviços” (direitos de exploração e transmissão de jogos e serviços de marketing esportivo) tendo em vista “revendê-los” ao mercado de consumo. 

Ele pode ainda ser dividido em dois outros tipos de mercados: o Intermediador Industrial, para o qual as operações ou atividades de marketing esportivo prestadas pelas organizações esportivas representam ou produzem uma maneira alternativa de realização de seus objetivos de marketing (promoção, publicidade, exposição na mídia, etc.); e o Intermediador de Revenda, para o qual as operações ou atividades prestadas pelas organizações esportivas (venda de direitos de utilização dos campeonatos e da marca do clube via transmissão dos jogos, via loteria esportiva e via venda de produtos licenciados) representam transações de intangíveis que são utilizados para produzirem novas transações de serviços aos torcedores (transmissão dos jogos via pay-per-view ou via TV aberta, venda de loteria esportiva, venda de produtos licenciados) e demais interessados (venda, pela mídia, de propaganda nos horários/ espaços dos jogos/eventos esportivos).

 Ao se observar a Figura 2, nota-se que os dois mercados de intermediários fazem parte da cadeia de produção de usos do espetáculo esportivo. Junto com o que foi chamado de mercado consumidor, esses três mercados podem ser chamados, daqui para frente, de Mercado de Torcedores, pois visam fundamentalmente esses agentes que consomem o espetáculo esportivo. Já o mercado do principal insumo usado neste processo de produção para os clubes será chamado de Mercado de Jogadores. Ele apresenta características diferenciadas dos mercados de recursos humanos de outras indústrias. 

A análise das leis que regem o mercado de jogadores (o que se costuma chamar aqui no Brasil de “leis do passe” e tudo o mais que decorre das transferências de jogadores entre os times) não será conduzida neste trabalho. O que importa aqui é perceber, conforme Taylor (1998), que os jogadores (ou os contratos / vínculos dos jogadores com os clubes/empresários FIFA) representam ativos intangíveis de alto valor, pois são estes “insumos” que fazem o espetáculo. 

Conforme Szymanski e Kuypers (1999), o futebol é um produto (o entretenimento de um jogo de futebol) fornecido por trabalhadores (jogadores e comissão técnica) usando terra (campos), construções (estádios) e equipamento (bolas, chuteiras, etc.) numa competição e por meio de cooperação com os rivais. Essa definição do produto futebol ressalta que o sistema de produção do espetáculo só pode existir por meio da cooperação entre os clubes que competem por títulos esportivos. 

No jargão econômico, os competidores na indústria esportiva, como a do futebol, são também complementares no processo de produção. Daí surgiu, desde os primórdios do esporte moderno, a necessidade de uma entidade em forma de liga que coordenasse os clubes e se encarregasse das regras.

 Pode-se considerar, acrescentando as noções de mercado de jogadores e a de cooperação, e aproveitando a estrutura mostrada na Figura 2, que a estrutura da cadeia produtiva da indústria de futebol pode ser representada pela Figura 4. Portanto, a Figura 4 mostra que os clubes-empresas fazem parte de uma cadeia produtiva com0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Flamengo Manchester Milan Bilheteria Direitos de TV Patrocínio Merchandising Venda de Jogadores Sócios e Outros* Figura 3.

 Comparativo da porcentagem de cada tipo de receita gerada por três clubes (Fonte: Booz-allen & Hamilton, 1999). 18 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório plexa, que tem nos eventos / jogos de futebol o produto principal dessa cadeia. 4. O negócio futebol para os clubes O negócio ou a lógica micro-econômica dos clubesempresas no contexto da indústria do futebol representa o terreno onde as dinâmicas do processo de mudança (ilustradas na Figura 1) acontecem. 

A primeira premissa micro-econômica se relaciona à natureza da demanda pelo produto futebol. Neste ponto, a análise de Kim (1997), tratando da direção futura da organização do futebol profissional na área da administração da entrega da qualidade de serviço, se torna útil para a análise da evolução do produto básico dos clubes: o “jogo de futebol”. Ele argumenta que a provisão de serviços esportivos de sucesso requer um entendimento das dimensões da qualidade da entrega do serviço (jogo de futebol) para atender às expectativas do espectador (consumidor ativo): os fatores associados ao resultado do evento (jogo) e os fatores de administração do evento. 

Enquanto, para os clubes individualmente, os fatores associados ao resultado do evento (principalmente as vitórias do time) sempre foram os principais fatores relacionados à satisfação e ao aumento (a longo prazo) dos chamados torcedores fiéis, a transformação ou a transição no perfil dos espectadores esportivos dentro dos estádios tem aumentado a importância dos fatores associados às condições do estádio, ou seja, ao que Kim (1997) chamou de fatores associados à administração do evento.

 Uma outra premissa, que também afeta o desempenho do produto futebol para os clubes, está relacionada à lógica do processo produtivo de suas ofertas: a necessidade de cooperação com os rivais, que leva à necessidade de equilíbrio competitivo numa certa competição esportiva, sendo, portanto, um fator relacionado ao resultado do evento. 

Como diz o presidente do Manchester United, Martin Edwards, apud Fynn e Guest (1998), a força de um campeonato é a força de seu time mais fraco. Se por vários anos o mesmo time for campeão sem disputa acirrada, o torcedor perderá o interesse pelo futebol. Desta forma, a lógica da concorrência no mercado futebol é diferente da lógica dos outros mercados. Os rivais são peça fundamental para o sucesso do clube individualmente. Outra questão fundamental, que complementa o pano de fundo micro-econômico para o clube, é a questão do significado de sucesso nessa indústria e os fatores que os explicam. 

Definir o que significa sucesso em uma organização depende fundamentalmente da opinião e do poder que cada stakeholder (os principais interessados nos resultados da organização) tem para fazê-lo. Para o caso dos clubes de futebol, conforme Leoncini (2001), por natureza, eles são organizações que necessitam administrar um trade-off fundamental de desempenho: desempenho esportivo (vitórias) vs. desempenho financeiro (lucros / equilíbrio). O Desempenho Esportivo é o desempenho do time no campeonato ou competição sendo disputada, que pode ser, de maneira geral, medido pela posição ocupada nesta competição (primeiro lugar, segundo lugar,...).

 Os fatoProduto Principal: Jogos de futebol Clubes Função Principal: Competir por Títulos Ligas Função Principal: Organizar Competições Principais Bilheteria, venda de direitos de transmissão, etc. Secundário negociações de jogadores Estrutura Integrada de MERCADOS CONSUMIDORES de Espetáculos Esportivos MERCADO DE JOGADORES para os Espetáculos Esportivos s u b p r o d u t o s insumos Técnico Centro de Treinamento JOGADORES insumos Clubes Árbitros Regras Figura 4. Estrutura da Cadeia Produtiva na Indústria de Futebol (Fonte: Elaborada pelos autores). GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 19 res internos ao clube que o influenciam se restringem à competência do seu departamento técnico (treinadores, preparadores físicos, jogadores, etc.). 

O Lucro operacional ou desempenho financeiro do clube em determinado período é a diferença entre a soma das receitas geradas pelo mercado de torcedores, e a soma de suas despesas com salários de jogadores, estádios, equipamentos, enfim, com seus recursos fundamentais. As operações de compra e venda de jogadores podem ser consideradas operações de investimento. Mas como tal desempenho financeiro pode ser influenciado? Para a análise da equação do lucro do negócio futebol do ponto de vista dos clubes, é necessário definir o clube como um agente econômico gerador de custos e receitas: • Custos Principais - Gasto com salários: o gasto do clube com salários, principalmente do departamento técnico (treinadores, jogadores, preparadores, psicólogos, etc.). 

Esses gastos representam a maior parte das despesas de um clube de futebol (Jefferson Slack, em reportagem na Gazeta Mercantil – Caderno Empresas & Carreiras, sexta-feira, 27, e Sábado, 28 de Agosto de 1999 –, vicepresidente da The Muller Sports Group, empresa que cuidava das Políticas Estratégicas da parceria Corinthians / Hicks Muse, afirmou que os custos do futebol se restringem basicamente aos gastos com salários, contratações e prêmios dos profissionais); e • Receitas geradas: total de receitas geradas pelo clube por meio da exploração do mercado de torcedores (venda de direitos de TV, bilheteria, patrocínio de camisa, patrocínio de material esportivo, e venda de produtos licenciados). Esses fatores representam as variáveis básicas que compõem a equação do lucro para um clube. 

Ou seja, o resultado do clube em cada fator ou variável mencionada acima determinará, em última instância, seu resultado financeiro. Assim, a questão que se coloca a seguir é: como tais variáveis se relacionam e que fatores são críticos para o sucesso financeiro de um clube? Após concluírem que o lucro nunca foi consistente para os clubes ingleses, Szymanski e Kuypers (1999) procuraram analisar como a busca pelo desempenho esportivo, outro propósito fundamental de um clube, poderia estar influenciando a lógica do negócio. Para isso eles analisaram dois relacionamentos fundamentais. 

O primeiro olhou o desempenho esportivo (medido pela posição ao final da Competição) em relação ao gasto do clube com salários de jogadores. O segundo explorou o relacionamento entre geração de receitas e desempenho esportivo. Tais estudos sugerem a existência de correlações significativas e diretamente proporcionais entre desempenho esportivo e gasto com salários e entre desempenho esportivo e geração de receitas no mercado de torcedores. Em outras palavras, isto quer dizer que, embora um time “caro” nem sempre vença um time “barato”, a longo prazo e a médio, o relacionamento entre gasto com salários e desempenho no Campeonato é bastante significativo.

 Do mesmo modo, times mais vitoriosos a longo prazo provavelmente atrairão maiores receitas. Tradicionalmente, esta característica do negócio futebol tem feito com que a maioria dos dirigentes invista recursos significativos na montagem de um bom time, para que o resultado esportivo venha acompanhado do aumento de suas receitas. O que aconteceu no Brasil foi que a única preocupação dos dirigentes sempre foi com a montagem desse grande elenco, com despesas (salários) e investimentos (contratações) exorbitantes e pouca preocupação com a geração de receitas que tal time pode gerar no mercado de torcedores. Logo, o desempenho esportivo, a exploração eficaz do mercado de torcedores e o controle da folha salarial são fatores fundamentais para explicar a lógica do negócio para um clube de futebol. 

Considerando-se o lucro para um clube como a parcela que sobra das receitas (provenientes do mercado de “torcedores”) após se apurarem os custos relacionados às suas atividades principais (proveniente dos gastos dos clubes com os fatores de mercado – manutenção de estádios, pessoal de contato com clientes, etc. – e com os fatores esportivos – jogadores, técnicos, preparadores físicos, etc.), a Figura 5 pode ser usada para ilustrar a lógica do negócio para um clube de futebol. 5. Escolhas estratégicas e estrutura de operações dos clubes Depois das análises das condicionantes estruturais da indústria de futebol, que formam as regras do jogo competitivo para os clubes de futebol, estes entendidos como empresas de serviço, a abordagem de Heskett et al. (1990) sobre gestão de serviços pode ser usada para entender a concepção do modelo de gestão estratégica dessas empresas diferenciadas de serviços, ou seja, suas escolhas estratégicas e estrutura de operações. 

Conforme Heskett et al. (1990), a visão estratégica de serviços é a forma abrangente e sistêmica com que empresas bem sucedidas vêem e conduzem seus negócios. Essas empresas, chamadas de revolucionárias pelo autor, definem os elementos básicos da visão estratégica: mercados-alvo, conceito de serviço, estratégia operacional e sistema de prestação de serviço. 

E integram esses elementos, o que significa a formação de competências dentro da empresa, já que implicam tomadas de decisão que respondem a questões do tipo “como fazer”. Tal integração ou desenvolvimento de competência se dá em três níveis organizacionais: o primeiro, no nível das estratégias competitivas, por meio do posicionamento estratégico que é o processo pelo qual todos os aspectos da visão estratégica (mercados-alvo, conceito do serviço, estratégias de operações e sistemas de prestação 20 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório de serviços) são projetados e gerenciados em relação às necessidades dos consumidores e às possibilidades dos concorrentes. 

Assim, o posicionamento estratégico do clube implica, em última instância, a escolha do mercado em que ele irá competir. Como foi descrito anteriormente, existem dois tipos básicos de mercados operando na indústria de futebol: o mercado de torcedores e o de jogadores. A Figura 3 mostrou que os clubes brasileiros, como o Flamengo, detentor da maior torcida no Brasil, está mais voltado ao mercado de jogadores, que representa cerca de 30% de sua receita, contra 5% do Manchester. 

