Extradição de Cesare Battisti por Temer tem brecha para defesa
Marcella Fernandes
A história de Cesare Battisti no Brasil pode não ter um fim com a decisão do presidente Michel Temer, de extraditá-lo, nesta sexta-feira (14). Apesar de o pedido de prisão determinado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux abrir o caminho, um ato imediato do Executivo é alvo de contestação.
Segundo a defesa do italiano, não há fato novo que justifique sua prisão e Battisti não deve ficar submetido para sempre "ao sabor das alterações do cenário político brasileiro e à consequente possibilidade de ser entregue a seu país de origem".
Os advogados do italiano entraram, nesta sexta, com um recurso no STF contra a decisão de Fux. Após o decreto de Temer, foi apresentado um novo questionamento para reiterar o pedido anterior, "o qual deverá abranger todo e qualquer ato praticado pelo Poder Executivo tendente à entrega do agravante a País estrangeiro".
Segundo Fux, sua decisão veio depois de a Interpol pedir a prisão de Battisti pelos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Em 2017, o italiano foi preso preventivamente na fronteira do Brasil com a Bolívia, com cerca de US$ 5 mil e € 2 mil em espécie.
A defesa de Battisti, no entanto, argumenta que o italiano não é processado por lavagem de dinheiro e responde a ação por tentativa de evasão de divisas "sem qualquer condenação nem mesmo em primeira instância, devendo ser considerado o princípio da presunção de inocência para tanto".
Questionado pela reportagem sobre os supostos delitos de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, o advogado Igor Sant'Anna Tamasauskas respondeu que eles "não deveriam interferir" na questão da extradição.
Os advogados também dão por encerrado o processo anterior de julgamento da extradição porque não caberia a um novo presidente revisar a decisão do ex-presidente Lula, de 2010, já que se passou o prazo de cinco anos. Outro argumento é que Battisti tem um filho brasileiro que depende dele economicamente.
Para a advogada constitucionalista e mestre em administração pública pela FGV (Fundação Getulio Vargas) Vera Chemim, não caberia uma revisão do processo anterior de extradição. "O processo anterior do ponto de vista jurídico morreu, já foi julgado e ele não foi extraditado. Teoricamente o presidente da República não poderia se posicionar novamente agora", afirmou.
De acordo com a especialista, uma nova decisão do Executivo dependeria do avanço das investigações dos novos supostos delitos. "Se houver um fato novo que possa ser causa da abertura de um novo processo baseado no cometimento de um novo crime, então no meu entendimento, você poderia extraditá-lo. Teria que haver abertura de um processo obtenção de provas para ver se realmente ele cometeu esses crimes."
O italiano está foragido. De acordo com Tamasauskas, até o início da noite desta sexta, não se sabia o paradeiro de Battisti.
STF e extradição de Batisti
Condenado por quatro homicídios na Itália na década de 1970, quando integrava o grupo armado Proletários Armados pelo Comunismo, Battisti veio para o Brasil em 2004. Três anos depois, seu país de origem pediu a extradição. Em 2009, o STF aceitou o pedido, mas entendeu que a palavra final seria do presidente da República, em respeito às relações internacionais.
O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve o italiano no Brasil sob o argumento de que ele sofreria perseguição política se voltasse para Itália. Essa é uma das hipóteses garantidas pelo acordo de extradição entre os dois países.
Em outubro de 2017, contudo, Battisti foi preso preventivamente na fronteira por tentar deixar o Brasil com mais de R$ 10 mil sem declarar à Receita Federal. O italiano é investigado por evasão de divisas, mas responde em liberdade.
No governo Lula, o italiano ganhou status de refugiado graças a uma decisão do então ministro da Justiça, Tarso Genro. Para o petista, o italiano mantinha essa condição até a decisão de Fux. "Trata-se de um mero acordo político entre dois governos de extrema direita", afirmou Tarso Genro ao HuffPost Brasil.
O ex-ministro não quis comentar os aspectos jurídicos do caso. "Se eu for analisar juridicamente estarei entrando num debate que prestigiaria o que é, apenas, uma decisão política", completou.
Eleito presidente com o impulso do antipetismo, Jair Bolsonaro aproveitou o momento para reforçar a oposição à decisão de Lula. O capitão da reserva respondeu no Twitter à mensagem do ministro do Interior italiano, Matteo Salvini. "Obrigado pela consideração de sempre, Senhor Ministro do Interior da Itália. Que tudo seja normalizado brevemente no caso deste terrorista assassino defendido pelos companheiros de ideais brasileiros! Conte conosco!", escreveu, em italiano.
Na avaliação de Chemim, tanto a decisão de extraditar quanto de não extraditar ganharam contornos políticos. "Assim como Lula utilizou-se de uma norma para não extraditar, da mesma maneira, pelo poder discricionário do presidente, são utilizadas as normas do tratado e da legislação que regula a extradição e se diz 'vou extraditar porque cometeu mais um crime'", afirmou.
Apesar de defender que o momento atual exigiria um novo julgamento para que Battisti voltasse à Itália, a advogada constitucionalista entende que, antes da decisão de Lula, o italiano cumpria os requisitos jurídicos para ser extraditado. "Não há dúvida de que ele estaria enquadrado nas normas que preveem a extradição em caso de cometimento de crime em que a sanção remete a pena privativa de liberdade."
Mudança de Fux sobre Battisti
Em 2017, a Itália pediu que o governo Michel Temer revisasse a decisão que vetou a extradição. A defesa de Battisti solicitou ao Supremo um habeas corpus preventivo, que foi concedido pelo relator, ministro Luiz Fux.
A decisão provisória garantia que o italiano não deixasse o Brasil até um novo posicionamento do STF. De acordo com Fux, o Judiciário não pode reverter a decisão de um presidente sobre extradição até que a 1ª Turma do STF julgue o caso, o que ainda não ocorreu.
Na última quinta-feira (14), contudo, Fux revogou a liminar após pedido da Interpol. O ministro destacou ainda que o presidente tem soberania para revisar a decisão sobre a extradição. "Tendo o Judiciário reconhecido a higidez do processo de extradição, a decisão do chefe de Estado sobre a entrega do extraditando, bem assim como a sua eventual reconsideração, não se submetem ao controle judicial."
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