O segundo, no nível da formulação da estratégia de negócio, é um processo de aprendizagem que busca identificar os parâmetros determinantes do lucro que compõem a estratégia de operações, por meio de um conceito de alavancagem de valor sobre custos: como alcançar alta qualidade (esta entendida como resultados esperados pelos consumidores) a baixo custo? Nesse caso, as leis do negócio futebol mostraram a importância do desempenho esportivo (posição do time na competição), dos fatores ligados à administração dos eventos (chamados de fatores de serviço ao torcedor) e do gasto com a folha salarial do time. Logicamente, a escolha do mercado-alvo determinará que fatores devem ser privilegiados. 

E o terceiro, no nível da integração entre as estratégias e o sistema operacional, é um conjunto de competências funcionais que buscam tornar coerente a estratégia e o sistema de prestação de serviço partindo-se da premissa de que este é conceituado como uma oportunidade de aumentar e controlar a qualidade dos resultados obtidos pelos clientes: como selecionar, desenvolver, motivar, controlar o pessoal e projetar as instalações, os equipamentos, os procedimentos, etc? Nesse caso, a eleição e o desenvolvimento das competências principais dependerá das escolhas estratégicas que o clube faz. Ao mesmo tempo, tais desenvolvimentos fazem emergir novas estratégias, num círculo virtuoso que pode variar de um clube para outro. 

No caso do Manchester United que, segundo seu diretor Freedman, revolucionou a lucratividade do clube depois de focalizar seus serviços no mercado de torcedores, os investimentos nas instalações do estádio visando facilitar e melhorar a qualidade do serviço ao torcedor bem como os investimentos (contratações) e despesas (salários) com jogadores para manter um time vencedor, são ações na direção de um sistema operacional adequado à estratégia do negócio futebol para o clube. Com relação à nova visão estratégica para orientar o negócio, no caso do Flamengo, a nova organização resultante da parceria assume que o mercado-alvo do negócio futebol passa a ser o mercado de torcedores e sócios do clube.

 O conceito de serviço, em termos de resultados esperados por este mercado está relacionado à atividade do lazer e entretenimento, com um forte componente emocional (paixão pelo clube) que envolve este tipo de cliente. Neste caso, tais resultados esperados estão ligados à experiência diferenciada que o jogo de futebol pode proporcionar, tais como emoção, conforto, alívio de estresse, vitória do time, etc. A estratégia do departamento técnico da parceria busca dar ênfase à definição de metas ambiciosas para as aspirações esportivas do clube (conquistar títulos). 

Na gestão do Marketing pela ISL, a estratégia é fornecer um tratamento diferenciado e focalizado na melhoria dos serviços (fatores mercadológicos) aos torcedores e sócios nos estádios e clubes. A alavancagem do lucro pela organização começa pelo controle sobre o gasto com a folha salarial do time, teoricamente praticado por meio da imposição pelo parceiro de um orçamento anual fechado (na prática, tal estratégia não funcionou, pois o clube permaneceu com independência para administrar o dinheiro que o parceiro pagava para administrar a marca Flamengo). 

Com relação à integração “estratégia - sistema de prestaFatores Esportivos: - Talento dos jogadores; - Talento da comissão técnica; Fatores de Mercado: - Condições nos estádios - Relacionamento com os diferentes consumidores Satisfação do Mercado Consumidor Receitas ($$) Custos Principais ($$) Custos ($$) Âmbito Cooperativo (Gestão do Campeonato) Performance Financeira Performance Esportiva Figura 

5. A equação do lucro para os clubes de futebol (Fonte: adaptado de Leoncini, 2001). GESTÃO & PRODUÇÃO, v.12, n.1, p.11-23, jan.-abr. 2005 21 ção dos serviços”, ou seja, ao que chamamos de estruturas ou sistemas de operações do clube, tais questões não puderam ser exploradas a contento.

 No caso do São Caetano, a nova organização assume que o mercado-alvo do negócio futebol passa a ser o mercado de jogadores a médio prazo. O conceito de serviço, em termos de resultados esperados pelo mercado-alvo está relacionado à atividade de desenvolvimento de talentos, ou seja, uma atividade típica de capacitação de recursos humanos. 

Neste caso, o bom desempenho esportivo do time caracteriza o conceito de serviço, pois o desempenho da equipe potencializa e mostra as competências individuais dos jogadores, estes que são os próprios “objetos” de desejo do mercado-alvo. A estratégia do departamento técnico busca a ascensão esportiva às principais divisões do futebol brasileiro, sendo o desempenho esportivo considerado o principal fator para o oferecimento do serviço prometido. 

Na gestão do Marketing pela Datha, a estratégia é a ênfase no marketing esportivo para auxiliar na manutenção de um equilíbrio financeiro que garanta a operação do negócio futebol (despesas com categorias de base e do departamento profissional). A alavancagem do lucro ou do equilíbrio financeiro pela organização começa pelo controle sobre o gasto com a folha salarial do time. 

Há também uma preocupação com as formas de tratamento e de recompensa dadas aos jogadores (pagamento em dia e rigorosamente de acordo com o prometido), o que ajuda a melhorar o comprometimento dos jogadores com as metas de desempenho esportivo.

 Além disso, o planejamento a longo prazo por parte da diretoria permite que se verifiquem situações mais estáveis e seguras de trabalho (manutenção de um time base, de um treinador por tempo maior que a média dos outros clubes, etc.). Com relação à integração “estratégia - sistema de prestação dos serviços”, ou seja, ao que chamamos de estruturas ou sistemas de operações do clube, tais questões não puderam ser exploradas a contento. A Tabela 2 ilustra os números da parceria até 2000 e mostra também como receitas e despesas são controladas. 

6. Conclusões e recomendações de pesquisa O resultado deste trabalho nos permite uma visão mais clara do negócio futebol como um sistema de produção para os clubes, apesar das poucas informações esclarecedoras sobre o funcionamento das operações de negócio, como os números gerados por cada sistema de operação para um clube (bilheteria, patrocínio principal, negociação de jogadores, etc.). Além disso, permite que se perceba as principais condicionantes estratégicas da indústria de futebol que influenciam a concepção do modelo de gestão de um clube de futebol atualmente.

 Os dois estudos de caso realizados por Leonêncio em 2000 corroboraram tais percepções e mostraram o caráter incipiente da mudança na gestão de clubes de futebol no Brasil, o que não impediu a descoberta de alguns princípios de gestão já consolidados (Ver Tabela 3). Porém, tendo em vista os objetivos iniciais deste artigo, algumas considerações finais sobre as variáveis e conceitos desenvolvidos se fazem necessárias para uma apreciação mais sintética dos resultados desse trabalho. 

A estrutura e a lógica do negócio futebol representam o pano de fundo micro-econômico para a atuação dos clubes de futebol e são condicionantes estruturais diferenciadas e mais complexas do que a de outros setores econômicos mais tradicionais. Por exemplo, a caracterização da cadeia de produção da indústria de futebol, com seus vários agentes interdependentes e com interesses muitas vezes conflitantes, representa uma das principais condicionantes dessa indústria. Se, por um lado, os torcedores ou o mercado de torcedores gostariam que alguns jogadores permanecessem no “seu” clube por bastante tempo, por outro, empresários de jogadores lucrariam mais a curto prazo com a transferência deste mesmo jogador para outro clube. Assim, o estabelecimento de políticas e diretrizes a longo prazo dentro da indústria estará sempre condicionado por tais características. Outro aspecto importante deste cenário é a importância do âmbito cooperativo dos clubes de futebol. 

Dentro deste contexto, as principais mudanças intermarriages ocorridas até agora na indústria se resumiram a mudanças horizontais, resultando em parcerias entre clubes e empresas investidoras que visavam principalmente tornar o negócio dos clubes lucrativo pela complementaridade de competências e aumento de receitas (Corinthians e Hicks Muse, Flamengo e ISL, Cruzeiro e Hicks, etc.). Contudo, apesar de algumas dessas mudanças apontarem para a consolidação da indústria do futebol como uma indústria de entretenimento, cujo principal produto é o espetáculo futebolístico e não o “jogador brasileiro”, mudanças verticais e estruturais ainda são necessárias, como a consolidação desta visão estratégica para o negócio futebol no Brasil, dirigida por uma cooperação efetiva entre clubes. Já as principais variáveis e premissas de gestão estratégica para um clube de futebol puderam ser observadas nos dois estudos de caso. A primeira, qual seja a própria visão estratégica para o negócio do clube, indica que os funcionamentos paralelos dos mercados de torcedores e jogadores obrigam os clubes a priorizarem um em detrimento do outro. Esta priorização direciona então os esforços do clube para o estabelecimento de metas financeiras e esportivas e o desenvolvimento de competências organizacionais. Por exemplo, no caso do Flamengo, o lucro passa a ser um de seus principais objetivos estratégicos. Assim, o bom desempenho esportivo e a melhoria 22 Leoncini e Silva − Entendendo o Futebol como um Negócio: Um Estudo Exploratório das condições dos serviços aos torcedores passam a ser fatores críticos para a satisfação do mercado-alvo e conseqüentemente para a melhoria na geração de receitas. Além disso, o controle da folha salarial é outro aspecto importante para a realização do lucro esperado. Do ponto de vista do desenvolvimento de novas pesquisas relacionadas ao entendimento do negócio futebol e à gestão estratégica de clubes de futebol, também é evidente o enorme campo que se vislumbra para esse novo setor da indústria do entretenimento como, por exemplo, nas áreas de gestão econômico-financeira, marketing de serviços, etc.

 Já no campo das ciências do esporte, notase que a questão do desempenho esportivo assume papel preponderante dentro da lógica do negócio futebol e também deve merecer atenção cada vez maior de pesquisadores e profissionais. Tabela 3. O processo de mudança no modelo de gestão de dois clubes brasileiros (Fonte: adaptado de Leoncini, 2001). Flamengo São Caetano Dinâmicas Internas à Indústria do Futebol Dinâmicas de Contexto Ineficácia Esportiva e Financeira dos antigos dirigentes; Vontade Política de Profissionalizar a gestão e de tornar o clube vitorioso nacionalmente Dinâmicas Interempresariais (Novas Parcerias) Horizontal (complem. de competências): licenciamento da marca pelo novo parceiro Horizontal (complem. de competências): assinatura de um contrato de co-gestão Novo Posicionamento Estratégico (mercado-alvo) Mercado de torcedores e sócios: o evento-jogo de futebol é considerado um serviço de lazer e entretenimento para o mercado Mercado de jogadores: o eventojogo de futebol é considerado um mecanismo para desenvolver talentos Escolhas Estratégicas Fatores Críticos para o sucesso do Negócio O desempenho esportivo (conquistar títulos), o foco em serviços, e o controle sobre a folha salarial são elementos chave para a lucratividade O desempenho esportivo (conquistar títulos) e o controle sobre a folha salarial são elementos chave para a lucratividade/equilíbrio Estruturas ou Sistemas de Operações Voltadas para o Mercado de Torcedores - - Voltadas para o Mercado de Jogadores - - 

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A EVOLUÇÃO DA GESTÃO NO FUTEBOL BRASILEIRO

A EVOLUÇÃO DA GESTÃO NO FUTEBOL BRASILEIRO

 FUNDAÇÃO GETUliO VARGAS
Luiz Marcelo Vídero Vieira Santos 

1. Introdução:

 hipóteses de trabalho o objeto de estudo do presente trabalho é a gestão do futebol brasileiro. O tema estudado é o processo de evolução dessa gestão, com destaque para a sua profissionalização. Abordaremos as principais mudanças e transformações ocorridas, enfocando o tema sob diversos pontos de vista, utilizando um conceito amplo de gestão do futebol (discutido mais adiante), buscando traçar um panorama do que ocorreu em termos de profissionalização da gestão dentro e fora dos gramados. 

A crise atual por que passa o futebol brasileiro, tão noticiada pelos meios de comunicação, está colocando todo o sistema numa encruzilhada. As duas CPh instauradas no Congresso - a do Futebol, no Senado e a da CBFI-Nike, na Câmara dos Deputados - mostraram o lado podre do futebol, o que atinge a sua confiabilidade. Mostraram a incapacidade das instituições (clubes, federações, CBF e sindicatos) em se organizar e gerenciar o esporte de maneira transparente e competente. Mostraram ainda a inadequação da legislação e das instâncias jurídicas desportivas para normatizar o futebol.

 Uma das conseqüências no âmbito econômico e gerencial é o atraso da definitiva transformação do 
futebol em um negócio. Dito isso, assumimos o ponto de vista que essa transformação é benéfica para o futebol brasileiro. Não por opção ideológica, mas simplesmente por admitirmos a realidade: há pelo menos duas décadas, com mais ou menos intensidade, o futebol já está sendo tratado como um negócio. Um grande exemplo disso são os contratos que são fechados envolvendo jogadores, clubes, televisão, empresários entre outros, envolvendo bilhões de dólares em todo o mundo. 

No entanto, a gestão desse grande negócio ainda está muito a quem do que se esperaria de uma indústria tão importante. A diferença é notável, se compararmos com outros países, principalmente os da Europa, Estados Unidos e Japão, com outros ramos da indústria do entretenimento (do qual a indústria dos esportes em geral e do futebol, especificamente, tàz parte) e maior ainda se comparada com m outros setores, como o financeiro. Portanto, partimos do princípio que a transformação do futebol em negocio e um movimento Ja existente e irrefreável e, sendo assim, além de estabelecer regras claras para a atuação dos agentes, é necessário, pelo bem do futebol, gerir essas transações da maneira mais profissional passível 

Esse dilema é o mesmo enfrenado por diversas outras atividades em vari Os momentos da história brasileira e discutido por diversos autores: modernização versus tradição. Nas palavras de HELAL (1997): "Por um lado, a modernização - 'comercialização do espetáculo', 'conscientização' dos jogadores, 'racionalização' do esporte - seria responsável pela destruição de elementos tradicionais do universo do futebol, que tilam de 'paixão', 'amor á camisa' e 'futebol-arte'; por outro lado, o tradicionalismo seria responsável pela falta de profissionalismo na administração do futebol, desorganizando as competições e enfraquecendo financeiramente os clubes"'.

Essa questão da modernização estará sempre presente em nossa discussão, como pano de fundo, mas, devido à banalização do termo e da necessidade de definir mais claramente os limites desse estudo, escolhemos a profissionalização da gestão como tema de estudo. Porém, em nenhum momento perdemos de vista, o que ficará claro na discussão, que isso tàz parte de um movimento maior de modernização, não só do futebol, pensado em termos mundiais, mas também da sociedade brasileira como um todo. 

Veremos, pois, como o futebol chegou ao atual estágio de desenvolvimento gerencial e quais as causas para, ainda hoje, não se adotar largamente práticas profissionais e modernas de gestão. As primeiras questões a serem respondidas são: se realmente houve evolução nessa gestão e se essa gestão realmente se profissionalizou. Para isso, deveremos mostrar como se deu essa evolução e por que ela não aconteceu plenamente.

 Nossa hipótese de trabalho é que realmente houve uma evolução, mas que os avanços mais significativos ocorridos no futebol brasileiro só ocorreram por pressão externa ao seu universo: ou imposição do Estado (principalmente governo federal e legislativo) ou pressões do mercado. Em nenhum momento houve uma iniciativa de agentes ligados diretamente ao esporte, que buscasse mudanças, visando melhor organizá-lo. As decisões sempre foram respostas a pressões externas.

Acreditamos· que os eventos a que estamos assistindo atualmente também seguem esta lógica: pressões do mercado e do Estado estão forçando a mudanças na gestão, na estrutura e nas instituições do futebol brasileiro. Os investidores estão interferindo diretamente nas decisões dos clubes, enquanto as CPIs e o Ministério do Esporte estão forçando a revisões e mudanças na legislação 

Assim sendo, nossos objetivos são tres: 

1. Fazer uma análise histórica da profissionalização da gestão do futebol brasileiro. Observar se ela realmente evoluiu e mostrar como se deu essa evolução. 
2. Fazer uma análise do momento atual do futebol brasileiro, sob o ponto de vista da gestão e sob a luz da evolução histórica observada anteriormente. 
3. Apontar algumas tendências atuais.

 Este trabalho será dividido em tres partes: na próxima sessão, apresentamos a justificativa para escolha da gestão do futebol brasileiro como objeto de trabalho. Em seguida, comentaremos a metodologia utilizada. Nas sessões seguintes, apresentamos a discussão do tema em si, procurando comprovar se a hipótese de trabalho está correta ou não.

2. Justificativa

 A escolha do tema se deveu, inicialmente, a uma paixão pessoal do autor, que acredita na máxima do escritor Nelson Rodrigues, que dizia que "sem paixão não se chupa nem um Chicabon"J Mas, apesar de forte, essa não é a principal justificativa. O futebol tem uma importância para o Brasil que atravessa as ciências, das sociais às biológicas. Ela perpassa o cotidiano como parte integrante, e é também parte importante na definição do modo de vida brasileiro. Sua presença é tão intensa que muito se pode entender do país e do povo pela observação das reações perante um jogo de Copa do Mundo. As vitórias e derrotas da seleção estão sempre sendo relacionadas a uma habilidade especial mestiça, o 'jeitinho brasileiro"" , ou o "complexo de vira-lata", como brilhantemente colocou o mesmo Nelson Rodrigues' . 

Além disso, o futebol tem uma importância grande no dia-a-dia da população, na medida em que os campeonatos estaduais e o nacional ocupam boa parte das discussões diárias da população de todas as classes sociais. Anatol Rosenfeld6 (acadêmico alemão que por aqui esteve, nos anos 1920, dando aulas na USP), na tentativa de entender o Brasil, adotou como temas de ensaios o negro, a macumba e o futebol, tres elementos característicos e marcantes da cultura brasileira. 

Na interpretação de Roberto Damatta7 (dentre outros), foi com o futebol que o Brasil teve suas primeiras aulas de democracia. Pela primeira vez, qualquer um podia ganhar, rico ou pobre, torte ou fraco, grande ou pequeno. Do mesmo jeito, a vitória não era perene, nem hereditária, ela durava apenas até a partida seguinte. A derrota perdi� assim a carga dramática. As regras do jogo eram claras como poucas naquela época. Todos a conheciam e sabiam seus direitos e deveres. E sabiam também que qualquer falha seria punida, seja quem cometesse. 

Indagado sobre a influência do futebol na educaçào da juventude em uma entrevista, o jornalista Juca Kfouri definiu e resumiu muito bem a importància do futebol. Vale a citação completa pela emoção contida em seu depoimento: '"O futebol é um maravilhoso meio educativo: ensina a ganhar e a perder, ensina a conviver com a frustração, e só quem não tem a menor sensibilidade é capaz de dizer que a platéia do futebol é uma platéia de passivos. porque ninguém me convence de que não fiz junto com Basiiio aquele gol que libertou o Corinthians de vinte e dois anos sem titulo; ninguém me convence de que não subi com Pelé na cabeçada que deu o primeiro gol contra a Itália, na Copa de 70; e que eu nào estava junto com o Taffarel, na defesa do pênalti, na Copa de 94. É aquela coisa de pensar que, se eu não estivesse lá, não aconteceria, ou só aconteceu porque eu estou aqui, para o bem ou para o mal. Algumas vezes você diz, 'Fui eu que dei azar, sou um pé frio, é a terceira vez que vou ver o meu time e ele perde'. Sempre dou como exemplo do oposto da alienação que as pessoas teimam em ver no futebol, uma frase que adoro, de Bill Shankley, o técnico e mallager escocês do Liverpool: - 'E claro que o futebol não é uma questão de vida ou morte, o futebol é muito mais importante que isso'. Foi num campo de futebol que se abriu, pela primeira vez, na História, uma tàixa pela anistia aos presos políticos brasileiros; foi no Morumbi, com cem mil pessoas, num jogo entre Corinthians e Santos. E por que num campo de futebol com cem mil pessoas') Porque não dava pra polícia chegar lá em cima e prender todo mundo; quando a polícia chegou, a faixa já havia desaparecido. Foi num campo de futebol, no Estádio Nacional -- de Santiago, na primeira partida depois que o Estádio foi liberado, após servir de prisão por dois anos e meio, no Estádio onde morreram patriotas chilenos e brasileiros, que houve um apagão, a primeira manifestação por liberdade, durante a ditadura Pinochet. Quando as pessoas se deram conta, estava tudo apagado, e começou um canto: 'libertad, libertad, libertad .. ' Havia sessenta mil pessoas no jogo entre o Universidad Católica e o Colocolo, e seria impossível colocar sessenta mil pessoas dentro dos camburões. Então, não se pode deixar de entender que o futebol é a coisa que nos faz nos sentirmos crianças, que o futebol é mais ou menos como a praia, que uniformiza todo mundo. Por mais que o estádio tenha suas divisões, a arquibancada do Maracanã é o único lugar, num pais de estratificação tão poderosa como o Brasil, em que ainda se vê um rico abraçar um pobre. Não entender todas essas caracteristicas, e que o futebol imita a vida, como pouquíssimas áreas da atividade humana, é, , . " 8 no nummo, uma pena. 'Cf. KFOURI (2=), p. 61. 7 

 Por que o futebol se tornou tão popular'7 Ainda não há uma explicação satisfatória, mas há muitos indicios. Em primeiro lugar, era (e cada vez mais é) o mais democrático dos esportes, permitindo que "baixinhos", "gordos", "tísicos", "asmátícos", "tortos,,9, entre outros, aparentemente pouco afeitos à prática desportiva, não só participassem das pelejas, como se 10 destacassem . Depois, foi introduzido como a última grande novidade da Europa, o que lhe conferia uma aura especial (pelo menos no Brasil). Em terceiro lugar, uma constataçào: um esporte que se difundiu em todos os continentes e que é, sem sombra de dúvida, o mais popular do mundo, sendo praticado da China ao Uruguai, passando pela África e Europa, quaisquer que sejam os motivos, tem algo de especial, que encanta as pessoas independente da cultura e origem, mais do que qualquer outro. 

Mas, sem dúvida, muito do fuscinio que o futebol causa advém do elemento do acaso, que proporciona uma intensa emoção durante o jogo. A incerteza é a mãe do seu sucesso. Ao contrário da maioria dos esportes, nunca há fuvoritos absolutos. Aqui, a incidência de resultados inesperados é muito maior. Isso cria sempre a esperança no torcedor que seu time pode vencer, por mais criticas que sejam as condições. O jogador também se fortalece e corre até o último minuto atrás da vitória, pois sabe que nào há times imbatíveis. Isso explica, por exemplo, um time em inferioridade numérica reverter o placar de uma partida. Como diz o ditado popular, "a partida só termina, quando acaba". 

O psicólogo Cláudio Wagner!! faz uma interessante análise ergonômica do futebol, utilizando gráficos, comparando o futebol ao ato sexual. Uma partida de futebol possui uma curva que cresce lentamente, em que se cria uma tensão até a explosão do gol (o orgasmo). Essa tensão e os baixos escores permite a valorização do tento (assim como poucos times na história foram capazes de proporcionar goleadas semanais para sua torcida, poucas pessoas podem se gabar do mesmo feito sob os lençóis), o que não acontece com outros esportes, como vólei e basquete, onde os placares são dilatados, vulgarizando o momento maior da 9 Por exemplo, fui asmático durante boa parte de minha infância e adolescência, o que não me impediu de me tornar um �lande meia-esquerda. _ '. . , . . � Exemplos famosos nao faltam: temos hOJe o baixinho Romano, alem de Maradona; o velho ingles Stanley Mathews, que jogou até os 50 anos; o anjo torto Garrincha, o gordo húngaro Puskas; o magrelo Telê Santana, de apelido "Fio de Esperança": o desengonçado Dadá Maravilha, que apesar da pouquíssima habilidade, fez mais de 50] gols, etc. Imagine então na várzea �uantos craques desconhecidos não maravilharam suas platéias? , Cf. WAGNER (1998). ----� · EssiÍ. seria mais uma explicação para o sucesso desse esporte, já que faz uma relação a natureza humana, independente da cultura 1 2

 Quanto á famosa ginga brasileira, de suposta origem mulata, viria da cultura negra. Jgllm11S versões defendem que os negros, por sua cultura ritmica, presente no samba e na por exemplo, acostumados a dançar, fintar, gingar, etc. tenham incorporado essa aD!LUU,aU� ao futebol. Outra explicação é que, no início do século XX, não era dado aos o "direito" de disputar as bolas com os brancos ccm o mesmo "afinco. Por isso, eles obrigados a desenvolver mais a habilidade, para driblar ou tomar a bola sem contato Não há provas, nem conclusões definitivas quanto a isso, mas, de fato, foi a partir da icorpc,ra\;ao do negro ao jogo que começou a surgir o estilo brasileiro de jogar futebol, que ; conhecidos e respeitados por todos. Esse foi o caso dos governos europeus, na época imperialismo, no final do século XIX O processo de colonização dos continentes africano e asiático pelos paises europeus gerou a necessidade de criar organizações que dessem conta dominar povos que estavam a milhares de quilômetros. Aiém disso, nessa época, os governos europeus começaram a oferecer serviços públicos para população, como saneamento e iluminação das ruas. Nesses dois exemplos, também percebe-se a necessidade de profissionais que dessem conta de organizar e administrar esses serviços. A esse corpo de funcionários, deu-se o nome de burocracia, que inicialmente (metade do século XVIII) era um termo negativo. No entanto, a partir de meados do século XIX, começou-se a se utilizar o termo no seu sentido técnico: "conjunto de estudos juridicos e da ciência da administração alemães que versam sobre Bureau>ystem, o novo aparelho administrativo prussiano, organizado monocrática e hierarquicamente, que,' no início do século XIX, substitui os velhos corpos administrativos colegiais. A ênfase destas obras é normativa e se refere especialmente á precisa especificação das funções, á atribuição de • esferas de competência bem delimitadas, aos critérios de assunção e de carreira. Por esta tradição técnico-juridica, o conceito de Burocracia designa uma teoria e uma praxe da administração pública que é considerada a mais eficiente possível (. . . ) A conceituação dada por Max Weber (...) considera que a Burocracia como uma especifica variante moderna das soluções dadas ao problema geral da administração" 37 Weber3 8 enquadra a Burocracia dentro de sua análise sobre os tipos de domínio. Há o legítimo e o não legitimo, Dentre os legítimos, temos o carismático, o tradicional e o legalburocnitico, O carismático se baseia na força da personalidade do lider, que é seguido espontaneamente por seus seguidores ou discípulos. O tradicional é baseado na história, na cultura, na força e na crença que as coisas são imutáveis: eias são assim porque são, "O dominio legal é caracterizado, do ponto de vista da legitimidade, pela existência de normas legais formais e abstratas e, do ponto de vista do aparelho, pela existência de um stqff 3 7 Cf. BOBBJO, op. cit. "Cf. WEBER (1922). C.�stã0 Futehol 0203\ o l0í3i2002 [8 administrativo burocratico. Weber, portanto, define a Burocracia como a estrutura administrativa, de que se serve o tipo mais puro do dOITÚnio legal,,] 9 No B rasil, ainda. na época do Império, os serviços publicos eram realizados por profissionais liberais ou por indicações politicas, todos ligados a Coroa. Posteriormente, com a proclamação da Republica, iniciou-se um processo de profissionalização e especialização da administração publica, visando a melhoria dos serviços publicos. Ha varios trabalhos classicos sobre a formação e configuração política e social brasileira e outros que tratam das estruturas de poder regional e sua relação com o poder central. Podemos citar: "Os donos do poder" de Raymundo Faoro e "Coronelismo, enxada e voto" de Victor Nunes Leal40 Além desses, ha outros autores classicos como Gilberto Freire, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de /Holanda e Caio Prado Junior, que trabalharam diferentes aspectos da formação política, social e econÔITÚca do Brasil. À burocracia é fruto da sociedade de classes e, por ISSO, acaba por reproduzir as mesmas relações que caracterizam a sociedade da qual faz parte 41 No futebol não foi ditêrente. À CBF, as federações estaduais e os clubes refletem a história da sociedade brasileira. Foram criados pelo governo, ou pela elite, que permitem a participação popular, desde que isso não interfira na esfera decisória. Segundo HELÀL (1997), a estrutura do futebol brasileiro e a forma como ele se organizou refletem o padrão cultural do pais. Para ele, os problemas atuais são fruto de uma contradição interna do sistema: de um lado dirigentes amadores, de outro jogadores profissionais (ética dual); de um lado um arranjo institucional antigo, o ligarca e amador e de outro as forças de mercado, que acabarão forçando a profissionalização da gestão. Neste caso, o clube-empresa e a gestão profissional se opõem à estrutura institucional e ao arranjo de poder existente. Hoje, a maior parte das relações no futebol brasileiro é pessoal, política ou ambas, e as pressões para essa profissionalização também espelham o processo pelo qual passou a administração publica brasileira. Busca-se uma racionalização, a previsibilidade do sistema, para que os investidores possam aplicar seu capital com mais segurança. Ou seja, é a mesma situação encontrada no Brasil dos anos 1930, quando o presidente Getulio Vargas implantou uma série de reformas no setor publico, de modo a organizá-lo e profissionaliza-Io. G�tão Ftnc:bo! 020310 10/3 /2002 19 A burocracia possui um importante papel nos sistemas economlcos modernos. Ela ou influencia o sistema para que este siga um caminho. O futebol brasileiro é um "<', prna que segue uma lógica. A protlssionalização de sua burocracia podera criar uma lógica funcionamento diferente da imposta atualmente (e historicamente) pela elite dominante. gerar 'os mesmos conflitos registrados entre burocratas e políticos no Estado·2 : os hrime:írc)S buscando a rotina, a racionalidade e o controle, baseando seu trabalho em decisões e os segundos, atuando num ambiente de negociação constante, tomam decisões pol1tlca:s, que respondem a interesses também politicos, que nem sempre casam com o parecer :�t:C,IH�'V' Nesse caso, uma diferença clara é que os políticos são eleitos pelo povo, enquanto os do futebol são alçados aos seus postos por meio de acordos, conchavos e reç)re:seIUal'iaV indireta. A burocracia vem mudando seu papel, de executor de atividades correntes, tem pa,ss:ad'o a exercer um papel mais central, na gestão da expansão da organização. No futebol, a fui profissionalizada em sua porção diretamente ligada ao jogo, a comissão que chamamos aqui de burocracia do campo. Porém, ainda não assumiu, com as de praxe, a gestão da empresa. Em outros termos, não participa do processo O exemplo de maior éxito é o de José Carlos Brunoro, ex-técnico de vàlei, que as�;unliu a direção da co-gestão entre Parmalat e Palmeiras, exerceu papel fundamental na JOlmada de decisões sobre os rumos da "empresa", no caso, o time de futeboL Essa mudança papel dos gerentes é o que está acontecendo atualmente no futebol brasileiro, mas não sem .<()lTPr forte oposição. ,RalciclOéili2:ação na gestão do futebol O fato da burocracia assumir o poder é importante, mas é fundamental deixar um para a criatividade, o inusitado. Representante justamente do planejamento e da prevI.sltJlüda,je, o burocrata terá sempre o desafio de não coibir as iniciativas inovadoras. EnnbcJfa este não seja o papel do burocrata, já que originalmente esse papel cabia ao político, O"ISU1lUV a anitlise de \VEBER (1922), no caso do futebol, o gerente / burocrata não podera da obrigação de salvaguardar o espaço da criação, já que o esporte, assim como a arte, é /OClIS natural da criatividade humana 4 3. a questão do embate entre burocratas e políticos. um trabalho importante é o de ABERBACH. PUTNAM e ROCKMAN , fizeram uma pesquisa com burocratas em diversos países ocidentais. Outro trabalho muito discutido é o de �R()Z"ER (1987), sobre a evolução da burocracia e suas implicações Cf. SANTOS (199]), que trata da presença da paixão na gestão em seu estudo sobre o Sport Club Corinthians Paulista. 20 A questão da paixão na gestão do futebol é polemica. Alguns defendem que, embora o lucro do investidor deva ser garantido, a organização voltada para o futebol é fundada na paixão e dela não pode abrir mão. Há uma lógica falsa nessa idéia segundo ela, se o burocrata age em defesa de interesses próprios e ele ama seu time, agindo em seu proveito, estará beneficiando o clube 44 Na verdade, atualmente a burocracia amadora, que hoje administra os clubes brasileiros, já age assim, com as conseqüencias já conhecidas. As decisões não são racionais e nem são baseadas em premissas concretas e no planejamento, o que leva a muitos erros e prejuízos, dentro e fora do campo. Além disso, a atuação em causa própria tem gerado corrupção e evasão de dinheiro dentro dos clubes, como comprovou as CPls. Por outro lado, decisões exclusivamente racionais, visando só o lucro, podem prejudicar o clube. Este foi o caso do desmonte do grande time do Palmeiras, campeão paulista em 1996, antes de alcançar o objetivo maior do clube, que era ser campeão do mundo. No caso, buscou-se apenas o objetivo da empresa financiadora, que era lucrar com a valorização dos jogadores. Mesmo assim, a venda dos jogadores foi feita antes do ápice, o que impediu a empresa de ganhar ainda mais, se aguardasse mais um pouco. A solução para essa dualidade está em não fugir do embate entre técnica e política. Deveria haver uma burocracia profissional administrando os clubes, baseada na técnica e na racionalidade. O contrapoj1to "político", que resguardaria os interesses dos associados e dos torcedores, além da tradição, história e cultura do clube, seria dado por um Conselho eleito pelos sócios, como em uma empresa. Cada um teria um campo de atuação bem definido, mas haveria uma área onde caberia o dissenso, a discussão e o embate entre os dois corpos 45 Gestão no futebol Mas, que gestão é essa que evoluiu? Consideraremos neste trabalho que gestão no futebol significa não só a gestão administrativa e financeira dos clubes, mas também das federações e das atividades ligadas aos clubes, como a organização das ligas. Observando sob outro foco, temos também a gestão da equipe, que é sua organização dentro do campo, a definição da tática a ser utilizada, a determinação das funções de cada jogador e sua participação dentro do conjunto, visando um objetivo único e comum Ainda no àmbito da prática do esporte em si, temos o planejamento da temporada, que deve prever qual o elenco de jogadores necessários, a preparação fisica, e a prevenção do desgaste fisico devido ao 44 Essa idéia foi trabalhada por autores ligados à Nova Economia Política. 21 número excessIvo de jogos, dentre outras atividades, que sào exercidas pelo treinador e sua comissão técnica. Hoje, "o futebol é uma atividade cada vez mais cientifica, tecnológica, planejada e mercadológica, envol vendo toda uma ampla estrutura que precisa cuidar dos aspectos de preparação tlsica e psicológica em detalhes e em profundidade, da construção do time e dos jogadores, do conhecimento de táticas e estratégias de jogo, do estudo dos adversários, da análise de SCOIlIS+ó e estatísticas, da adequada gestão financeira,,·7 Para a boa gestão de tudo isso, é necessário encarar a equipe (e o clube) como uma organização complexa e que exige profissionais especialistas em cáda posição. É cada vez mais utilizado o conceito de /eam building ou construção do time. O jornalista Matinas Suzuki destaca a importância do trabalho psicológico, que implica em "estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e criar mecanismos para que todos se envolvam profundamente para atingir o objetivo. A construção do time implica ( . .. ) em desenvolver uma mentalidade vencedora,,4". Ao se concentrar na construção do time em termos táticos, ele destaca três tàses: 1. Organização. A capacidade de reagIr automaticamente a cada nova situação do jogo. 2. Estratégia. Decidir se a equipe atacará seu adversário ou será reativa. 3. Tática. A partir de diversos fatores como o esquema de jogo do adversário, quais as características dos seus jogadores, sua posição na tabela de classificação, se o jogo é dentro ou fora de casa, definir como o time vai enfrentar o adversário. Esse seria o papel da gestão do time dentro de campo. Mas a gestão do time fora do campo tem que, segundo Matinas Suzuki, "estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e criar mecanismos para que todos se envolvam profundamente para atingir o objetivo,,49 Implica também desenvolver uma mentalidade vencedora, desenvolver em cada jogador a idéia de superação de limites, baseado na integração da equipe. :5 Essa discussão está presente e bem exemplificada em ABERBACH et ali (1981). 6 Scout é a palavra inglesa utilizada para denominar as estatísticas dos jogos, como por exemplo, a quantidade de chutes a gol, passes errados, assistências, destaques das partidas, quem tocou mais na bola e mais uma infinidade de informações, que são utilizadas pelos técnicos para estudar os adversários, corrigir os erros de sua equipe e planejar a tática a ser ; 7 rnpregada nos jogos. 48 Cf. SUZUKJ (199!3). Folha de Sâo Paulo. 14/10/1999. " Cf. SUZUKJ (1999). Fofha de São Paulo. 26/08/1999. Cf. SUZUKI (1999). Folha de São Paulo. 12i08/1999. Gestão 'Çuteboi 0203 10 10i3i20i)'� 22 A evolução dessa gestão significa que, de atividade de lazer, amadora e secundária, como era no final do século XIX, ela passou, a partir do início do século XX, a ser atividade principal, remunerada e especializada. Assim, o protissional é aquele que se dedica integralmente à sua função, é remunerado por esse trabalho e está em constante evolução no que diz respeito a adoção das técnicas mais modernas existentes, bem como buscando a inovação dessas técnicas o conceito de gestão moderna é tão etéreo quanto a quantidade de interpretações existentes. A modernidade foi banalizada em intermináveis citações, mas a idéia de buscar o novo, não pode ser esquecida. Assim, consideramos que uma gestão moderna é a que busca a constante evolução por meio da inovação. E isso é feito por intermédio da adoção das técnicas e métodos mais novos e inovadores (sem cair na falácia da busca do novo pelo novo). Uma organização moderna seria então a que procura antecipar-se às concorrentes na adoção de inovações metodológicas, cientiticas ou tecnológicas. B runoro e Afif colocam assim o conceito: "Modernidade signitica estar a par de tudo aquilo que passa por um processo de transformação: teorias administrativas, avanços tecnológicos - na informática e na medicina esportiva -, tendências do mercado de jogadores no Brasil e no exterior, etc ,,5 0 No caso do futebol, devido à resistência em adotar inovações, a gestão moderna é, simplesmente, a que utiliza os métodos comuns de gestão, praticados por qualquer organização profissional. Metodologia utilizada Partindo desses conceitos, esse estudo fui elaborado, principalmente, por melO da bibliogratia existente sobre o futebol, que, embora ainda insatisfatória, já permite análises consistentes. Assim, tentaremos captar os diferentes enfoques, de modo a entender o desenvolvimento do futebol brasileiro sob o ponto de vista da protissionalização de sua gestão. Por exemplo, os textos históricos nos ajudarão a conhecer a sucessão dos fatos; as análises sociológicas nos darão uma idéia do impacto que estes fatos causaram na sociedade brasileira; as antropológicas nos darão a dimensão humana do futebol; as biografias nos darão a visão cotidiana e real da história; e os textos de marketing esportivo em geral mostrarão a visão atual do negócio futebol. " Cf. BRUNORO e AFIF (1997), p. 49. Gctão Futebol 0'2031 0 l OiJ /2002 23 Também fizemos uma análise de jornais e revistas, que permitiram captar a importància do assunto no seu momento, o tipo de enfoque dado pela imprensa, e quais os fatos considerados mais importantes no calor do momento. Deram-nos também subsidios para a compreensão do momento atual, cuja análise mais elaborada não está disponível em artigos e livros. Além disso, para enriquecer o trabalho, foram feitas entrevistas com atores importantes e representantes de instituições que, de alguma maneira, tem interesses envolvidos no processo (os chamados slake-holders). Iniciaremos a discussão, por um histórico sintético da evolução da gestão do esporte, concentrando a atenção nos avanços técnicos, metodológicos e de gestão, ocorridos no século XX. Depois passaremos para um breve panorama da evolução do futebol no mundo, fucando principalmente nos últimos trinta anos, com a explosão da FIF A e do uso do marketing, que estabeleceram as bases do futebol corno negócio, que forçou a profissionalização da gestão para administrar os novos e volumosos investimentos. Daí então passaremos para a análise do desenvolvimento da gestão do futebol no Brasil, sob diversos aspectos, como a gestão do jogador, a do clube, a das federações, a da CBF e a do Estado, além da evolução da estrutura fisica, legal e dos campeonatos. Concluiremos com urna análise do momento atual, sob a luz da evolução histórica, a partir da qual poderemos ver o que realmente está mudando, qual a natureza dessa mudança e quais os vetores definidores dessas mudanças. Ge&lão Futebol 0203 I O 10/3/2002 24 4. Evolução da gestão nos esportes A e'volução da gestão no mundo dos esportes se deu . sob diferentes estimulos. Inicialmente, a rápida aceitação de vários esportes diferentes levou à retomada dos Jogos Olímpicos, no final do século XIX, um dos primeiros marcos do esporte moderno. A partir dai, os esportes foram ocupando um espaço importante na cultura do século XX, levando os governos, principalmente os totalitários, a se utiíízarem deles para propaganda política. Posteriormente, a guerra fria gerou uma disputa que ajudou a desenvolver metodologias de treinamento, tecnologias voltadas exclusivamente para o esporte e a gestão das equipes. A percepção desse crescimento e desenvolvimento incessante por parte do marketing, terminou por inseri-lo no mercado de bens e serviços ligados ao ramo do entretenimento. Vejamos como isso se deu. O esporte carrega consigo duas idéias: a diversão e a competição. Na Grécia antiga, as olimpíadas eram uma metáfora ou representação pacifica da guerra e os jogos serviam como treinamento para a batalha. Outros esportes mais modernos, como o basquete, surgiram da criatividade associada à falta de opções de divertimento. Há também outros que, embora tendo certidão de nascimento, estavam presentes em diferentes culturas de vários continentes e periodos. Nesse caso se enquadra o futebol, que, apesar de "criado na Inglaterra" no século XIX, tem irmãos mais velhos e muito semelhantes nas culturas chinesa, italiana e na América pré-colombianasl Apesar de termos uma tradição esportiva milenar, até mesmo com grandes competições, foi no final do século XIX, com as Olimpiadas da Era Moderna, que o esporte ganhou um novo status. No século XX as competições ganharam uma importância distinta dos padrões anteriores, exigindo uma preparação e a utilização de recursos mais sofisticados para a sua organização. Além disso, ficou claro que vitórias esportivas traziam do Mundo de Futebol da Itália, em 1934, e os Jogos Olímpicos de Berlim, eM 1936, em peças de propaganda política e afirmação racial" A União Soviética, desejosa de espraiar sua ideologia socialista pelo mundo ocidental, também deu ao esporte um lugar de destaque em sua estratégia de marketing institucional, tornando-se o maior conquistador de medalhas nas Olimpiadas em sua época, para não falar da Alemanha Oriental e outros países socialistas, também grandes "papa-medalhas". Com toda essa importância, os esportes em geral começaram a se desenvolver muito rapidamente, tanto em termos técnicos, quanto em termos gerenciais. A ciência e a tecnologia passaram a ser utilizadas de forma ostensiva, assim como todo um aparato de apoio começou a ser formado para dar assistência aos atletas. Um exemplo disso fui a utilização das idéias de Tayior5\ um engenheiro preocupado em maximizar a produção e que passou a fazer estudos sobre quais os melhores métodos para executar as funções no trabalho. Ele desenvolveu uma série de métodos e regras, medindo, cronometrando, calculando, racionalizando o trabalho de forma a maximizar sua produtividade. Essa filosofia foi implantada em todo o mundo, nâo só nas empresas, mas em outras instituições como nas forças armadas, nas diversas burocracias e no esporte em geral54 Os países fascistas e comunistas, por exemplo, assumidamente ou não, puseram em prática com maestria essa cultura. Nas Olimpíadas de 1952, todos ficaram assombrados com o grande time da Hungria, que foi campeão com goleadas fantásticas. Em 1954, na Copa do Mundo o fato se repetiu, embora eles tenham perdido na final para a Alemanha. Espantava não só o futebol, mas também o fato dos jogadores húngaros já estarem suados antes do jogo começar. O segredo era que eles faziam aquecimento nos vestiàrios, entrando em campo não só suados, mas também mais preparados para a atividade fisica, o que invariavelmente era aproveitado para garantir uma boa vantagem no placar, enquanto os adversários, atónitos, mal conseguiam acompanhar a bola. Era a maximização da preparação fisica. Na preparação dos atletas, os estudos desenvolviam novas técnicas, novas táticas e até novas substâncias (muitas delas proibidas) para aumentar a furça, a resistência, a velocidade, a concentração e tudo o mais que pudesse melhorar os resultados. Fora do campo 5 2 É verdade que, se a Itália acabou sendo campeã mundial de futebol, a Alemanha foi obrigada a engolir uma derrota dentro de sua casa, quando o negro americano Jesse Owens ganhou quatro medalhas de ouro nas principais provas do atletismo, desbancando os atletas "superiores� do Führer. " Cf. TAYLOR (1900). Ge�lão Ftn\!bol 020310 lOi3i::.!002 ------------- ----- - _ e das quadras, plscmas, etc. - cnaram uma comissão técnica que cuidava de todos os detl!lhes, para que o atleta tivesse que se preocupar apenas com a vitória. Além dos clássicos técnico, médico e fisioterapeuta ou massagista, havia também psicólogos, dentistas, engenheiros, gerentes, entre outros profissionais, que, mesmo hoje, não são comuns em todos os esportes e lugares, como no futebol no Brasil. Só para citar alguns exemplos, na Alemanha Oriental os movimentos dos nadadores eram filmados (no que é imitada por todos hoje) e estudados com o auxílio da fisica e da mecânica, de modo a verificar qual a melhor forma de executar o movimento, maximizando o desempenho do esforço do atleta. O vôlei e o basquete passaram a ter treinadores específicos para cada posição ou função dentro da quadra (ataque e defesa, por exemplo), que trabalham especificamente aquilo no qual são especiaiistas. Em diversos esportes, as regras têm sido mudadas por vários motivos: para privilegiar a competição, para acompanhar o aumento da força fisica dos atletas, para se adequar aos avanços tecnológicos e, principalmente, para facilitar transmissões pela televisão. Pensando em termos de marketing, o basquetebol amencano é imbatível. No final dos 1970, a National Basketball Association (NtiA), a liga que equivale ao campeonato nacional profissional, passava por um período crítico, sem público, com a imagem abalada por casos de violência e abuso de drogas pelos atletas. No entanto, a partir dai, criou-se uma estrutura que gerou um dos maiores produtos esportivos do mundo atualmente, que distribui milhões de dólares em salários e movimenta só nos Estados Unidos cinco bilhões de dólares anuais55 , além de outros tantos em todos os continentes em artigos de todos os tipos, consumidos avidamente pelos fàS56 Fica claro, portanto, que o esporte deixou de ser aquela atividade lúdica de outros tempos e passou a ser um fenômeno econômico e cultural, que movimenta milhões de dólares. Se, por um lado, alimenta os sonhos de muitos garotos e adultos, transformando jovens atletas em super-homens, por outro, ele cobra a conta de tudo isso, exigindo mais dedicação, profissionalismo e organização de sua gestã057 " Apesar de seu pioneirismo e contribuição à teoria da administração, Taylor logo teve suas idéias criticadas. Segundo BRAVERMAN (1973), ele contribuiu menos para aumentar a produtividade por meio de métodos científicos, e mais para k�stituir uma relação de trabalho excludente, vertical e autoritária. 'S6 Conforme BRUNORO, 1 007, p. 36. Sobre a história recente da NBA, vide HALBERSTA�.'" (lfOO), que faz uma análise muito boa sobre toda a estrutura e 1�ncionamento do basquete norte-americano, bem como da filosofia de trabalho por trás dos negócios no esporte daquele país. Sobre a mercantiHzação das Olimpíadas, doping e disputa de poder envolvendo os Jogos Olímpicos, vide SIMSON & JENNINGS (1992). Gem.ão futebol 020310 10/3j2üO�; 27 . No Brasil, o uso da ClenCla (descobertas no campo da fisiologia e medicina esportiva) e da tecnologia (novos materiais e equipamentos) para a melhoria dos resultados e de métodos mais modernos de administração na gestão do esporte nem sempre foi um hábito. Na verdade, ainda hoje o esporte em geral carece de apoio e está sempre as voltas com a busca de patrocinio para treinar e competir. Pensando nos esportes mais populares a coisa é um pouco melhor. O vàlei tomou o segundo lugar do basquete na prefenlncia popular no inicio dos anos 1 980, justamente por implementar uma estrutura profissional. Com a criação, . naquela década, dos times da Pirelli (empresa do ramo de produtos automotivos), em São Paulo, e da Atlântica Boa Vista (uma companhia de seguros), no Rio de Janeiro, ocorreram duas coisas importantes� uma, foi a presença da empresa no esporte com um marketing institucional intenso; e a outra foi a possibilidade de proporcionar uma estrutura extremamente profissional e avançada para a época, permitindo que os atletas tivessem as melhores condições de treinamento. O resultado? Ginásios cheios, confrontos sensacionais entre os dois times, a conquista de titulos pela seleção brasileira, incluindo uma medalha olímpica, e a popularização do vàlei. Gô,1ão Futebol 020310 10/3/2002 28 . 5. Evolução da gestão no futebol - -------------------- No futebol, o ritmo das mudanças normalmente foi bem menor que nos outros . esportes: seja no campo da técnica e da tática, seja na questão das regras, seja na adequação do produto ao mercado. Um dos poucos campos em que foi pioneiro foi o da profissionalização dos seus atletas, que ocorreu no inicio do século XX, muito antes que em outros esportes. Vejamos agora algumas das principais mudanças que ocorreram no futebol, principalmente na segunda metade do sécuio XX Com relação às regras do jogo, uma alteração importante foi a de aumentar a pontuação por vitória de dois para três pontos, reduzindo muito o peso do empate (um ponto) na composição dos pontos da equipe. Isso mexeu muito com os esquemas táticos das equipes, ja que a vitória passou a ser mais valorizada. Àté a Copa de 1 994, o empate era valioso demais para ser descartado e por isso as equipes entravam em campo mais preocupadas em não tomar gol do que construir jogadas ofensivas. Outro grande fato (que abalou as estruturas do futebol na Europa e vem influenciando o resto do mundo) foi o Caso Bosman, em 1 990, que veio causar uma mudança radical nas relações de trabalho entre clubes e jogadores na Comunidade Européia. Bosman era jogador do Liége, da Bélgica, e queria jogar no Dunquerc, da França, mas seu time não liberou seu passe, alegando que o time frances não tinha garantias bancárias para pagar a sua transferência. O atleta entrou com uma ação trabalhista na corte européia de justiça, em Luxemburgo, pedindo a liberação do passe, e ganhou a causa em 15 de dezembro de 1995 . O advogado baseou sua defesa no acordo de livre circulação de trabalhadores nos paises da Comunidade Européia. A sentença, inédita até então, criou uma jurisprudência que, na pratica, acabou com a posse do passe do jogador pelos clubes na Europa. Após a polêmica, Bosman foi boicotado pelos times europeus, que não quiseram mais contrata-lo. À despeito disso, os clubes tiveram que se adaptar à nova regra. Mas, o grande fato ocorrido no futebol mundial nas ultimas décadas foi o crescimento da FIF A e transformação da Copa do Mundo no evento mais assistido do raundo. Sob o comando do brasileiro João Havelange, eleito em 1 974, a instituição transformou o O"-"';tão Fut<:bo! 020310 10;3/2002 futebol em um gigantesco negócio do mundo do entretenimento. Isso fez com que passasse a ser encarado, mais do que como um esporte, como uma oportunidade de lucro. Assim, muitas das mudanças ocorreram a reboque do crescimento da FIF A e da inserção do futebol buslIless na industria do entretenimento. Representando o futebol em todo o mundo, ela é hoje maior que a ONU em número de países, com duzentos e seis membros. A Copa do Mundo e o evento mais assistido em todos os continentes, tendo movimentado cerca de US$ I bilhão de dólares na Copa da França. Para se ter uma idéia do crescimento do negócio, a penúltima Copa, nos Estados Unidos, movimentou US$ 250 milhões e espera-se US$ 1 ,2 bilhão para a proximaShankley, o técnico e mallager escocês do Liverpool: - 'E claro que o futebol não é uma questão de vida ou morte, o futebol é muito mais importante que isso'. Foi num campo de futebol que se abriu, pela primeira vez, na História, uma tàixa pela anistia aos presos políticos brasileiros; foi no Morumbi, com cem mil pessoas, num jogo entre Corinthians e Santos. E por que num campo de futebol com cem mil pessoas') Porque não dava pra polícia chegar lá em cima e prender todo mundo; quando a polícia chegou, a faixa já havia desaparecido. Foi num campo de futebol, no Estádio Nacional -- de Santiago, na primeira partida depois que o Estádio foi liberado, após servir de prisão por dois anos e meio, no Estádio onde morreram patriotas chilenos e brasileiros, que houve um apagão, a primeira manifestação por liberdade, durante a ditadura Pinochet. Quando as pessoas se deram conta, estava tudo apagado, e começou um canto: 'libertad, libertad, libertad .. ' Havia sessenta mil pessoas no jogo entre o Universidad Católica e o Colocolo, e seria impossível colocar sessenta mil pessoas dentro dos camburões. Então, não se pode deixar de entender que o futebol é a coisa que nos faz nos sentirmos crianças, que o futebol é mais ou menos como a praia, que uniformiza todo mundo. Por mais que o estádio tenha suas divisões, a arquibancada do Maracanã é o único lugar, num pais de estratificação tão poderosa como o Brasil, em que ainda se vê um rico abraçar um pobre. Não entender todas essas caracteristicas, e que o futebol imita a vida, como pouquíssimas áreas da atividade humana, é, , . " 8 no nummo, uma pena. 'Cf. KFOURI (2=), p. 61. 7 Por que o futebol se tornou tão popular'7 Ainda não há uma explicação satisfatória, mas há muitos indicios. Em primeiro lugar, era (e cada vez mais é) o mais democrático dos esportes, permitindo que "baixinhos", "gordos", "tísicos", "asmátícos", "tortos,,9, entre outros, aparentemente pouco afeitos à prática desportiva, não só participassem das pelejas, como se 10 destacassem . Depois, foi introduzido como a última grande novidade da Europa, o que lhe conferia uma aura especial (pelo menos no Brasil). Em terceiro lugar, uma constataçào: um esporte que se difundiu em todos os continentes e que é, sem sombra de dúvida, o mais popular do mundo, sendo praticado da China ao Uruguai, passando pela África e Europa, quaisquer que sejam os motivos, tem algo de especial, que encanta as pessoas independente da cultura e origem, mais do que qualquer outro. Mas, sem dúvida, muito do fuscinio que o futebol causa advém do elemento do acaso, que proporciona uma intensa emoção durante o jogo. A incerteza é a mãe do seu sucesso. Ao contrário da maioria dos esportes, nunca há fuvoritos absolutos. Aqui, a incidência de resultados inesperados é muito maior. Isso cria sempre a esperança no torcedor que seu time pode vencer, por mais criticas que sejam as condições. O jogador também se fortalece e corre até o último minuto atrás da vitória, pois sabe que nào há times imbatíveis. Isso explica, por exemplo, um time em inferioridade numérica reverter o placar de uma partida. Como diz o ditado popular, "a partida só termina, quando acaba". O psicólogo Cláudio Wagner!! faz uma interessante análise ergonômica do futebol, utilizando gráficos, comparando o futebol ao ato sexual. Uma partida de futebol possui uma curva que cresce lentamente, em que se cria uma tensão até a explosão do gol (o orgasmo). Essa tensão e os baixos escores permite a valorização do tento (assim como poucos times na história foram capazes de proporcionar goleadas semanais para sua torcida, poucas pessoas podem se gabar do mesmo feito sob os lençóis), o que não acontece com outros esportes, como vólei e basquete, onde os placares são dilatados, vulgarizando o momento maior da 9 Por exemplo, fui asmático durante boa parte de minha infância e adolescência, o que não me impediu de me tornar um �lande meia-esquerda. _ '. . , . . � Exemplos famosos nao faltam: temos hOJe o baixinho Romano, alem de Maradona; o velho ingles Stanley Mathews, que jogou até os 50 anos; o anjo torto Garrincha, o gordo húngaro Puskas; o magrelo Telê Santana, de apelido "Fio de Esperança": o desengonçado Dadá Maravilha, que apesar da pouquíssima habilidade, fez mais de 50] gols, etc. Imagine então na várzea �uantos craques desconhecidos não maravilharam suas platéias? , Cf. WAGNER (1998). ----� · EssiÍ. seria mais uma explicação para o sucesso desse esporte, já que faz uma relação a natureza humana, independente da cultura 1 2 Quanto á famosa ginga brasileira, de suposta origem mulata, viria da cultura negra. Jgllm11S versões defendem que os negros, por sua cultura ritmica, presente no samba e na por exemplo, acostumados a dançar, fintar, gingar, etc. tenham incorporado essa aD!LUU,aU� ao futebol. Outra explicação é que, no início do século XX, não era dado aos o "direito" de disputar as bolas com os brancos ccm o mesmo "afinco. Por isso, eles obrigados a desenvolver mais a habilidade, para driblar ou tomar a bola sem contato Não há provas, nem conclusões definitivas quanto a isso, mas, de fato, foi a partir da icorpc,ra\;ao do negro ao jogo que começou a surgir o estilo brasileiro de jogar futebol, que ; conhecidos e respeitados por todos. Esse foi o caso dos governos europeus, na época imperialismo, no final do século XIX O processo de colonização dos continentes africano e asiático pelos paises europeus gerou a necessidade de criar organizações que dessem conta dominar povos que estavam a milhares de quilômetros. Aiém disso, nessa época, os governos europeus começaram a oferecer serviços públicos para população, como saneamento e iluminação das ruas. Nesses dois exemplos, também percebe-se a necessidade de profissionais que dessem conta de organizar e administrar esses serviços. A esse corpo de funcionários, deu-se o nome de burocracia, que inicialmente (metade do século XVIII) era um termo negativo. No entanto, a partir de meados do século XIX, começou-se a se utilizar o termo no seu sentido técnico: "conjunto de estudos juridicos e da ciência da administração alemães que versam sobre Bureau>ystem, o novo aparelho administrativo prussiano, organizado monocrática e hierarquicamente, que,' no início do século XIX, substitui os velhos corpos administrativos colegiais. A ênfase destas obras é normativa e se refere especialmente á precisa especificação das funções, á atribuição de • esferas de competência bem delimitadas, aos critérios de assunção e de carreira. Por esta tradição técnico-juridica, o conceito de Burocracia designa uma teoria e uma praxe da administração pública que é considerada a mais eficiente possível (. . . ) A conceituação dada por Max Weber (...) considera que a Burocracia como uma especifica variante moderna das soluções dadas ao problema geral da administração" 37 Weber3 8 enquadra a Burocracia dentro de sua análise sobre os tipos de domínio. Há o legítimo e o não legitimo, Dentre os legítimos, temos o carismático, o tradicional e o legalburocnitico, O carismático se baseia na força da personalidade do lider, que é seguido espontaneamente por seus seguidores ou discípulos. O tradicional é baseado na história, na cultura, na força e na crença que as coisas são imutáveis: eias são assim porque são, "O dominio legal é caracterizado, do ponto de vista da legitimidade, pela existência de normas legais formais e abstratas e, do ponto de vista do aparelho, pela existência de um stqff 3 7 Cf. BOBBJO, op. cit. "Cf. WEBER (1922). C.�stã0 Futehol 0203\ o l0í3i2002 [8 administrativo burocratico. Weber, portanto, define a Burocracia como a estrutura administrativa, de que se serve o tipo mais puro do dOITÚnio legal,,] 9 No B rasil, ainda. na época do Império, os serviços publicos eram realizados por profissionais liberais ou por indicações politicas, todos ligados a Coroa. Posteriormente, com a proclamação da Republica, iniciou-se um processo de profissionalização e especialização da administração publica, visando a melhoria dos serviços publicos. Ha varios trabalhos classicos sobre a formação e configuração política e social brasileira e outros que tratam das estruturas de poder regional e sua relação com o poder central. Podemos citar: "Os donos do poder" de Raymundo Faoro e "Coronelismo, enxada e voto" de Victor Nunes Leal40 Além desses, ha outros autores classicos como Gilberto Freire, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de /Holanda e Caio Prado Junior, que trabalharam diferentes aspectos da formação política, social e econÔITÚca do Brasil. À burocracia é fruto da sociedade de classes e, por ISSO, acaba por reproduzir as mesmas relações que caracterizam a sociedade da qual faz parte 41 No futebol não foi ditêrente. À CBF, as federações estaduais e os clubes refletem a história da sociedade brasileira. Foram criados pelo governo, ou pela elite, que permitem a participação popular, desde que isso não interfira na esfera decisória. Segundo HELÀL (1997), a estrutura do futebol brasileiro e a forma como ele se organizou refletem o padrão cultural do pais. Para ele, os problemas atuais são fruto de uma contradição interna do sistema: de um lado dirigentes amadores, de outro jogadores profissionais (ética dual); de um lado um arranjo institucional antigo, o ligarca e amador e de outro as forças de mercado, que acabarão forçando a profissionalização da gestão. Neste caso, o clube-empresa e a gestão profissional se opõem à estrutura institucional e ao arranjo de poder existente. Hoje, a maior parte das relações no futebol brasileiro é pessoal, política ou ambas, e as pressões para essa profissionalização também espelham o processo pelo qual passou a administração publica brasileira. Busca-se uma racionalização, a previsibilidade do sistema, para que os investidores possam aplicar seu capital com mais segurança. Ou seja, é a mesma situação encontrada no Brasil dos anos 1930, quando o presidente Getulio Vargas implantou uma série de reformas no setor publico, de modo a organizá-lo e profissionaliza-Io. G�tão Ftnc:bo! 020310 10/3 /2002 19 A burocracia possui um importante papel nos sistemas economlcos modernos. Ela ou influencia o sistema para que este siga um caminho. O futebol brasileiro é um "<', prna que segue uma lógica. A protlssionalização de sua burocracia podera criar uma lógica funcionamento diferente da imposta atualmente (e historicamente) pela elite dominante. gerar 'os mesmos conflitos registrados entre burocratas e políticos no Estado·2 : os hrime:írc)S buscando a rotina, a racionalidade e o controle, baseando seu trabalho em decisões e os segundos, atuando num ambiente de negociação constante, tomam decisões pol1tlca:s, que respondem a interesses também politicos, que nem sempre casam com o parecer :�t:C,IH�'V' Nesse caso, uma diferença clara é que os políticos são eleitos pelo povo, enquanto os do futebol são alçados aos seus postos por meio de acordos, conchavos e reç)re:seIUal'iaV indireta. A burocracia vem mudando seu papel, de executor de atividades correntes, tem pa,ss:ad'o a exercer um papel mais central, na gestão da expansão da organização. No futebol, a fui profissionalizada em sua porção diretamente ligada ao jogo, a comissão que chamamos aqui de burocracia do campo. Porém, ainda não assumiu, com as de praxe, a gestão da empresa. Em outros termos, não participa do processo O exemplo de maior éxito é o de José Carlos Brunoro, ex-técnico de vàlei, que as�;unliu a direção da co-gestão entre Parmalat e Palmeiras, exerceu papel fundamental na JOlmada de decisões sobre os rumos da "empresa", no caso, o time de futeboL Essa mudança papel dos gerentes é o que está acontecendo atualmente no futebol brasileiro, mas não sem .<()lTPr forte oposição. ,RalciclOéili2:ação na gestão do futebol O fato da burocracia assumir o poder é importante, mas é fundamental deixar um para a criatividade, o inusitado. Representante justamente do planejamento e da prevI.sltJlüda,je, o burocrata terá sempre o desafio de não coibir as iniciativas inovadoras. EnnbcJfa este não seja o papel do burocrata, já que originalmente esse papel cabia ao político, O"ISU1lUV a anitlise de \VEBER (1922), no caso do futebol, o gerente / burocrata não podera da obrigação de salvaguardar o espaço da criação, já que o esporte, assim como a arte, é /OClIS natural da criatividade humana 4 3. a questão do embate entre burocratas e políticos. um trabalho importante é o de ABERBACH. PUTNAM e ROCKMAN , fizeram uma pesquisa com burocratas em diversos países ocidentais. Outro trabalho muito discutido é o de �R()Z"ER (1987), sobre a evolução da burocracia e suas implicações Cf. SANTOS (199]), que trata da presença da paixão na gestão em seu estudo sobre o Sport Club Corinthians Paulista. 20 A questão da paixão na gestão do futebol é polemica. Alguns defendem que, embora o lucro do investidor deva ser garantido, a organização voltada para o futebol é fundada na paixão e dela não pode abrir mão. Há uma lógica falsa nessa idéia segundo ela, se o burocrata age em defesa de interesses próprios e ele ama seu time, agindo em seu proveito, estará beneficiando o clube 44 Na verdade, atualmente a burocracia amadora, que hoje administra os clubes brasileiros, já age assim, com as conseqüencias já conhecidas. As decisões não são racionais e nem são baseadas em premissas concretas e no planejamento, o que leva a muitos erros e prejuízos, dentro e fora do campo. Além disso, a atuação em causa própria tem gerado corrupção e evasão de dinheiro dentro dos clubes, como comprovou as CPls. Por outro lado, decisões exclusivamente racionais, visando só o lucro, podem prejudicar o clube. Este foi o caso do desmonte do grande time do Palmeiras, campeão paulista em 1996, antes de alcançar o objetivo maior do clube, que era ser campeão do mundo. No caso, buscou-se apenas o objetivo da empresa financiadora, que era lucrar com a valorização dos jogadores. Mesmo assim, a venda dos jogadores foi feita antes do ápice, o que impediu a empresa de ganhar ainda mais, se aguardasse mais um pouco. A solução para essa dualidade está em não fugir do embate entre técnica e política. Deveria haver uma burocracia profissional administrando os clubes, baseada na técnica e na racionalidade. O contrapoj1to "político", que resguardaria os interesses dos associados e dos torcedores, além da tradição, história e cultura do clube, seria dado por um Conselho eleito pelos sócios, como em uma empresa. Cada um teria um campo de atuação bem definido, mas haveria uma área onde caberia o dissenso, a discussão e o embate entre os dois corpos 45 Gestão no futebol Mas, que gestão é essa que evoluiu? Consideraremos neste trabalho que gestão no futebol significa não só a gestão administrativa e financeira dos clubes, mas também das federações e das atividades ligadas aos clubes, como a organização das ligas. Observando sob outro foco, temos também a gestão da equipe, que é sua organização dentro do campo, a definição da tática a ser utilizada, a determinação das funções de cada jogador e sua participação dentro do conjunto, visando um objetivo único e comum Ainda no àmbito da prática do esporte em si, temos o planejamento da temporada, que deve prever qual o elenco de jogadores necessários, a preparação fisica, e a prevenção do desgaste fisico devido ao 44 Essa idéia foi trabalhada por autores ligados à Nova Economia Política. 21 número excessIvo de jogos, dentre outras atividades, que sào exercidas pelo treinador e sua comissão técnica. Hoje, "o futebol é uma atividade cada vez mais cientifica, tecnológica, planejada e mercadológica, envol vendo toda uma ampla estrutura que precisa cuidar dos aspectos de preparação tlsica e psicológica em detalhes e em profundidade, da construção do time e dos jogadores, do conhecimento de táticas e estratégias de jogo, do estudo dos adversários, da análise de SCOIlIS+ó e estatísticas, da adequada gestão financeira,,·7 Para a boa gestão de tudo isso, é necessário encarar a equipe (e o clube) como uma organização complexa e que exige profissionais especialistas em cáda posição. É cada vez mais utilizado o conceito de /eam building ou construção do time. O jornalista Matinas Suzuki destaca a importância do trabalho psicológico, que implica em "estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e criar mecanismos para que todos se envolvam profundamente para atingir o objetivo. A construção do time implica ( . .. ) em desenvolver uma mentalidade vencedora,,4". Ao se concentrar na construção do time em termos táticos, ele destaca três tàses: 1. Organização. A capacidade de reagIr automaticamente a cada nova situação do jogo. 2. Estratégia. Decidir se a equipe atacará seu adversário ou será reativa. 3. Tática. A partir de diversos fatores como o esquema de jogo do adversário, quais as características dos seus jogadores, sua posição na tabela de classificação, se o jogo é dentro ou fora de casa, definir como o time vai enfrentar o adversário. Esse seria o papel da gestão do time dentro de campo. Mas a gestão do time fora do campo tem que, segundo Matinas Suzuki, "estabelecer um objetivo comum a ser alcançado e criar mecanismos para que todos se envolvam profundamente para atingir o objetivo,,49 Implica também desenvolver uma mentalidade vencedora, desenvolver em cada jogador a idéia de superação de limites, baseado na integração da equipe. :5 Essa discussão está presente e bem exemplificada em ABERBACH et ali (1981). 6 Scout é a palavra inglesa utilizada para denominar as estatísticas dos jogos, como por exemplo, a quantidade de chutes a gol, passes errados, assistências, destaques das partidas, quem tocou mais na bola e mais uma infinidade de informações, que são utilizadas pelos técnicos para estudar os adversários, corrigir os erros de sua equipe e planejar a tática a ser ; 7 rnpregada nos jogos. 48 Cf. SUZUKJ (199!3). Folha de Sâo Paulo. 14/10/1999. " Cf. SUZUKJ (1999). Fofha de São Paulo. 26/08/1999. Cf. SUZUKI (1999). Folha de São Paulo. 12i08/1999. Gestão 'Çuteboi 0203 10 10i3i20i)'� 22 A evolução dessa gestão significa que, de atividade de lazer, amadora e secundária, como era no final do século XIX, ela passou, a partir do início do século XX, a ser atividade principal, remunerada e especializada. Assim, o protissional é aquele que se dedica integralmente à sua função, é remunerado por esse trabalho e está em constante evolução no que diz respeito a adoção das técnicas mais modernas existentes, bem como buscando a inovação dessas técnicas o conceito de gestão moderna é tão etéreo quanto a quantidade de interpretações existentes. A modernidade foi banalizada em intermináveis citações, mas a idéia de buscar o novo, não pode ser esquecida. Assim, consideramos que uma gestão moderna é a que busca a constante evolução por meio da inovação. E isso é feito por intermédio da adoção das técnicas e métodos mais novos e inovadores (sem cair na falácia da busca do novo pelo novo). Uma organização moderna seria então a que procura antecipar-se às concorrentes na adoção de inovações metodológicas, cientiticas ou tecnológicas. B runoro e Afif colocam assim o conceito: "Modernidade signitica estar a par de tudo aquilo que passa por um processo de transformação: teorias administrativas, avanços tecnológicos - na informática e na medicina esportiva -, tendências do mercado de jogadores no Brasil e no exterior, etc ,,5 0 No caso do futebol, devido à resistência em adotar inovações, a gestão moderna é, simplesmente, a que utiliza os métodos comuns de gestão, praticados por qualquer organização profissional. Metodologia utilizada Partindo desses conceitos, esse estudo fui elaborado, principalmente, por melO da bibliogratia existente sobre o futebol, que, embora ainda insatisfatória, já permite análises consistentes. Assim, tentaremos captar os diferentes enfoques, de modo a entender o desenvolvimento do futebol brasileiro sob o ponto de vista da protissionalização de sua gestão. Por exemplo, os textos históricos nos ajudarão a conhecer a sucessão dos fatos; as análises sociológicas nos darão uma idéia do impacto que estes fatos causaram na sociedade brasileira; as antropológicas nos darão a dimensão humana do futebol; as biografias nos darão a visão cotidiana e real da história; e os textos de marketing esportivo em geral mostrarão a visão atual do negócio futebol. " Cf. BRUNORO e AFIF (1997), p. 49. Gctão Futebol 0'2031 0 l OiJ /2002 23 Também fizemos uma análise de jornais e revistas, que permitiram captar a importància do assunto no seu momento, o tipo de enfoque dado pela imprensa, e quais os fatos considerados mais importantes no calor do momento. Deram-nos também subsidios para a compreensão do momento atual, cuja análise mais elaborada não está disponível em artigos e livros. Além disso, para enriquecer o trabalho, foram feitas entrevistas com atores importantes e representantes de instituições que, de alguma maneira, tem interesses envolvidos no processo (os chamados slake-holders). Iniciaremos a discussão, por um histórico sintético da evolução da gestão do esporte, concentrando a atenção nos avanços técnicos, metodológicos e de gestão, ocorridos no século XX. Depois passaremos para um breve panorama da evolução do futebol no mundo, fucando principalmente nos últimos trinta anos, com a explosão da FIF A e do uso do marketing, que estabeleceram as bases do futebol corno negócio, que forçou a profissionalização da gestão para administrar os novos e volumosos investimentos. Daí então passaremos para a análise do desenvolvimento da gestão do futebol no Brasil, sob diversos aspectos, como a gestão do jogador, a do clube, a das federações, a da CBF e a do Estado, além da evolução da estrutura fisica, legal e dos campeonatos. Concluiremos com urna análise do momento atual, sob a luz da evolução histórica, a partir da qual poderemos ver o que realmente está mudando, qual a natureza dessa mudança e quais os vetores definidores dessas mudanças. Ge&lão Futebol 0203 I O 10/3/2002 24 4. Evolução da gestão nos esportes A e'volução da gestão no mundo dos esportes se deu . sob diferentes estimulos. Inicialmente, a rápida aceitação de vários esportes diferentes levou à retomada dos Jogos Olímpicos, no final do século XIX, um dos primeiros marcos do esporte moderno. A partir dai, os esportes foram ocupando um espaço importante na cultura do século XX, levando os governos, principalmente os totalitários, a se utiíízarem deles para propaganda política. Posteriormente, a guerra fria gerou uma disputa que ajudou a desenvolver metodologias de treinamento, tecnologias voltadas exclusivamente para o esporte e a gestão das equipes. A percepção desse crescimento e desenvolvimento incessante por parte do marketing, terminou por inseri-lo no mercado de bens e serviços ligados ao ramo do entretenimento. Vejamos como isso se deu. O esporte carrega consigo duas idéias: a diversão e a competição. Na Grécia antiga, as olimpíadas eram uma metáfora ou representação pacifica da guerra e os jogos serviam como treinamento para a batalha. Outros esportes mais modernos, como o basquete, surgiram da criatividade associada à falta de opções de divertimento. Há também outros que, embora tendo certidão de nascimento, estavam presentes em diferentes culturas de vários continentes e periodos. Nesse caso se enquadra o futebol, que, apesar de "criado na Inglaterra" no século XIX, tem irmãos mais velhos e muito semelhantes nas culturas chinesa, italiana e na América pré-colombianasl Apesar de termos uma tradição esportiva milenar, até mesmo com grandes competições, foi no final do século XIX, com as Olimpiadas da Era Moderna, que o esporte ganhou um novo status. No século XX as competições ganharam uma importância distinta dos padrões anteriores, exigindo uma preparação e a utilização de recursos mais sofisticados para a sua organização. Além disso, ficou claro que vitórias esportivas traziam do Mundo de Futebol da Itália, em 1934, e os Jogos Olímpicos de Berlim, eM 1936, em peças de propaganda política e afirmação racial" A União Soviética, desejosa de espraiar sua ideologia socialista pelo mundo ocidental, também deu ao esporte um lugar de destaque em sua estratégia de marketing institucional, tornando-se o maior conquistador de medalhas nas Olimpiadas em sua época, para não falar da Alemanha Oriental e outros países socialistas, também grandes "papa-medalhas". Com toda essa importância, os esportes em geral começaram a se desenvolver muito rapidamente, tanto em termos técnicos, quanto em termos gerenciais. A ciência e a tecnologia passaram a ser utilizadas de forma ostensiva, assim como todo um aparato de apoio começou a ser formado para dar assistência aos atletas. Um exemplo disso fui a utilização das idéias de Tayior5\ um engenheiro preocupado em maximizar a produção e que passou a fazer estudos sobre quais os melhores métodos para executar as funções no trabalho. Ele desenvolveu uma série de métodos e regras, medindo, cronometrando, calculando, racionalizando o trabalho de forma a maximizar sua produtividade. Essa filosofia foi implantada em todo o mundo, nâo só nas empresas, mas em outras instituições como nas forças armadas, nas diversas burocracias e no esporte em geral54 Os países fascistas e comunistas, por exemplo, assumidamente ou não, puseram em prática com maestria essa cultura. Nas Olimpíadas de 1952, todos ficaram assombrados com o grande time da Hungria, que foi campeão com goleadas fantásticas. Em 1954, na Copa do Mundo o fato se repetiu, embora eles tenham perdido na final para a Alemanha. Espantava não só o futebol, mas também o fato dos jogadores húngaros já estarem suados antes do jogo começar. O segredo era que eles faziam aquecimento nos vestiàrios, entrando em campo não só suados, mas também mais preparados para a atividade fisica, o que invariavelmente era aproveitado para garantir uma boa vantagem no placar, enquanto os adversários, atónitos, mal conseguiam acompanhar a bola. Era a maximização da preparação fisica. Na preparação dos atletas, os estudos desenvolviam novas técnicas, novas táticas e até novas substâncias (muitas delas proibidas) para aumentar a furça, a resistência, a velocidade, a concentração e tudo o mais que pudesse melhorar os resultados. Fora do campo 5 2 É verdade que, se a Itália acabou sendo campeã mundial de futebol, a Alemanha foi obrigada a engolir uma derrota dentro de sua casa, quando o negro americano Jesse Owens ganhou quatro medalhas de ouro nas principais provas do atletismo, desbancando os atletas "superiores� do Führer. " Cf. TAYLOR (1900). Ge�lão Ftn\!bol 020310 lOi3i::.!002 ------------- ----- - _ e das quadras, plscmas, etc. - cnaram uma comissão técnica que cuidava de todos os detl!lhes, para que o atleta tivesse que se preocupar apenas com a vitória. Além dos clássicos técnico, médico e fisioterapeuta ou massagista, havia também psicólogos, dentistas, engenheiros, gerentes, entre outros profissionais, que, mesmo hoje, não são comuns em todos os esportes e lugares, como no futebol no Brasil. Só para citar alguns exemplos, na Alemanha Oriental os movimentos dos nadadores eram filmados (no que é imitada por todos hoje) e estudados com o auxílio da fisica e da mecânica, de modo a verificar qual a melhor forma de executar o movimento, maximizando o desempenho do esforço do atleta. O vôlei e o basquete passaram a ter treinadores específicos para cada posição ou função dentro da quadra (ataque e defesa, por exemplo), que trabalham especificamente aquilo no qual são especiaiistas. Em diversos esportes, as regras têm sido mudadas por vários motivos: para privilegiar a competição, para acompanhar o aumento da força fisica dos atletas, para se adequar aos avanços tecnológicos e, principalmente, para facilitar transmissões pela televisão. Pensando em termos de marketing, o basquetebol amencano é imbatível. No final dos 1970, a National Basketball Association (NtiA), a liga que equivale ao campeonato nacional profissional, passava por um período crítico, sem público, com a imagem abalada por casos de violência e abuso de drogas pelos atletas. No entanto, a partir dai, criou-se uma estrutura que gerou um dos maiores produtos esportivos do mundo atualmente, que distribui milhões de dólares em salários e movimenta só nos Estados Unidos cinco bilhões de dólares anuais55 , além de outros tantos em todos os continentes em artigos de todos os tipos, consumidos avidamente pelos fàS56 Fica claro, portanto, que o esporte deixou de ser aquela atividade lúdica de outros tempos e passou a ser um fenômeno econômico e cultural, que movimenta milhões de dólares. Se, por um lado, alimenta os sonhos de muitos garotos e adultos, transformando jovens atletas em super-homens, por outro, ele cobra a conta de tudo isso, exigindo mais dedicação, profissionalismo e organização de sua gestã057 " Apesar de seu pioneirismo e contribuição à teoria da administração, Taylor logo teve suas idéias criticadas. Segundo BRAVERMAN (1973), ele contribuiu menos para aumentar a produtividade por meio de métodos científicos, e mais para k�stituir uma relação de trabalho excludente, vertical e autoritária. 'S6 Conforme BRUNORO, 1 007, p. 36. Sobre a história recente da NBA, vide HALBERSTA�.'" (lfOO), que faz uma análise muito boa sobre toda a estrutura e 1�ncionamento do basquete norte-americano, bem como da filosofia de trabalho por trás dos negócios no esporte daquele país. Sobre a mercantiHzação das Olimpíadas, doping e disputa de poder envolvendo os Jogos Olímpicos, vide SIMSON & JENNINGS (1992). Gem.ão futebol 020310 10/3j2üO�; 27 . No Brasil, o uso da ClenCla (descobertas no campo da fisiologia e medicina esportiva) e da tecnologia (novos materiais e equipamentos) para a melhoria dos resultados e de métodos mais modernos de administração na gestão do esporte nem sempre foi um hábito. Na verdade, ainda hoje o esporte em geral carece de apoio e está sempre as voltas com a busca de patrocinio para treinar e competir. Pensando nos esportes mais populares a coisa é um pouco melhor. O vàlei tomou o segundo lugar do basquete na prefenlncia popular no inicio dos anos 1 980, justamente por implementar uma estrutura profissional. Com a criação, . naquela década, dos times da Pirelli (empresa do ramo de produtos automotivos), em São Paulo, e da Atlântica Boa Vista (uma companhia de seguros), no Rio de Janeiro, ocorreram duas coisas importantes� uma, foi a presença da empresa no esporte com um marketing institucional intenso; e a outra foi a possibilidade de proporcionar uma estrutura extremamente profissional e avançada para a época, permitindo que os atletas tivessem as melhores condições de treinamento. O resultado? Ginásios cheios, confrontos sensacionais entre os dois times, a conquista de titulos pela seleção brasileira, incluindo uma medalha olímpica, e a popularização do vàlei. Gô,1ão Futebol 020310 10/3/2002 28 . 5. Evolução da gestão no futebol - -------------------- No futebol, o ritmo das mudanças normalmente foi bem menor que nos outros . esportes: seja no campo da técnica e da tática, seja na questão das regras, seja na adequação do produto ao mercado. Um dos poucos campos em que foi pioneiro foi o da profissionalização dos seus atletas, que ocorreu no inicio do século XX, muito antes que em outros esportes. Vejamos agora algumas das principais mudanças que ocorreram no futebol, principalmente na segunda metade do sécuio XX Com relação às regras do jogo, uma alteração importante foi a de aumentar a pontuação por vitória de dois para três pontos, reduzindo muito o peso do empate (um ponto) na composição dos pontos da equipe. Isso mexeu muito com os esquemas táticos das equipes, ja que a vitória passou a ser mais valorizada. Àté a Copa de 1 994, o empate era valioso demais para ser descartado e por isso as equipes entravam em campo mais preocupadas em não tomar gol do que construir jogadas ofensivas. Outro grande fato (que abalou as estruturas do futebol na Europa e vem influenciando o resto do mundo) foi o Caso Bosman, em 1 990, que veio causar uma mudança radical nas relações de trabalho entre clubes e jogadores na Comunidade Européia. Bosman era jogador do Liége, da Bélgica, e queria jogar no Dunquerc, da França, mas seu time não liberou seu passe, alegando que o time frances não tinha garantias bancárias para pagar a sua transferência. O atleta entrou com uma ação trabalhista na corte européia de justiça, em Luxemburgo, pedindo a liberação do passe, e ganhou a causa em 15 de dezembro de 1995 . O advogado baseou sua defesa no acordo de livre circulação de trabalhadores nos paises da Comunidade Européia. A sentença, inédita até então, criou uma jurisprudência que, na pratica, acabou com a posse do passe do jogador pelos clubes na Europa. Após a polêmica, Bosman foi boicotado pelos times europeus, que não quiseram mais contrata-lo. À despeito disso, os clubes tiveram que se adaptar à nova regra. Mas, o grande fato ocorrido no futebol mundial nas ultimas décadas foi o crescimento da FIF A e transformação da Copa do Mundo no evento mais assistido do raundo. Sob o comando do brasileiro João Havelange, eleito em 1 974, a instituição transformou o O"-"';tão Fut<:bo! 020310 10;3/2002 futebol em um gigantesco negócio do mundo do entretenimento. Isso fez com que passasse a ser encarado, mais do que como um esporte, como uma oportunidade de lucro. Assim, muitas das mudanças ocorreram a reboque do crescimento da FIF A e da inserção do futebol buslIless na industria do entretenimento. Representando o futebol em todo o mundo, ela é hoje maior que a ONU em número de países, com duzentos e seis membros. A Copa do Mundo e o evento mais assistido em todos os continentes, tendo movimentado cerca de US$ I bilhão de dólares na Copa da França. Para se ter uma idéia do crescimento do negócio, a penúltima Copa, nos Estados Unidos, movimentou US$ 250 milhões e espera-se US$ 1 ,2 bilhão para a próxima. 

O crescimento do futebol como negocio levou os clubes a se organizarem como empresas. "Quando se tàla em time como empresa, não importa tanto em qual modalidade ele se encaixa (patrocínio, parceria, empresa ou sociedade com capital aberto em Bolsas de Valores). O fundamental é que haja uma gestão empresarial moderna, profissionalizada, voltada á inserção do futebol na indústria do entretenimento, na qual é uma das mídias mais importantes e com capacidade de captar tantos recursos quanto os necessários para financiar a longa e caríssima série de atividades de que um time, para ser competitivo no cenário atual, necessita"". Assim, aquele clube amador, administrado por gerentes não remunerados, financiado exclusivamente pelo público nos estádios e pelos seus sócios é cada vez mais 59  

Esse processo de profissionalização da gestão, mesmo na Europa, é relativamente recente, coincidindo com o desenvolvimento da indústría do futebol, a partir dos anos 1 970, o crescimento da FIF A, e transformação da Copa do Mundo em um evento lucrativo. Embora há muito tempo tenham um nível alto de organização, reflexo do fato da Europa possuir um arcabouço legal, institucional e moral mais antigo e consolidado, a gestão dos clubes permaneceu amadora durante muito tempo, se profissionalizando apenas recentemente e ainda estando em desenvolvimento 60 Atualmente, as pressões por mudanças tem gerado novos mtos a cada dia. Nos últimos anos, os times ingleses tem colocado ações na bolsa, alcançando valorizações

 
. Revisão Bibliográfica

 Livros sobre futebol e a�suntos co-relatos aos desse trahalho, selecionados em pesquisas bibliográficas, que, por diversos motivos, não foram aqui utilizados, mas creio serem úteis para outros pesquisadores. ARAÚJO, R. Benzaquen de. Os Gênios da Pelota: um Estudo do Futebol como Projissão. Dissertação de mestrado. Rio dc Janeiro: Muscu Nacional, 1980. BA YTENDIJK, F. J . 1. Psicologia do Futebol. São Paulo: Herder, 1965. BOLlNGER, D. & HOFSTEDE, G. res d�fJerénces culturel/es dans /e management: comment chaque pays gere-t-il ses hommes? Paris: Éditions de I' organisation, 1987. BUMBAL, Olto Pedro. '"ogistica dei Futho/ Actual. Madrid: Esteban Sanz, Espanha, 1 982. BURRELL, Gibson & MORGAN, Gareth. Sociological paradigms and organizational annalysis: elements ofsociology of corporate life. Ashgate Puhlishing Company, 1 979. CMONE, Modesto. Cem anos de futebol. Memória, ano VI, no. 20, jan-set 1994 CASTRO, Marcos de & MÁXIMO, João. Gigantes do Futebol Brasileiro. 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